CARTA PRA ENDEREÇO PERDIDO - Imagem: art by Joshi Daniel. - Um poema
esmagado no interior de uma garrafa vazia e a imensidão do mar: três coisas e
uma só, sem destinatário ou qualquer um, pouco importa. É que qualquer que seja
a encomenda pra endereço esquecido vai dar na venda – sentimentos demasiados e jamais
redimidos pras histórias com todas as suas cargas emotivas a se entrecruzarem por
lágrimas ou mangações, errâncias de cada um, topando carências e afetos
movediços. É como se dissesse que ontem mesmo eu tinha trocentos amigos, e os
tempos eram outros: o toma lá dá cá do apreço mútuo, nada mais. É certo que
muitos se penduravam às algibeiras, embora os tivesse mesmo na alta conta da
estima. Muitos outros ficaram no desapontamento, os exclusivistas, porque os
tinha nos laços da afeição, e na verdade só queriam lado a lado nas suas
questiúnculas e mesquinharias, daí pro arisco, bastava ser amigo dos seus
inimigos – logo eu que jamais pactuei de panelinhas, nem nunca reivindiquei
extrema confiança por não me achar melhor que ninguém. Na verdade, nunca fui
confiável mesmo que dedicasse a mais alta lealdade com quem quer que seja, a
ponto de não abrir nem prum trem de injustiça, ou cair fora nas horas mais
deprimentes. Da minha parte, não reconheço limites, sou menino que pula muros e
não teme se estrepar com a queda do outro lado. Para muitos isso é o mesmo que
fazer o devido fora do caco, desmoronamento das expectativas ou desvelamento do
caráter suspeito. Isso tudo é irrelevante, sempre fui solidário, mesmo no
território de quem só vale pelo mal que possa fazer; e fui excluído disso,
porque há tempos meu coração sereno e pacífico jamais desconheceu o afável, e
mesmo assim nunca covarde nem sucumbente aos interesses. Também aprendi que não
há coração sozinho, há muita atração por todo tempo e lugar, mesmo que cada um
só queira saber do seu umbigo no aqui e agora dono do mundo. Não se pode brincar
com o sentimento alheio, feras emergem incontroláveis de fúria e o amor de
antes vai, no mesmo tanto, pro ódio a partir de então, e talvez não haja chance
alguma de evitar o desastre por isso. Não dá para tirar proveito como quem vive
na esquina hesitando se pra lá ou pra cá, ou quem faz de vitrine seu estoque,
ou do horizonte uma estreita passagem ou viela, esperando a ocasião e o
milagre, porque não há quem esteja isento dos aflogísticos e inflamações da
imponderabilidade do amor; e o pior é não sabê-lo ou desconsiderá-lo, apelo de
quem teima estar cônscio do nunca antes sentido nem revelado: o leitor que
nunca viu nas águas o poema esmagado dentro da garrafa. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja
mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do compositor, pianista, musicólogo e
pedagogo Paulo Gazzaneo: Suíte Instantâneos, Fantasia para piano e cordas &
Duo Quanta – Baião; da compositora e pianista Diva Lyra (1922-2011): Estudos completos, Suíte Reflexos &
Fantasia em mi menor; & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog
& nos 35 Anos de Arte
Cidadã. Para conferir é só ligar o
som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – [...] na
totalidade da linguagem cada significação está ligada ao seu contrário, cada sentido
ao seu inverso, - e somente a união de ambos nos permite uma expressão adequada
do ser. A síntese espiritual, a união que se realiza na palavra, assemelha-se à
harmonia do cosmos e assim se expressa, na medida em que constitui uma harmonia
de tensões opostas [...]. Pensamento extraído da obra A filosofia das formas simbólicas (Martins Fontes, 2001), do
filósofo alemão Ernst Cassirer (1874-1945). Veja mais aqui.
CRIAÇÃO, EMOÇÃO & ARTE – [...] A verdadeira execução é um ato tão criativo
quanto a composição, exatamente como o próprio desenvolvimento da ideia pelo
compositor, depois de ele ter concebido o movimento maior e, com isso, toda a
forma dominante, é ainda trabalho criativo.
[...] Um executante cuja proferição seja
inspirada inteiramente pela forma dominante da obra não precisa restringir
coisa alguma, mas, sim, dar tudo que tem – todo o sentimento para cada frase,
cada tensão harmônica determinante ou indeterminante na obra. Audição interior,
imaginação muscular de tom, desejo de audição exterior: estas condicionam o
estádio final da feitura de uma obra musical. [...] A música é uma arte ocorrente; uma obra musical cresce da primeira
imaginação de seu movimento geral até sua apresentação física, completa, sua “ocorrência”
[...]. Trechos extraídos da obra Sentimento e forma: uma teoria da arte desenvolvida a partir de
"filosofia em nova chave" (Perspectiva, 1980), da filósofa da arte
estadunidense Susanne Langer (1895-1985), tratando sobre a fundamental
indagação filosófica e semiológica por meio dos conceitos básicos de simbolismo
e significação, dos mecanismos de sua formação e articulação, oriunda de uma
outra de sua autoria Filosofia em nova
chave : um estudo do simbolismo da razão, rito e arte (Perspectiva, 1971),
em que expressa que: [...] Todas as artes
aspiram constantemente à condição de música [...] A única maneira pela qual podemos realmente
considerar o movimento vital, a agitação, o desenvolvimento e a passagem da
emoção, e finalmente todo o sentido direto da vida humana, é em termos
artísticos [...], propondo especificar
com o maior rigor o significado de conceitos como expressão, criação, símbolo,
importe, intuição, vitalidade e forma. Além destas, numa outra obra sua, Ensaios filosóficos (Cultrix, 1980), ela
afirma que: [...] A imaginação
primitiva, a produção de imagens mentais – foi o primeiro passo na criação não
só da arte, mas também da linguagem [...].
CATELA NO BANHO - Em
Nápoles, cidade antiquíssima e aprazível, como outra não há na Itália, existiu
um jovem, claro por sua nobreza de sangue e esplêndido por suas riquezas,
chamado Ricardo Minútolo, o qual, embora fosse casado com uma jovem belíssima,
enamorou-se de outra que, de acordo com a opinião de todos, ultrapassava de
muito em beleza, a todas as mulheres napolitanas. Chamava-se Catela e era
mullher de um jovem igualmente nobre, Filipe Sighinolfo, e que ela, por ser
honestíssima, amava sobre todas as coisas. Ricardo Minútolo, amando-a e fazendo
todas as coisas com que se podem obter as graças e o amor de uma mulher, e não
chegando em nada a realizar os seus desejos, quase se desesperava. Não podendo
ou não sabendo libertar-se do amor, tampouco morria, nem lhe aprazia o viver. E
em tal estado aconteceu que, aconselhado por alguns parentes seus, quis
desistir de tal amor, posto que em vão se fadigava, já que Catela encontrava a
sua felicidade apenas em Felipe de quem com tal ciúme vivia, que temia que até
as aves que passavam pelo ar, quisessem tomar-lho. Sabedor dos ciúmes de
Catela, Ricardo, subitamente, tomou uma resolução, começando a aparentar que do
amor de Catela desesperava e por isso colocava a sua ambição em outra mulher
nobre e por amor desta fazia em justas e torneios todas aquelas façanhas que só
por Catela faria. Não passou muito tempo que todos os napolitanos, Catela
inclusive, se convenceram de que ele amava grandemente essa segunda dama, e
tanto nisso perseverou que todos se convenceram de que a verdade era essa, e a
própria Catela renunciou à esquivança com que o tratava, quando o sabia
enamorado, passando a usar da intimidade que como vizinho lhe devia,
saudando-o, como fazia com os outros. Ora, aconteceu que, sendo o dia de calor,
muitas comitivas de homens e mulheres, de acordo com os costumes napolitanos,
se transladaram para as praias e Ricardo, sabendo que Catela também havia ido
com os seus, tomou parte em uma comitiva, tendo sido recebido no grupo de
Catela não sem antes muito fazer-se de rogado. Então Catela e as mulheres
puseram-se a motejar de seu novo amor, do qual ele, mostrando-se muito aceso,
dava ainda mais motivos para comentários. Enquanto isso, umas iam para uma
direção, outras para outra, como acontece por aquelas paragens, restando Catela
com poucas outras onde estava Ricardo; esse fez logo alusão a certo amor de
Filipe, seu marido, o que a fez acender-se de súbito ciúme e começou a arder,
toda desejo de saber o que Ricardo queria dizer. Depois de se ter dominado por
algum tempo, e não podendo mais fazê-lo, pediu a Ricardo que, pelo amor da
mulher que mais amava, a esclarecesse sobre o que dissera de Filipe. E Ricardo
falou: — Vós me conjurastes por pessoa tal que eu não poderia atrever-me a
negar o que pedis, e por isso estou pronto a dizer-vos, desde que me prometais
que não direis palavra do que eu disser depois de verificardes a verdade do que
afirmo. E quando quiserdes, eu vos ensinarei como podereis verificá-la. A
mulher ficou satisfeira com o que ele pedia e acreditou ainda mais que ele
dizia a verdade, jurando-lhe que a ninguém o revelaria. Retirados para um lado
em que ninguém os ouviria, Ricardo disse: — Senhora, se eu vos amasse como já
vos amei, não me atreveria a dizer coisa que acreditasse poder aborrecer-vos.
Mas como aquele amor é passado, preocupa-me menos o descobrir-vos toda a
verdade. Não sei de Filipe alguma vez se ultrajou com o amor que eu vos
dediquei ou se abrigou a crença de que eu fosse por vós amado. Mas seja lá como
for, nem uma nem outra coisa ele jamais deixou transparecer. Agora, esperando
talvez uma ocasião, pois acredita que eu esteja menos desconfiado, dá mostras
de querer fazer a mim o que eu duvido que ele não tema que eu lhe faça: ele
quer, em suma, conquistar a minha mulher. E pelo que eu tenho entendido, ele de
pouco tempo para cá, secretissimamente a tem solicitado, em repetidas
embaixadas, de todas as quais por ela mesma fui inteirado, e a quem ela deu a
resposta que eu impus. Esta manhã, porém, antes de eu vir aqui, encontrei em
minha casa uma mulher desassisada que vi logo muito bem quem era. Chamei a
minha esposa e perguntei-lhe o que pedia aquela mulher, ao que ela redargüiu: —
É a instigação de Filipe que a faz vir aqui em busca de respostas e esperanças
e diz que a todo custo quer saber o que eu pretendo fazer e que ela, quando eu
quiser, fará que eu vá secretamente a um banho com ele e para que eu consinta,
assaz me pede e importuna. E se não fosses tu que me meteste nesses enredos,
não sei por que, eu me teria livrado dele de tal maneira que nunca mais se
atreveria a pôr os olhos onde eu estivesse. — Então, pareceu-me que Filipe
avançava muito e que não era possível tolerar mais e resolvi dizer-vos, para
que reconheçais a recompensa que a vossa completa fidelidade recebe, e pela
qual eu já estive na iminência de ser levado ao sepulcro. E para que não
penseis que o que digo são apenas palavras e fábulas, se não verdades de que,
quando quiserdes, podereis certificar-vos, disse a minha esposa que à mulher
que a esperava respondesse que estava disposta a aparecer amanhã às três da
tarde, ao banho. Com isso, a criatura partiu contentíssima. Não presumo agora
que acrediteis que eu a enviasse. Mas se eu estivesse em vosso lugar, faria que
ele se encontrasse comigo em lugar de encontrar-se com quem ele quer e, depois
de curta permanência com ele, eu lhe faria ver com quem havia estado,
tratando-o então como merece. E assim agindo, de tal sorte ele se envergonharia
que ficará a um tempo vingada a ofensa que quis infligir a mim e a vós. Catela,
sem atender a quem lhe falava nem aos seus enganos, como soem fazer os
ciumentos, subitamente deu fé às palavras e passou a ligar com este fato
algumas coisas que haviam acontecido antes. E de súbita ira acesa, respondeu
que ela assim certamente agiria e que, se ele aparecesse, ela o envergonharia
de tal sorte que sempre que ele visse alguma mulher, o episódio lhe voltaria à
imaginação. Ricardo, contente com o que via e parecendo-lhe que a idéia havia
sido boa e procedente, confirmou a sua perfídia com muitas outras palavras,
fazendo-a acreditar mais, rogando-lhe todavia, que não dissesse a ninguém o que
ele lhe havia falado, o que ela prometeu sob palavra. Na manhã seguinte,
Ricardo foi ao encontro da boa mulher que era a dona da casa de banhos,
disse-lhe o que pretendia fazer e pediu-lhe que o favorecesse. A boa criatura,
que o apreciava muito, disse que o faria de bom grado, combinando com ele o que
teria de fazer ou dizer. Na casa de banhos havia um quarto muito escuro, dada a
falta de qualquer janela. A conselho de Ricardo, a mulher, pôs ali uma cama em
que ele se meteu à espera de Catela. Dando às palavras de Ricardo mais fé do
que mereciam, à tarde, Catela voltou aborrecida para casa, onde Filipe também
voltava cheio de outros pensamentos, tendo tratado a esposa com menos
familiaridade do que de costume, o que contribuiu para aumentar a sua
desconfiança. Dizia consigo mesma: "Na verdade ele está pensando na mulher
com quem pretende encontrar-se amanhã, o que com toda a certeza não irá
acontecer". E passou a noite dominada por este pensamento e imaginando o
que lhe deveria dizer na hora azada. Chegada a hora, Catela, acompanhada de uma
criada, dirigiu-se para a casa de banhos. E ali, encontrando a boa mulher,
perguntou-lhe se Filipe havia aparecido, ao que a proprietária, industriada por
Ricardo, respondeu: — Sois a mulher que deverá encontrar-se com ele? — Sim,
respondeu Catela. — Podeis entrar, redargüiu, pois ele está lá dentro. Catela,
que andava procurando o que não queria encontrar, dirigiu-se ao quarto. Entrou
com a cabeça coberta, e fechou a porta. Ricardo, à sua chegada, levantou-se
feliz e acolhendo-a nos braços, disse, calmamente: — Vem, alma minha. Catela,
querendo mostrar ser outra que não ela mesma, abraçou-o e beijou-o, acariciando
– e sem dizer palavra, temendo, se falasse por ele seria reconhecida. O quarto
era escuríssiimo, o que foi de agrado de ambos. Nem mesmo a grande permanência
ali dentro deu aos seus olhos o poder de verem claro. Ricardo conduziu-a para o
leito e aí, sem falar, de modo que a voz não o pudesse trair, por grandíssimo
espaço de tempo ficaram, e com grande alegria de ambos. Mas quando a Catela
pareceu que era chegada a ocasião de desabafar-se, acesa de fervente ira,
disse: — Ah, quanto é mísera a sorte das mulheres e como é mal empregado o amor
de muitas para com os maridos! Desgraçada de mim, há oito anos que eu te amo
mais do que a minha vida e tu ardes e te consomes no amor de mulher estranha.
Criminoso e perverso, com quem acreditas que estejas? Estás com aquela que, com
falsas lisonjas, enganaste e por muitas vezes, fingindo-lhe amor quando estavas
enamorado de outra. Eu sou Catela, não sou a mulher de Ricardo, traidor
desleal. Escuta, para ver se reconheces a minha voz. Parece que mil anos que
vivêssemos eu não te envergonharia como mereces, cachorro sujo e vituperável.
Desgraçada de mim! A quem eu, por tantos anos, dediquei tanto amor? A este cão
desleal que, acreditando ter nos braços mulher estranha, me fez mais carícias
nas poucas horas que aqui me teve do que em todas as outras em que me possuiu.
Estivesses hoje, cão renegado, bastante animoso enquanto em casa mostras-te
débil, rendido e impotente. Mas Deus louvado, lavraste o teu campo e não campo
alheio como acreditavas. Não é de estranhar que esta noite passada não me
houvesses procurado. Esperavas em outro lugar aliviar a tua carga e querias
chegar, cavaleiro fresco à batalha. Mas louvado seja Deus assim como a minha
precaução seja louvada, a água desceu para o mar como devia. E não me
respondes, criminoso? Nada me dizes? Emudeceste só de ouvir-me? Palavra que não
sei o que me impede de meter as mãos nos teus olhos, arrancando-os! Acreditaste
fazer ocultamente esta traição? Por Deus, vês bem que tanto sabe um como o
outro. Não o conseguiste. Saí-me melhor do que supunhas. Ricardo gozava consigo
mesmo aquelas palavras e sem responder nada, abraçava-a e beijava-a, e mais do
que nunca fazia-lhe grandes carícias. E ela continuava dizendo: — Pensas agora
que as tuas carícias infinitas possam agradar-me e consolar-me, cão fastioso.
Mas erras. Não me darei por consolada, enquanto eu não te vituperar em presença
de quantos parentes e amigos e vizinhos tenhamos. Ora, não sou eu, perverso,
tão bela como a mulher de Ricardo Minútolo? Não sou tão gentil dama como ela?
Por que não me respondes, cão imundo? Que tem ela mais do que eu? Aparta-te,
não me toques que já fizeste o suficiente por hoje. Sei bem que de agora em
diante, já bem sabes quem sou, forcejarás por fazer até esse momento
espontaneamente não fizeste. Mas se Deus me der a sua graça, eu te farei
padecer de ciúme; não sei o que é que me prende que não mando chamar por
Ricardo, que me amou mais do que a si mesmo e jamais pôde orgulhar-se de eu
tê-lo olhado, uma vez que fosse, e não sei que mal teria havido se eu o
houvesse feito. Acreditaste ter a mulher dele e é como se a tivesses possuído,
pois não esteve em ti a culpa de não se tratar dela. Portanto, se ele me
possuísse, não terias por que me censurar. As palavras foram bastantes e grande
a amargura da mulher. Por fim, Ricardo, pensando que se saísse, deixando-a
nessa crença, muitos males poderiam sobrevir, deliberou revelar-se, tirando-a
do engano em que estava. E, segurando-a bem entre os braços, de modo que não
pudesse escapar, disse: "Doce amor meu, não vos perturbeis, aquilo que,
simplesmente amando, não pude ter. Amor, com enganos, ensinou-me a possuir. Eu
sou o vosso Ricardo." Catela subitamente quis atirar-se do leito mas não
pôde. Quis gritar, mas Ricardo tapou-lhe a boca, dizendo: — Senhora, é
impossível que aquilo que aconteceu, deixe de ter acontecido, embora ficásseis
a vida toda gritando. E se gritardes ou fizerdes que, de qualquer maneira, o
que fizemos venha a ser do conhecimento de qualquer pessoa, duas coisas podem
acontecer: Uma (que não vos deve importar pouco) é que a vossa honra e boa
reputação serão destruídas, pois se disserdes que eu aqui vos trouxe por
engano, terei que responder que não é verdade, antes que vos fiz vir por
dinheiro e presentes prometidos e que, por não terem sido o que esperáveis, vós
vos perturbastes, passando a fazer tão grande alarido. E vós sabeis que o povo
está mais inclinado a acreditar no mal que no bem e por isso mesmo é que
acreditará em mim, antes de acreditar em vós. Depois disso nascerá entre vosso
marido e mim uma inimizade mortal e pode acontecer muito bem que um de nós
acabe matando o outro, tal seja a marcha dos acontecimentos, coisa que de
nenhum modo vos deve deixar contente. E, por isso, coração meu, não queirais a
um tempo, desonrar-vos e pôr em perigo e luta a vosso marido e a mim. Não sois
a primeira nem sereis a última a ser enganada, nem vos enganei para tirar-vos a
honra, mas por um imenso amor que vos dedico e dedicarei sempre, dispondo-me a
ser vosso humílimo servidor. E como há muito que eu e minhas coisas e tudo que
eu possa e valha fiz vossos e pus a vosso serviço, acredito que de hoje em
diante ainda mais o estarão. Ora, vós sois esclarecida em outras coisas e estou
certo de que o sereis também nessa. Catela chorava profusamente. E muito
perturbada e amarga, deu razão às palavras de Ricardo. É que ela acreditava
possível vir a acontecer o que Ricardo prognosticava. E disse: — Ricardo, eu
não sei como Deus possa conceder-me que eu tolere a injúria e o engano que me
fizestes. Não quero gritar aqui aonde fui conduzida pela minha ingenuidade e
ciúme, mas vivei seguro de uma coisa, que eu não ficarei contente, enquanto não
me vingar do que me fizeste. Já é tempo de me deixardes. Deixai-me, imploro. Já
possuístes o que desejastes e já muito me maltratastes. Ricardo dispunha-se
todavia a não a deixar, a não ser depois de reaver a sua paz. Por isso, começou
com dulcíssimas palavras a apaziguá-la, tanto disse, rogou e conjurou que ela,
vencida, fez as pazes com ele e, postos enfim de acordo, permaneceram por muito
tempo em amistosa companhia. E a mulher, conhecendo então que os beijos do
amante são mais saborosos que os do marido, transformou em doce amor a sua
dureza e, daquele dia em diante, ternissimamente o amou e, agindo,
avisadissimamente, muitas vezes gozaram do seu amor. E que Deus nos faça gozar
do nosso. Extraído das Histórias galantes (Cultrix, 1959), do escritor italiano nascido em
Paris, Giovani Boccaccio
(1313-1375). Veja mais aqui e aqui.
UM POEMA DO CAPÍTULO 2 - Um
café e um amor… Quentes, por favor! / Sem excessos de doçura ou amargura. / Forte
/ Doce… / Que ambos façam meu coração acelerar. / Que me mantenham vivo. / Um
café e um amor… Quentes, por favor! / E que de nenhum deles eu sofra de vício,
/ Mas que de ambos, / Eu possa me dar ao luxo do hábito / Um café e um amor…
Quentes por favor! / Pra ter calma nos dias frios. / Pra dar colo / Quando as
coisas estiverem por um fio. / E que eles nunca tenham gosto de ontem / Nem
anseiem pelo amanhã / Que me façam feliz nesse agora, / Que me abracem pela
manhã. Poema do escritor,
jornalista e dramaturgo Caio Fernando Abreu (1948-1996). Veja mais aqui.
A ARTE DE JOSHI DANIEL
Art by
Joshi Daniel.
&
Circo
Itinerante, o pensamento de John Gray, o teatro de Hermilo Borba Filho & a arte de
Nelina Trubach Moshnikova aqui.