terça-feira, maio 22, 2018

CAIO ABREU, BOCCACCIO, CASSIRER, SUSANNE LANGER, JOSHI DANIEL, PAULO GAZZANEO & DIVA LYRA


CARTA PRA ENDEREÇO PERDIDO - Imagem: art by Joshi Daniel. - Um poema esmagado no interior de uma garrafa vazia e a imensidão do mar: três coisas e uma só, sem destinatário ou qualquer um, pouco importa. É que qualquer que seja a encomenda pra endereço esquecido vai dar na venda – sentimentos demasiados e jamais redimidos pras histórias com todas as suas cargas emotivas a se entrecruzarem por lágrimas ou mangações, errâncias de cada um, topando carências e afetos movediços. É como se dissesse que ontem mesmo eu tinha trocentos amigos, e os tempos eram outros: o toma lá dá cá do apreço mútuo, nada mais. É certo que muitos se penduravam às algibeiras, embora os tivesse mesmo na alta conta da estima. Muitos outros ficaram no desapontamento, os exclusivistas, porque os tinha nos laços da afeição, e na verdade só queriam lado a lado nas suas questiúnculas e mesquinharias, daí pro arisco, bastava ser amigo dos seus inimigos – logo eu que jamais pactuei de panelinhas, nem nunca reivindiquei extrema confiança por não me achar melhor que ninguém. Na verdade, nunca fui confiável mesmo que dedicasse a mais alta lealdade com quem quer que seja, a ponto de não abrir nem prum trem de injustiça, ou cair fora nas horas mais deprimentes. Da minha parte, não reconheço limites, sou menino que pula muros e não teme se estrepar com a queda do outro lado. Para muitos isso é o mesmo que fazer o devido fora do caco, desmoronamento das expectativas ou desvelamento do caráter suspeito. Isso tudo é irrelevante, sempre fui solidário, mesmo no território de quem só vale pelo mal que possa fazer; e fui excluído disso, porque há tempos meu coração sereno e pacífico jamais desconheceu o afável, e mesmo assim nunca covarde nem sucumbente aos interesses. Também aprendi que não há coração sozinho, há muita atração por todo tempo e lugar, mesmo que cada um só queira saber do seu umbigo no aqui e agora dono do mundo. Não se pode brincar com o sentimento alheio, feras emergem incontroláveis de fúria e o amor de antes vai, no mesmo tanto, pro ódio a partir de então, e talvez não haja chance alguma de evitar o desastre por isso. Não dá para tirar proveito como quem vive na esquina hesitando se pra lá ou pra cá, ou quem faz de vitrine seu estoque, ou do horizonte uma estreita passagem ou viela, esperando a ocasião e o milagre, porque não há quem esteja isento dos aflogísticos e inflamações da imponderabilidade do amor; e o pior é não sabê-lo ou desconsiderá-lo, apelo de quem teima estar cônscio do nunca antes sentido nem revelado: o leitor que nunca viu nas águas o poema esmagado dentro da garrafa. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do compositor, pianista, musicólogo e pedagogo Paulo Gazzaneo: Suíte Instantâneos, Fantasia para piano e cordas & Duo Quanta – Baião; da compositora e pianista Diva Lyra (1922-2011): Estudos completos, Suíte Reflexos & Fantasia em mi menor; & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.

PENSAMENTO DO DIA – [...] na totalidade da linguagem cada significação está ligada ao seu contrário, cada sentido ao seu inverso, - e somente a união de ambos nos permite uma expressão adequada do ser. A síntese espiritual, a união que se realiza na palavra, assemelha-se à harmonia do cosmos e assim se expressa, na medida em que constitui uma harmonia de tensões opostas [...]. Pensamento extraído da obra A filosofia das formas simbólicas (Martins Fontes, 2001), do filósofo alemão Ernst Cassirer (1874-1945). Veja mais aqui.

CRIAÇÃO, EMOÇÃO & ARTE – [...] A verdadeira execução é um ato tão criativo quanto a composição, exatamente como o próprio desenvolvimento da ideia pelo compositor, depois de ele ter concebido o movimento maior e, com isso, toda a forma dominante, é ainda trabalho criativo. [...] Um executante cuja proferição seja inspirada inteiramente pela forma dominante da obra não precisa restringir coisa alguma, mas, sim, dar tudo que tem – todo o sentimento para cada frase, cada tensão harmônica determinante ou indeterminante na obra. Audição interior, imaginação muscular de tom, desejo de audição exterior: estas condicionam o estádio final da feitura de uma obra musical. [...] A música é uma arte ocorrente; uma obra musical cresce da primeira imaginação de seu movimento geral até sua apresentação física, completa, sua “ocorrência” [...]. Trechos extraídos da obra Sentimento e forma: uma teoria da arte desenvolvida a partir de "filosofia em nova chave" (Perspectiva, 1980), da filósofa da arte estadunidense Susanne Langer (1895-1985), tratando sobre a fundamental indagação filosófica e semiológica por meio dos conceitos básicos de simbolismo e significação, dos mecanismos de sua formação e articulação, oriunda de uma outra de sua autoria Filosofia em nova chave : um estudo do simbolismo da razão, rito e arte (Perspectiva, 1971), em que expressa que: [...] Todas as artes aspiram constantemente à condição de música [...] A única maneira pela qual podemos realmente considerar o movimento vital, a agitação, o desenvolvimento e a passagem da emoção, e finalmente todo o sentido direto da vida humana, é em termos artísticos [...], propondo especificar com o maior rigor o significado de conceitos como expressão, criação, símbolo, importe, intuição, vitalidade e forma. Além destas, numa outra obra sua, Ensaios filosóficos (Cultrix, 1980), ela afirma que: [...] A imaginação primitiva, a produção de imagens mentais – foi o primeiro passo na criação não só da arte, mas também da linguagem [...].

CATELA NO BANHO - Em Nápoles, cidade antiquíssima e aprazível, como outra não há na Itália, existiu um jovem, claro por sua nobreza de sangue e esplêndido por suas riquezas, chamado Ricardo Minútolo, o qual, embora fosse casado com uma jovem belíssima, enamorou-se de outra que, de acordo com a opinião de todos, ultrapassava de muito em beleza, a todas as mulheres napolitanas. Chamava-se Catela e era mullher de um jovem igualmente nobre, Filipe Sighinolfo, e que ela, por ser honestíssima, amava sobre todas as coisas. Ricardo Minútolo, amando-a e fazendo todas as coisas com que se podem obter as graças e o amor de uma mulher, e não chegando em nada a realizar os seus desejos, quase se desesperava. Não podendo ou não sabendo libertar-se do amor, tampouco morria, nem lhe aprazia o viver. E em tal estado aconteceu que, aconselhado por alguns parentes seus, quis desistir de tal amor, posto que em vão se fadigava, já que Catela encontrava a sua felicidade apenas em Felipe de quem com tal ciúme vivia, que temia que até as aves que passavam pelo ar, quisessem tomar-lho. Sabedor dos ciúmes de Catela, Ricardo, subitamente, tomou uma resolução, começando a aparentar que do amor de Catela desesperava e por isso colocava a sua ambição em outra mulher nobre e por amor desta fazia em justas e torneios todas aquelas façanhas que só por Catela faria. Não passou muito tempo que todos os napolitanos, Catela inclusive, se convenceram de que ele amava grandemente essa segunda dama, e tanto nisso perseverou que todos se convenceram de que a verdade era essa, e a própria Catela renunciou à esquivança com que o tratava, quando o sabia enamorado, passando a usar da intimidade que como vizinho lhe devia, saudando-o, como fazia com os outros. Ora, aconteceu que, sendo o dia de calor, muitas comitivas de homens e mulheres, de acordo com os costumes napolitanos, se transladaram para as praias e Ricardo, sabendo que Catela também havia ido com os seus, tomou parte em uma comitiva, tendo sido recebido no grupo de Catela não sem antes muito fazer-se de rogado. Então Catela e as mulheres puseram-se a motejar de seu novo amor, do qual ele, mostrando-se muito aceso, dava ainda mais motivos para comentários. Enquanto isso, umas iam para uma direção, outras para outra, como acontece por aquelas paragens, restando Catela com poucas outras onde estava Ricardo; esse fez logo alusão a certo amor de Filipe, seu marido, o que a fez acender-se de súbito ciúme e começou a arder, toda desejo de saber o que Ricardo queria dizer. Depois de se ter dominado por algum tempo, e não podendo mais fazê-lo, pediu a Ricardo que, pelo amor da mulher que mais amava, a esclarecesse sobre o que dissera de Filipe. E Ricardo falou: — Vós me conjurastes por pessoa tal que eu não poderia atrever-me a negar o que pedis, e por isso estou pronto a dizer-vos, desde que me prometais que não direis palavra do que eu disser depois de verificardes a verdade do que afirmo. E quando quiserdes, eu vos ensinarei como podereis verificá-la. A mulher ficou satisfeira com o que ele pedia e acreditou ainda mais que ele dizia a verdade, jurando-lhe que a ninguém o revelaria. Retirados para um lado em que ninguém os ouviria, Ricardo disse: — Senhora, se eu vos amasse como já vos amei, não me atreveria a dizer coisa que acreditasse poder aborrecer-vos. Mas como aquele amor é passado, preocupa-me menos o descobrir-vos toda a verdade. Não sei de Filipe alguma vez se ultrajou com o amor que eu vos dediquei ou se abrigou a crença de que eu fosse por vós amado. Mas seja lá como for, nem uma nem outra coisa ele jamais deixou transparecer. Agora, esperando talvez uma ocasião, pois acredita que eu esteja menos desconfiado, dá mostras de querer fazer a mim o que eu duvido que ele não tema que eu lhe faça: ele quer, em suma, conquistar a minha mulher. E pelo que eu tenho entendido, ele de pouco tempo para cá, secretissimamente a tem solicitado, em repetidas embaixadas, de todas as quais por ela mesma fui inteirado, e a quem ela deu a resposta que eu impus. Esta manhã, porém, antes de eu vir aqui, encontrei em minha casa uma mulher desassisada que vi logo muito bem quem era. Chamei a minha esposa e perguntei-lhe o que pedia aquela mulher, ao que ela redargüiu: — É a instigação de Filipe que a faz vir aqui em busca de respostas e esperanças e diz que a todo custo quer saber o que eu pretendo fazer e que ela, quando eu quiser, fará que eu vá secretamente a um banho com ele e para que eu consinta, assaz me pede e importuna. E se não fosses tu que me meteste nesses enredos, não sei por que, eu me teria livrado dele de tal maneira que nunca mais se atreveria a pôr os olhos onde eu estivesse. — Então, pareceu-me que Filipe avançava muito e que não era possível tolerar mais e resolvi dizer-vos, para que reconheçais a recompensa que a vossa completa fidelidade recebe, e pela qual eu já estive na iminência de ser levado ao sepulcro. E para que não penseis que o que digo são apenas palavras e fábulas, se não verdades de que, quando quiserdes, podereis certificar-vos, disse a minha esposa que à mulher que a esperava respondesse que estava disposta a aparecer amanhã às três da tarde, ao banho. Com isso, a criatura partiu contentíssima. Não presumo agora que acrediteis que eu a enviasse. Mas se eu estivesse em vosso lugar, faria que ele se encontrasse comigo em lugar de encontrar-se com quem ele quer e, depois de curta permanência com ele, eu lhe faria ver com quem havia estado, tratando-o então como merece. E assim agindo, de tal sorte ele se envergonharia que ficará a um tempo vingada a ofensa que quis infligir a mim e a vós. Catela, sem atender a quem lhe falava nem aos seus enganos, como soem fazer os ciumentos, subitamente deu fé às palavras e passou a ligar com este fato algumas coisas que haviam acontecido antes. E de súbita ira acesa, respondeu que ela assim certamente agiria e que, se ele aparecesse, ela o envergonharia de tal sorte que sempre que ele visse alguma mulher, o episódio lhe voltaria à imaginação. Ricardo, contente com o que via e parecendo-lhe que a idéia havia sido boa e procedente, confirmou a sua perfídia com muitas outras palavras, fazendo-a acreditar mais, rogando-lhe todavia, que não dissesse a ninguém o que ele lhe havia falado, o que ela prometeu sob palavra. Na manhã seguinte, Ricardo foi ao encontro da boa mulher que era a dona da casa de banhos, disse-lhe o que pretendia fazer e pediu-lhe que o favorecesse. A boa criatura, que o apreciava muito, disse que o faria de bom grado, combinando com ele o que teria de fazer ou dizer. Na casa de banhos havia um quarto muito escuro, dada a falta de qualquer janela. A conselho de Ricardo, a mulher, pôs ali uma cama em que ele se meteu à espera de Catela. Dando às palavras de Ricardo mais fé do que mereciam, à tarde, Catela voltou aborrecida para casa, onde Filipe também voltava cheio de outros pensamentos, tendo tratado a esposa com menos familiaridade do que de costume, o que contribuiu para aumentar a sua desconfiança. Dizia consigo mesma: "Na verdade ele está pensando na mulher com quem pretende encontrar-se amanhã, o que com toda a certeza não irá acontecer". E passou a noite dominada por este pensamento e imaginando o que lhe deveria dizer na hora azada. Chegada a hora, Catela, acompanhada de uma criada, dirigiu-se para a casa de banhos. E ali, encontrando a boa mulher, perguntou-lhe se Filipe havia aparecido, ao que a proprietária, industriada por Ricardo, respondeu: — Sois a mulher que deverá encontrar-se com ele? — Sim, respondeu Catela. — Podeis entrar, redargüiu, pois ele está lá dentro. Catela, que andava procurando o que não queria encontrar, dirigiu-se ao quarto. Entrou com a cabeça coberta, e fechou a porta. Ricardo, à sua chegada, levantou-se feliz e acolhendo-a nos braços, disse, calmamente: — Vem, alma minha. Catela, querendo mostrar ser outra que não ela mesma, abraçou-o e beijou-o, acariciando – e sem dizer palavra, temendo, se falasse por ele seria reconhecida. O quarto era escuríssiimo, o que foi de agrado de ambos. Nem mesmo a grande permanência ali dentro deu aos seus olhos o poder de verem claro. Ricardo conduziu-a para o leito e aí, sem falar, de modo que a voz não o pudesse trair, por grandíssimo espaço de tempo ficaram, e com grande alegria de ambos. Mas quando a Catela pareceu que era chegada a ocasião de desabafar-se, acesa de fervente ira, disse: — Ah, quanto é mísera a sorte das mulheres e como é mal empregado o amor de muitas para com os maridos! Desgraçada de mim, há oito anos que eu te amo mais do que a minha vida e tu ardes e te consomes no amor de mulher estranha. Criminoso e perverso, com quem acreditas que estejas? Estás com aquela que, com falsas lisonjas, enganaste e por muitas vezes, fingindo-lhe amor quando estavas enamorado de outra. Eu sou Catela, não sou a mulher de Ricardo, traidor desleal. Escuta, para ver se reconheces a minha voz. Parece que mil anos que vivêssemos eu não te envergonharia como mereces, cachorro sujo e vituperável. Desgraçada de mim! A quem eu, por tantos anos, dediquei tanto amor? A este cão desleal que, acreditando ter nos braços mulher estranha, me fez mais carícias nas poucas horas que aqui me teve do que em todas as outras em que me possuiu. Estivesses hoje, cão renegado, bastante animoso enquanto em casa mostras-te débil, rendido e impotente. Mas Deus louvado, lavraste o teu campo e não campo alheio como acreditavas. Não é de estranhar que esta noite passada não me houvesses procurado. Esperavas em outro lugar aliviar a tua carga e querias chegar, cavaleiro fresco à batalha. Mas louvado seja Deus assim como a minha precaução seja louvada, a água desceu para o mar como devia. E não me respondes, criminoso? Nada me dizes? Emudeceste só de ouvir-me? Palavra que não sei o que me impede de meter as mãos nos teus olhos, arrancando-os! Acreditaste fazer ocultamente esta traição? Por Deus, vês bem que tanto sabe um como o outro. Não o conseguiste. Saí-me melhor do que supunhas. Ricardo gozava consigo mesmo aquelas palavras e sem responder nada, abraçava-a e beijava-a, e mais do que nunca fazia-lhe grandes carícias. E ela continuava dizendo: — Pensas agora que as tuas carícias infinitas possam agradar-me e consolar-me, cão fastioso. Mas erras. Não me darei por consolada, enquanto eu não te vituperar em presença de quantos parentes e amigos e vizinhos tenhamos. Ora, não sou eu, perverso, tão bela como a mulher de Ricardo Minútolo? Não sou tão gentil dama como ela? Por que não me respondes, cão imundo? Que tem ela mais do que eu? Aparta-te, não me toques que já fizeste o suficiente por hoje. Sei bem que de agora em diante, já bem sabes quem sou, forcejarás por fazer até esse momento espontaneamente não fizeste. Mas se Deus me der a sua graça, eu te farei padecer de ciúme; não sei o que é que me prende que não mando chamar por Ricardo, que me amou mais do que a si mesmo e jamais pôde orgulhar-se de eu tê-lo olhado, uma vez que fosse, e não sei que mal teria havido se eu o houvesse feito. Acreditaste ter a mulher dele e é como se a tivesses possuído, pois não esteve em ti a culpa de não se tratar dela. Portanto, se ele me possuísse, não terias por que me censurar. As palavras foram bastantes e grande a amargura da mulher. Por fim, Ricardo, pensando que se saísse, deixando-a nessa crença, muitos males poderiam sobrevir, deliberou revelar-se, tirando-a do engano em que estava. E, segurando-a bem entre os braços, de modo que não pudesse escapar, disse: "Doce amor meu, não vos perturbeis, aquilo que, simplesmente amando, não pude ter. Amor, com enganos, ensinou-me a possuir. Eu sou o vosso Ricardo." Catela subitamente quis atirar-se do leito mas não pôde. Quis gritar, mas Ricardo tapou-lhe a boca, dizendo: — Senhora, é impossível que aquilo que aconteceu, deixe de ter acontecido, embora ficásseis a vida toda gritando. E se gritardes ou fizerdes que, de qualquer maneira, o que fizemos venha a ser do conhecimento de qualquer pessoa, duas coisas podem acontecer: Uma (que não vos deve importar pouco) é que a vossa honra e boa reputação serão destruídas, pois se disserdes que eu aqui vos trouxe por engano, terei que responder que não é verdade, antes que vos fiz vir por dinheiro e presentes prometidos e que, por não terem sido o que esperáveis, vós vos perturbastes, passando a fazer tão grande alarido. E vós sabeis que o povo está mais inclinado a acreditar no mal que no bem e por isso mesmo é que acreditará em mim, antes de acreditar em vós. Depois disso nascerá entre vosso marido e mim uma inimizade mortal e pode acontecer muito bem que um de nós acabe matando o outro, tal seja a marcha dos acontecimentos, coisa que de nenhum modo vos deve deixar contente. E, por isso, coração meu, não queirais a um tempo, desonrar-vos e pôr em perigo e luta a vosso marido e a mim. Não sois a primeira nem sereis a última a ser enganada, nem vos enganei para tirar-vos a honra, mas por um imenso amor que vos dedico e dedicarei sempre, dispondo-me a ser vosso humílimo servidor. E como há muito que eu e minhas coisas e tudo que eu possa e valha fiz vossos e pus a vosso serviço, acredito que de hoje em diante ainda mais o estarão. Ora, vós sois esclarecida em outras coisas e estou certo de que o sereis também nessa. Catela chorava profusamente. E muito perturbada e amarga, deu razão às palavras de Ricardo. É que ela acreditava possível vir a acontecer o que Ricardo prognosticava. E disse: — Ricardo, eu não sei como Deus possa conceder-me que eu tolere a injúria e o engano que me fizestes. Não quero gritar aqui aonde fui conduzida pela minha ingenuidade e ciúme, mas vivei seguro de uma coisa, que eu não ficarei contente, enquanto não me vingar do que me fizeste. Já é tempo de me deixardes. Deixai-me, imploro. Já possuístes o que desejastes e já muito me maltratastes. Ricardo dispunha-se todavia a não a deixar, a não ser depois de reaver a sua paz. Por isso, começou com dulcíssimas palavras a apaziguá-la, tanto disse, rogou e conjurou que ela, vencida, fez as pazes com ele e, postos enfim de acordo, permaneceram por muito tempo em amistosa companhia. E a mulher, conhecendo então que os beijos do amante são mais saborosos que os do marido, transformou em doce amor a sua dureza e, daquele dia em diante, ternissimamente o amou e, agindo, avisadissimamente, muitas vezes gozaram do seu amor. E que Deus nos faça gozar do nosso. Extraído das Histórias galantes (Cultrix, 1959), do escritor italiano nascido em Paris, Giovani Boccaccio (1313-1375). Veja mais aqui e aqui.

UM POEMA DO CAPÍTULO 2 - Um café e um amor… Quentes, por favor! / Sem excessos de doçura ou amargura. / Forte / Doce… / Que ambos façam meu coração acelerar. / Que me mantenham vivo. / Um café e um amor… Quentes, por favor! / E que de nenhum deles eu sofra de vício, / Mas que de ambos, / Eu possa me dar ao luxo do hábito / Um café e um amor… Quentes por favor! / Pra ter calma nos dias frios. / Pra dar colo / Quando as coisas estiverem por um fio. / E que eles nunca tenham gosto de ontem / Nem anseiem pelo amanhã / Que me façam feliz nesse agora, / Que me abracem pela manhã. Poema do escritor, jornalista e dramaturgo Caio Fernando Abreu (1948-1996). Veja mais aqui.

A ARTE DE JOSHI DANIEL
Art by Joshi Daniel.

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Circo Itinerante, o pensamento de John Gray, o  teatro de Hermilo Borba Filho & a arte de Nelina Trubach Moshnikova aqui.