quinta-feira, dezembro 28, 2017

GRAMSCI, SÉRGIO PORTO, ELBA, STEVEN CONNOR, SPOK FREVO, KENNEY MENCHER, PATRIZIA SAVARESE, MARCOS CARNEIRO & BIRITOALDO

EPIFANIA TRUCULENTA DO BIRITOALDO – Biritoaldo não acertava uma. Naquele dia, entre uma golada e outra lapada, clariou as ideias: a cachaça obra generosidades. Uma mosca voava e foi justo cair para morrer afogada no copo de aguardente. Teve pena. Providentemente, de um salto salvou-la. Encheu-se de heroísmo. Quis mostrar pros outros, ninguém deu trela, só beiços puxados de reprovação na leseira dele. Bem que eu poderia ser salva-vidas, nos afogamentos do riacho, nos tanques fundos de água, nas cacimbas, nos banhos de rios, praia não que é muito longe. Pois é, podia ser, né? Podia. Antes teria de aprender a nadar, evidentemente, não sabia. Ah, é só saber mexer os braços e as pernas, resolvido. Procurou se inteirar: técnicas de respiração, ôxe, moleza. Não era. Massagens cardíacas? É só dar uns alisados com sopapos na caixa dos peitos, pronto, feito. Nada disso. Agilidade nas ações de prevenção, hein? Lascou! Entrevado como era, um traste. Um segundo e babau. Um segundo? Tá difícil, mas vou praticar. E foi. Saía dum lado a outro de uma margem a outra do rio, pra cima e pra baixo, caçando vítimas. Ué, parece mais que ninguém morre por aqui, ora. Um dia, dois, três e nada. Só se eu começar a salvar os peixes! De quê? Mergulhou, não sabia da infestação de piranhas. Hum! A primeira deu-lhe uma mordida nos colhões dele ver estrelas. Aí não teve partes do corpo que não tivesse dentadas delas. Vôte! De tão inchado ficou irreconhecível. Ao passar pelas ruas, as crianças só: Bicho feio! Bicho feio! Voltar ali, não dava, nunca mais. Foi pro riacho e logo viu um pato se debatendo, foi lá e o mundo escureceu com o grasnado de gansos. Era hora de se salvar e nem deu conta de que se aproximava de um jegue nas proximidades. Foi. Levou um coice de ficar desacordado por dias. E quando voltou não sabia onde estava nem mesmo quem era. Pronto. Melhor praticar num aquário, melhor não. Abandonou a carreira sonhada de super-herói. Queria fazer o melhor de si, não tinha jeito, era sempre arrastado pelo cabresto do azar, vencido pelas surpresas, destrambelhado. Sonhos, tudo pelos ares. Bom humor e fome ou sono, não combinam. Onde a sorte da sua vida? Só podia estar escondida em algum lugar: no cu da vida dele, reclamava. Apesar da ideia curta, da escassa inteligência desastrada, sabia que as guerras nasciam no coração humano, apenas, e não podia ser maior que seu próprio tamanho. Enquanto sonhava com as almofadas de seda do Alcorão, arrodeado de belas e nuas donzelas dos olhos de misteriosas pétalas, a sua vida era disco arranhado de imagens bufentas. Quem era ele senão escravo do labor infindável, tedioso e cruel de todos os dias, o pecador torturado, castigado que só, mas por quê? A maldita sorte. Maldisse a si próprio. Quem sou eu? O que estou fazendo aqui, de onde em vim, pra onde vou? Bateu com o quengo na parede: Tome, seu desgraçado. Começou a esmurrar o próprio peito, revoltado consigo mesmo. Aos murros contra si próprio, eis que do seu peito saíram pombos, borboletas, corujas, araras, passarinhos, aranhas, urubus. Vixe! Virei mágico, foi? Só era o que faltava! Não, não era, sabia lá o que droga foi que aocnteceu. Sabia que o seu coração mais parecia uma bola se debatendo aos pulos, saltando alto de querer sair pela boca. Vixe! Viu-se fora de si, um outro: cara dum, cu de outro, quem não ganhar é gafanhoto. E levou um bofetão dele mesmo: salafrário! E revidou, quebrou dois dentes. Punhos, munhecas e muques na contenda. Movido por um ódio terrível na bravata, fez força e se enfrentou sob furores de trovões e relâmpagos, em selvagem combate. Agarrou-se ao pescoço do adversário que era ele mesmo e viu-se desfalecer, queria aniquilar e pôr fim na luta mortal, quase mata, ou seja, na verdade, quase morre. Ué, lutei contra mim mesmo, foi? O outro era eu! Que doidice! Foi aí que a sua alma virou pássaro e saiu voando. Ele aterrorizou-se ao se deparar com o escaravelho, a balança e a pedra, não soube o que dizer. Que droga é nove, hem? Não sabia e só se sentia um imprestável girando na roda do renascimento pelo fluxo da existência. Do Livro dos Mortos: o que você quer ser: um cinzeiro, um seixo, uma andorinha, o quê? Sou aquilo que penso e faço: uma titica catingosa, uma catota nojenta, uma pereba remelenta, um vômito da miséria, uma gangrena mortal, um inchaço purulento, uma ameba no instestino do universo, de serventia alguma. De tanto se autoimolar deu-se a metamorfose: tornou-se uma barata asquerosa fugindo de sapatos e escorpiões. Correu, fugiu, sumiu. Cadê eu? Perdeu-se de si. Sacou que sua alma havia transmigrado para um tolote de bosta. Eita! Salvei-me, pelo menos. Será? Ah, nem morri e virei merda povoada por moscas e mosquitos. Se não prestava, agora é que deu mesmo. Aceitava a sua ruína, nem servia nem pro lixo, quanto mais para troco. Era dia dos santos inocentes: e eu que pago o pato. Enjeitado do mundo, ele se perdeu no pesadelo da sua vida. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá prévia do Revellon de Ano Novo com especiais de show ao vivo de frevos com Elba Ramalho & Vassourinhas, Ninho de Vespa & Passo de anjo com Spok Frevo & muito mais! Para conferir é só ligar o som e curtir.

PENSAMENTO DO DIA - [...] Existem diversas filosofias ou concepções de mundo e sempre se faz escolha entre elas. Como ocorre esta escolha? É esta escolha um fato puramente intelectual, ou é um fato mais complexo? E não ocorre frequentemente que entre o fato intelectual e a norma de conduta exista uma contradição? Qual será, então, a verdadeira concepção do mundo: a que é logicamente afirmada como fato intelectual, ou a que resulta da atividade real de cada um, que está implícita, na sua ação? E já que a ação é sempre uma ação política, não se pode dizer que a verdadeira filosofia de cada um se acha inteiramente contida na sua política? [...]. Trecho extraído da obra Concepção dialética da história (Civilização Brasileira, 1978), do filósofo, cientista político e comunista italiano, Antonio Gramsci (1891-1937). Veja mais aqui e aqui.

CULTURA PÓS-MODERNA – [...] duas vertentes, a do surgimento do pós-modernismo a partir do modernismo e a do aparecimento da pós-modernidade a partir da modernidade, seguem caminhos adjacentes, que por vezes se cruzam, mas outras divergem entre si de maneiras significativas. [...] A comunicação de massa transferiria a vivência no real para a vivência no signo. Portanto, a cultura pós-moderna seria a cultura do simulacro. [...] A economia da cultura de massas, longe de exigir o congelamento das experiências humanas livremente contingentes em formas comerciáveis, promove conscientemente essas formas de intensidade transitória, visto que, no final, é muito mais fácil controlar e estimular a demanda de experiências espontaneamente (que de espontâneas, é claro, nada têm) sentidas como fora da representação. Do rock ao turismo, da televisão à educação, os imperativos publicitários e a demanda de consumo já não tratam de bens, mas de experiências. [...] a cultura capitalista contemporânea, longe de depender da incessante replicação dos mesmos produtos, na verdade alimenta as energias dissidentes de formas culturais marginais ou oposicionistas [...]. Trechos extraídos da obra Cultura pós-moderna: introdução às teorias do contemporâneo (Loyola, 1993), do professor e estudioso britânico Steven Connor.

UMA MULHER QUE PASSOUEra uma mulher. Uma dessas mulheres de começo de verão, que passam num vestido justo, de cores vivas, sapato alto aberto em tiras e os cabelos soltos. Fiquei a admirar-lhe o passo despreocupado, o leve mexer dos quadris, em nada exagerado. Súbito me comoveu. Por que não sei. Mas há de ser sempre assim. Algumas mulheres nos surpreendem, muitas nos encantam e poucas – entre tantas – nos comovem. De algumas mulheres  ficam lembranças. Lembranças vagas, muitas vezes insuspeitadas e que não são necessariamente da mulher que mais amamos ou de outra por quem nos apaixonamos perdidamente – digamos – por uma semana. Nada existe de lógico nisso e muito menos de justo, porque ao homem não é dado nenhum poder sobre a memória, nem tampouco qualquer controle sobre suas sutilizas. Assim estamos redimidos perante a própria consciência. Não somos culpados de que nada, particularmente, nos faça recordar aquela a quem dedicamos um carinho maior e do qual nos orgulhamos; enquanto que outra, para a qual fomos menos afetivos, ficou para sempre num perfume, num som ou numa imagem. Para aquela namorada – furiosamente namorada em Teresópolis – ficou um apito de trem. A manhã fria da serra, quando atravessei a pracima rumo à estação, para uma despedida que sabia definitiva, poderia ter ficado para identificá-la na memória. Mas o que ficou foi o apito do trem, quando lentamente o comboio pôs-se em movimento e ela disfarçou as lágrimas com um sorriso triste. Sei disso porque – tantos anos depois! – estava passeando a cavalo pelis campos da fazenda quando um apito de trem me chamou a atenção. Vinha sozinho e alegre, todo voltado para a quietude e a beleza das paineiras, mas bastou que o trem apitasse lá longe, do outro lado do rio, para que no meu pensamento ela se fizesse tão nítida e tão fresca. Era como se ainda na véspera nós estivéssemos sentados juntos, na amurada da varanda, a dizer-nos coisas que depois não cumpriríamos. Foi aí que percebi: para sempre a sua lembrança estaria ligada ao apito distante de um trem. Onde quer que eu esteja, daqui a muitos anos, mesmo que ela não exista mais, voltará a viver no meu pensamento, com a nitidez que o tempo não vencerá. São coisas. E são inexplicáveis. Como a mulher que passou e súbito me comoveu. E a quem interessa uma resposta, quando lhe basta a sinceridade da emoção? Lá vai a moça balançando os cabelos cortados na altura da nuca, a cada passo. Vai inteiramente inocente dos sentimentos que provocou. Não teria nenhum sentido seguir ao seu lado e comunicar minha surpresa. Não teria sentido, nem seria correto. Ela não tem culpa nenhuma. Penso que se eu pudesse ser sempre assim, ponderado nas atitudes, doíam menos em mim as pequenas lembranças de que falei. Tudo pesado e bem medido, pouca esperança havia de que dela não ficasse alguma coisa na memória, para doer muito tempo depois, quando já mais nada houvesse da emoção de hoje. Foi bom que ela sumisse na esquina e eu a deixasse ir sem um gesto, uma tentativa de – pelo menos – fazer-lhe sentir o bem que me fez, vê-la passar. Foi bom ou então eu estou ficando velho. Extraído da obra A casa demolida (Agir, 2007), do escritor, radialista, jornalista e compositor Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta, 1923-1968), Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

DOIS POEMASDoces rios e canaviais da minha infância: Doces e belos rios ;/ Una, Panelas e Pirangi / onde nadei com meus sonhos / ouvindo canários, rolinhas, curiós e juritis. / Nas matas viam-se pacas, capivaras e tatus / nos céus gaviões, sabiás e lambus / como era lindo ver a revoada de outros pássaros / quando os trens passavam pelos bambus. / Ainda corre em meu coração / rios de saudade / que vão aguando memoráveis lembranças / da minha infância e mocidade. / Aquele bueiro, ainda apita dentro de mim / aquele saudoso trem, ainda me faz viajar no tempo / naqueles rios, navego em recordações / por verdes matagais / mato brilhante dos meus eternos canaviais. A lua e o poeta: A magia da lua / que tanto inspira o amar / e sempre está nua / esperando uma roupa de um poeta com seu rimar. / Lua de todas as noites / lua guia dos apaixonados / lua dos caçadores e pescadores / lua alma dos poetas inspirados. / Lua nova, cheia, ou minguante / lua dos rios, das marés, dos mares e dos bares / lua dos Joãos, das Marias e de todos os nomes / que são rimas para a poesia / lua nova, cheia ou minguante, lua de todos amantes. / Lua eterna morada do poeta / oxigênio do orquidário das poéticas do amor / onde se imortalizam poeticamente a crença e a razão / jardim enluarado da casa do poeta-coração. Poemas do professor, psicólogo e poeta Marcos Carneiro, pós-graduado em Saúde Pública, doutorando em Psicologia.

A FOTOGRAFIA DE PATRIZIA SAVARESE
A arte da fotógrafa italiana Patrizia Savarese.

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A ARTE DE KENNEY MENCHER
A arte do pintor, escritor e professor estadunidense Kenney Mencher.

HIRONDINA JOSHUA, NNEDI OKORAFOR, ELLIOT ARONSON & MARACATU

  Imagem: Acervo ArtLAM . Ao som dos álbuns Refúgio (2000), Duas Madrugadas (2005), Eyin Okan (2011), Andata e Ritorno (2014), Retalho...