PALMARES, SONHOS
& VENTOS - Imagem:
Paradiso, da escultora, pintora e artista
conceitual estadunidense Jennifer Rubell. - Trago uma rosa ao peito e nas mãos, confesso dúvidas e
cansaço, reajo o tanto que posso das profundezas do meu ser desacorrentado,
derrubando muros e paredes, ameaças e rendições, cavernas e mentiras. Saí de
casa domingo e nem sei que dia é hoje, o que fiz, eu não sei, esqueci no câmbio
das marchas subindo ladeiras enquanto o meu poema atravessa os céus e eu rompo
a barreira ocidental para que a Terra seja inteira, não meio olho, meio gozo,
meia luz, meia vida vendida na esquina como se fosse qualquer no meu coração de
mar aberto. Vou com meu andar descrente pelos inauditos gritos da Rua Esconde
Negro, um horizonte escurecido pelo bestiário antigo feito de agora pela cidade
destroçada na ambição dos tesouros ocultos e apodrecidos nomes do canavial
empestando a mordida da penúria impiedosa dos que se danam a arrancar o ouro do
chão perdido por dias anoitecidos no consumo da vida e das horas de solidão. Não
sei se hoje é terça ou quinta da emancipação de 9 de junho, sei que a feira do
mercado está em polvorosa, coisa de parecer um sábado qualquer, ao descer a Rua
Nova, se vou pra Rua da Ponte ou rumo à Soledade, a vontade de chupar frutas no
quintal do passado, correndo o matagal, por avelois e bambus, canaviais. Se me
dou conta, alcanço o Beco do Mijo lembrando do tempo em que empinei papagaio,
comi quebra-queixo, os roletes de cana, a Festa do Dia 8 caindo de cima da casa
numa lavanderia cheia de garrafas e dormir o sono como quem vagueia pela Rua da
Palma até alcançar o Engenho Verde pra ir pra Serro Azul e deparar com Catuama,
o sinal do último refúgio, quando me vem à memória a professora Hilda Galindo
Correia nas aulas do primário na Maçonaria e Dudu Bode-Branco mangando das
minhas leseiras de pular o pó de serra, porque eu fugia para a Biblioeta de
Jessiva e lá Aluizio Freitas encrecava comigo para eu falar com Maurício Baita
que me perguntava cadê Mauriciinho e Giba, hem? Quantas vezes sucumbi e renasci
das cinzas no meio dos alunos do Ginásio com os quadros das mulheres de Darel
Valença Lins na cabeça, as inatalações e performances de Tunga tocando fogo nas
minhas ideias que estavam nas pinturas de Murilo Lagreca e eu nem sabia ainda
das telas de Profeta que apenas poetava aos meus ouvidos, enquanto eu me danava
com a Besta do Berto e a música de Zé Ripe. Quantas vezes recorri às mãos
apoiadoras de Paulo Cabral, ao abraço solidário do Juareiz Correya, ao afeto
estrangeiro de Durán y Durán nas Noites da Cultura que me falavam de Paul que
invadi com Bagaço embaixo do braço para me entreter no Cocão do Padre, ou ficar
zanzando na Rua das Pedreiras para ver o rio passar e encher a cidade para
lavar tudo e eu correr pelo pontilhão do Matadouro até subir por Bigode e ver
tudo de longe porque chorei demais. Muitas vezes fiquei sem saber se fugia por
Japaranduba BR afora ou se ficava com a saparia do Caçotinho no arruado da
Usina. Não, eu não sabia nada, cabeça de vento e fé na vida. Tantas vezes
mergulhei sem saber nada e fiquei íntimo do Una, das quedas de Pirangi e do
Riacho dos Cachorros e providente intervenção de Rodolfo para me salvar da
morte certa, olhos à flor d’água flagravam tardias estrelas no firmamento, a
saudade é um fantasma reluzente na ausência, quantas noites no lenço molhado e
peito em chamas, quase tudo é deserto nas cabeças pra lá e pra cá, os olhos de
fogo e o coração em ruínas, não sabem dizer de si enquanto vivem a vida que não
possuem, só estranhos com outro estrangeiro que querem ser, sombra nomeada na
identidade, espantalhos que morrem e saem pelas ruas comprando afetos. As
praças deram guarida ao meu abandono, a da Luz e Maurity, o colo plácido dos
bancos das praças, a brisa morna e o meu degredo nas pegadas infames que
imperam no silêncio e os ventos trazem as águas de julho pra lembrar dos
desatinos atravessando palavras que nunca foram escritas e que são gritadas para
inflar a descrença da razão e a doidice dos órfãos, ninguém é capaz de amar na
insanidade dos gestos, só o coito abrasado nos corpos extravasados pelas
estacas dos interditos, como prêmio da hipocrisia nos cinturões de misérias e
fortuna das desgraças no estandarte da festa. A rosa é viva no meu coração e
nas minhas mãos elas brotam para que eu possa poetar aos quatro ventos, para
que eu possa aos quatro cantos da cidade, cantar o meu poema de amor. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com Chamada da Orquestra Armorial & Do romance ao galope nordestino do Quinteto
Armorial. Para conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – [...] Urge modificar o que se constata frequentemente no Nordeste – o drama
das populações que nãopodem satisfazer a mais imperiosa das necessidades, que é
a de se alimentar. Essas populações merecem e necessitam algo mais, além da
esperança e da promessa. Trecho do
artigo Políticas de alimentação e
nutrição no Brasil: delineamentos conceituais e propositivos, de Bertoldo
Kruse Grande de Arruda & Ilma Kruse Grande de Arruda, extraído da obra
Reflexões para transformar possibilidades em realidades, de Bertoldo Kruse (IMIP, 2010). Veja mais aqui.
LUPEMPROLETARIADO – [...] Nas piores conjunturas, de crescente agravamento do pauperismo, quando
aumentam os segmentos de subempregados e desempregados pertencentes à classe
trabalhadora, esta pode desagregar-se, e uma parte dela, premida pela miséria e
pela ausência de alternativas, está sujeita a deslocar-se para o lupemproletariado.
Mas, enquanto o pauperismo é uma condição econômica inerente à existência do
capitalismo, o lupemproletariado é simplesmente um efeito perverso do
desenvolvimento capitalista, do mesmo modo que “certas formas atuais do crime
são uma conseqüência da ordem social mas não pré-requisito”. [...]. Trecho
da obra As classes perigosas: banditismo
urbano e rural (EdUFRJ, 2008), do ensaista e pesquisador da justiça social Alberto Passos Guimarães (1908-1993). Veja mais aqui e aqui.
PRIMAVERA – O município de Primavera administrativamente é formado apenas
pelo distrito sede e pelo povoado de Pedra Branca. O seu povoamento deu-se em
torno do engenho Primavera, sendo o distrito criado pela Lei Municipal nº 19,
de 27 de novembro de 1913, subordinado ao município de Amaraji. Pelo
Decreto-Lei Estadual nº 952, de 31 de dezembro de 1943, passou a denominar-se
Caracituba. Tornou-se município autônomo, com a denominação de Primavera, pela
Lei Estadual nº 4.984, de 20 de dezembro de 1963. O município foi instalado em
2 de março de 1964. Conta com o Parque Ecoturístico da Cachoeira do Urubu, no qual encontra-se uma das cachoeiras mais
altas do estado, com 77 metros de queda d’água, emoldurada pela Mata Atlântica.
Segundo os antigos moradores, a cachoeira tem este nome por ser local de desova
e acasalamento de urubus. A cachoeira é muito procurada para a prática de
canyoning (descida de cachoeiras através de cordas). Infelizmente as águas da
cachoeira provém do Rio Ipojuca, atualmente poluído, o que torna as águas impróprias
para banho. Entretanto há no parque quatro piscinas naturais oferecidas pelas
cachoeiras do Banho da Zezé e Poço da Mata, abastecidas pelas nascentes da
região que possibilitam o banho. Veja mais aqui.
A MORTE DE VIRGÍLIO – [...] conservava-se diante de seus olhos. [...] a severa imagem do conhecimento da morte, e profissão alguma podia ser
adequada a ela, já que não existe nenhuma que não estivesse sujeita
exclusivamente ao conhecimento da vida, nenhuma, com a única exceção daquela à
qual finalmente se sentira impelido e que se chama Poesia. [...]. Trechos
da obra A morte de Virgílio
(Mandarim, 2001), do escritor austríaco Hermann Broch.
SOZINHA – Agora que enfim estou desvelada / como que
pra comprovar que algo cresci / sei que não só o sorriso daquele homem / como
também seus gestos / e que não só esses gestos / como também suas palavras / tudo
me alcança posso caminhar / acrobata cambaleante porém segura / pela corda
bamba da minha própria casa. Poema
extraído do livro La novela de La poesia
(Adriana Hidalgo, 2012), da poeta e ensaísta argentina Tamara Kamenszain, traduzido por Guilherme Gontijo
Flores.
ARTE JENIFER RUBELL
A escultora,
pintora e artista conceitual estadunidense Jennifer Rubell.
Veja mais:
A literatura de John Milton aqui.
&
A ARTE JENIFER
RUBELL
A escultora,
pintora e artista conceitual estadunidense Jennifer Rubell.