
APESAR DE TUDO DE GEORGES DIDI-HUBERMAN
[...] Não
se pode falar do contato entre a imagem e o real sem falar de uma espécie de
incêndio. Portanto, não se pode falar de imagens sem falar de cinzas. As
imagens tomam parte do que os pobres mortais inventam para registrar seus
tremores (de desejo e de temor) e suas próprias consumações. Portanto é
absurdo, a partir de um ponto de vista antropológico, opor as imagens e as
palavras, os livros de imagens e os livros a seco. Todos
juntos formam, para cada um, um tesouro ou uma tumba da memória, seja esse tesouro
um simples floco de neve ou essa memória esteja traçada sobre a areia antes que
uma onda a dissolva. Sabemos que cada memória está sempre ameaçada pelo
esquecimento, cada tesouro ameaçado pela pilhagem, cada tumba ameaçada pela
profanação. Assim, cada vez que abrimos um livro — pouco importa que seja o Gênesis ou
Os Cento e Vinte
Dias de Sodoma —, talvez
devêssemos nos reservar uns minutos para pensar nas condições que tenham
tornado possível o simples milagre de que esse texto esteja aqui, diante de
nós, que tenha chegado até nós. Há tantos obstáculos. Queimaram-se tantos
livros e tantas bibliotecas12. E mesmo assim, cada vez que depomos nosso olhar
sobre uma imagem, deveríamos pensar nas condições que impediram sua destruição,
sua desaparição. Destruir imagens é tão fácil, têm sido sempre tão habitual [...] Nisto, pois, a imagem arde.
Arde com o real do que, em um dado momento, se acercou (como se costuma dizer,
nos jogos de adivinhações, “quente” quando “alguém se acerca do objeto escondido).
Arde pelo desejo que a anima, pela intencionalidade que a estrutura, pela
enunciação, inclusive a urgência que manifesta (como se costuma dizer “ardo de
amor por você” ou “me consome a impaciência”). Arde pela destruição,
pelo incêndio que quase a pulveriza, do qual escapou e cujo arquivo e possível
imaginação é, por conseguinte, capaz de oferecer hoje. Arde pelo resplendor,
isto é, pela possibilidade visual aberta por sua própria consumação: verdade
valiosa mas passageira, posto que está destinada a apagar-se (como uma vela que
nos ilumina mas que ao arder destrói a si mesma). Arde por seu intempestivo movimento,
incapaz como é de deter-se no caminho (como se costuma dizer “queimar etapas”),
capaz como é de bifurcar sempre, de ir bruscamente a outra parte (como se
costuma dizer “queimar a cortesia”; despedir-se à francesa). Arde por sua
audácia, quando faz com que todo retrocesso, toda retirada sejam impossíveis
(como se costuma dizer queimar os navios”). Arde pela dor da
qual provém e que procura todo aquele que dedica tempo para que se importe.
Finalmente, a imagem arde pela memória,
quer
dizer que de todo modo arde , quando já não é mais que cinza: uma forma de
dizer sua essencial vocação para a sobrevivência, apesar de tudo. Mas, para
sabê-lo, para senti-lo, é preciso atrever-se, é preciso acercar o rosto à
cinza. E soprar suavemente para que a brasa, sob as cinzas, volte a emitir seu
calor, seu resplendor, seu perigo. Como se, da imagem cinza, elevara-se uma
voz: “Não vês que ardo?”.
Trechos
de Quando as imagens tocam o real (Eba/UFMG, 2012), do filósofo, historiador, crítico
de arte e professor francês Georges
Didi-Huberman, autor da obra Imagens apesar de tudo (KKYM,
2012), tratando sobre a ação de fotógrafos durante o processo de extermínio em
Auschwitz-Birkenau, da qual destaco os trechos seguintes: [...] Para saber, há que imaginar [...] “Foi aqui”. O “foi” nos impede de esquecer o
Outrora terrível dos campos, ele nos impede de acreditar que o presente só tem
contas a prestar com o futuro. O “aqui” nos impede de mitificar ou sacralizar
esse Outrora dos campos, o que significa distanciar e, de certo modo, se livrar
dele. [...] Esta expressão denota a
dilaceração: o tudo reenvia
para o poder de condições históricas para as quais ainda não conseguimos
encontrar resposta; o apesar resiste
a esse poder unicamente pela potência heurística do singular. É um ‘clarão’ que
rasga o céu quando tudo parece perdido [...] um cineasta que conhece melhor que ninguém – e não cessa de demonstrar,
de desmontar – a manipulação e o ‘tratamento’ que as imagens técnicas fazem
padecer o real? Isso é possível, isso é justamente necessário como o apesar de tudo é necessário para
objetar algo – uma exceção – ao tudo. [...]. Veja mais aqui e aqui.
Veja
mais sobre:
Juramento,
O passado e o futuro de Hannah Arendt, a
poesia de Federico Garcia Lorca, Memorável
viagem ao Brasil de Johan Nieuhof, a música de Gabriel Pareyon, a pintura de Leonid
Afremov & Vera Rockline, a fotografia de Lionel Wendt, a arte de Rufino Tamayo
& Sergio Ramirez aqui.
E mais:
Vamos
aprumar a conversa, A Divina comédia de Dante Alighieri, Ensaios de Ralf Waldo Emerson, a música de Mikko Härkin, o teatro de Luigi
Pirandello, Macunaíma de Mário de
Andrade, a pintura de Mark
Gertler & a arte de Guido Crepax aqui.
Os
amores de Edneimar, a viúva negra, o cinema de Edward Yang
& Elaine Jin, A pintura de Pino Daen & Norman
Lindsay, a música de Iara Rennó & Tudo quanto
pode o sonho, pode o amor provar aqui.
Se essa
rua fosse minha, Manuscrito de Felipa de Adélia Prado, a música de Chiquinha
Gonzaga & Clara Sverner, a arte
de Luciah Lopez & Quem sabe a vida o amor que nos faz vivo aqui.
Quem vê
cara, não vê coração, a música
de Fany Solter, a fotografia de Jack Mitchell, a pintura de Fabien Clesse, a
arte de Valmir Singh & Entre tombos & topadas a gente leva a vida aqui.
Erotismo
& pornografria, o tamanho da hipocrisia, O Sartor Resartus de Thomas Carlyle, a
poesia de Ferreira Gullar, a música de Maria Gadú, a gravura de Edmund Joseph
Sullivan, a arte de Nadir Afonso & A alegria imensa para um, dois, ou mais,
todos aqui.
A
ansiedade, a depressão & a medicalização, a literatura de José Cândido de Carvalho, a música de Schuman & Maria Clodes
Jaguaribe, a arte de Shirley Paes Leme & Aldemir
Martins, Na festa das vitrines, tudo é do umbigo e o bolso furado no
âmago aqui.
E se vem
ou vai, eu voou, a música de Jehane Saade, a arte de Manuel
Pereira da Silva & Paula Rego aqui.
Festa do
dia 8 de dezembro, lavando a jega, a poesia de Florbela Espanca, a escultura de Camille
Claudel, a música de Alaíde Costa, a arte de Militão
dos Santos & Tatiana Grinberg, Quando tudo se
desapruma a farra é só pro desgoverno aqui.
O fulgor
do amor, Caminhos cruzados de Érico Veríssimo, a música de Jorge
Drexler, a arte de Luciah Lopez & O amor premia o final de semana aqui.
Fecamepa:
quando o Brasil dá uma demonstração de que deve mesmo ser levado a sério aqui.
Cordel
Tataritaritatá &
livros infantis aqui.
Palestras:
Psicologia, Direito & Educação aqui.
A
croniqueta de antemão aqui.
Livros
Infantis do Nitolino aqui.
&
Agenda
de Eventos aqui.
QUASE TUDO & A ARTE KÊNIA BASTOS
Seu perfume
é
energia eminente,
sutileza
e conseqüência
dos seus traços
marcantes
Sua presença
inebria meus olhos
intensidade e ternura
emoção e milagre
a soma e a mistura
de uma louca
miragem
quase sonho
quase realidade
um pouco de tudo
até saudade
sutileza
e conseqüência
dos seus traços
marcantes
Sua presença
inebria meus olhos
intensidade e ternura
emoção e milagre
a soma e a mistura
de uma louca
miragem
quase sonho
quase realidade
um pouco de tudo
até saudade
Quase
tudo, poema da poeta, professora e artista visual/virtual Kênia Bastos.
CANTARAU:
VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na Terra:
Imagens:
arte do escultor inglês Edward
Hodges Baily (1788-1867).
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.