DAS COISAS & COISAS – Imagem: Keep the fear away, da artista plástica
inglesa Debbie Lee. - Quem dera
fosse mais que o dia pra ter o que fazer na escravidão da grana, mês a mês, todo
dia pra pagar as contas e sustento, como quem anda pelos infindos caminhos com
a impressão de que jamais saiu do imobilismo e zanzasse no centro oco do mesmo
lugar de sempre. Quem dera fosse mais que o invencível das tardes ruidosas,
levando tudo nos peitos, pedras, troncos, morros e concretos na beira das
pontes entre a lucidez e a insanidade, no meio da madrugada erguida no meio das
cidades ilusórias que brotam de dentro de mim e não sou bem-vindo. Quem dera
fosse mais que a vida enclausurada nas torres de templos da incredulidade, com
festas entre roubos e assassinatos cruéis em nome de quem não sei e quase nem
quero mesmo saber das mentiras das manchetes diárias. Quem dera fosse a rua aos
braços quinze pras três a quem chegar, na emoção sem máscaras nem pé atrás e
fizesse a canção da alvorada confundir o crepúsculo na hora anoitecida para
anunciar um outro dia porque tudo passa e sou outra vez. Quem dera fosse a
telenovela final feliz e no dia seguinte a face tão risonha como se não
houvesse passado e o futuro preso no presente de riso largo por todos os dias,
semanas, meses e anos pra sempre, amém. Quem dera fosse a felicidade gratuita
na dança sensual das noites que nunca acabam de satisfação e que amanhecem com
se fossem as festas de ontem que se perduram feito um filme romântico que
arranca lágrimas de alegria por tórridas paixões inexistentes e jamais sentidas
ou sonhadas. Quem dera fosse mais que essa janela aberta e engradada como o que
tenho do mundo num pedaço de céu pela brecha do basculante aos prédios e
telhados, antenas e caixas d’água, postes e nada mais na tarde chuvosa e
escura. Quem dera não fosse mais que esse quarto desarrumado, tralhas, roupa
suja, ferramentas e um amontoado de coisas inúteis e inutilizáveis que nem sei se
estão ali por conta própria ou por negligência fabricando lixo e escondendo
sujeira que se guarda à espera de serventia. Quem dera fosse mais que o corredor
da solidão que dá de ombros com os quartos vazios que não ocupo nem
ocasionalmente no meio dessa casa enorme em que os vizinhos se tornaram longe
desconhecidos de uma pátria estrangeira. Quem dera, oh, quem dera, eu fosse
mais que um simples andejo apátrida da vida, desiderato perdido a buscar a
redenção num espontâneo e pulsante coração que sirva de mínimo amparo no mundo
dos simulacros e das coisas e coisas. © Luiz Alberto Machado. Veja mais aqui.
FANTASMAS DE PAUL AUSTER
[...] reflete sobre como é estranho que tudo tenha
sua cor própria. Tudo o que vemos, tudo o que tocamos – tudo no mundo tem sua
cor própria. [...] Vejamos o azul,
por exemplo, diz ele: existe o azulão, o gaio azul, a garça azul. E existe a
centáurea e a pervinca. Existe o meio-dia sobre Nova York. Existem as bagas do
vacínio e do mirtilo, além, do oceano Pacífico. Existe o azul-piscina, o sangue
azul e a fita azul da Ordem da Jerreteira. Há uma voz que canta o blues. Existe
o uniforme da polícia do meu pai. Existe o loto-azul e o azul anil. Existem
meus olhos e o meu nome. [...] Existem
as gaivotas, diz ele, as andorinhas-do-mar, as cegonhas e as cacatuas. Existem
as paredes deste quarto e o lençol da minha cama. Existem os lírios do campo,
os cravos e as pétalas das margaridas. Existe a bandeira da paz e o luto na
China. Existe o leite materno e o sêmen. Existem os meus dentes. Existe o
branco dos meus olhos. Existe a savelha, o pinheiro branco e os cupins. Existe
a casa do presidente e a roupa do medico. Existem mentiras brancas e cheques em
branco. [...] sem titubear, ele passa
para o preto, começando com a lista negra, o mercado negro e a ovelha negra.
Existe a noite sobre Nova York, diz ele. Existe o futuro negro. Existem os
corvos e as uvas pretas, os blecautes e a mancha negra, a Terça-Feira Negra e a
Peste Negra. Existe a magia negra. Existe o meu cabelo. Existe a tinta que sai
de uma caneta. Existe o mundo que o cego vê. [...] Mas a história ainda não terminou. [...] O mundo é assim: nem um instante a mais, nem um instante a menos. [...]
para onde vai depois, não importa. Pois
devemos ter em mente que tudo isso ocorreu mais de trinta anos atrás, no tempo
da nossa infância. Portanto, tudo é possível. Pessoalmente, prefiro imaginar
que Blue foi para longe, embarcando em um trem naquela mesma manhã e seguindo
para o oeste a fim de começar uma vida nova. É até possível que na América não
seja o ponto final de sua viagem. Em seus sonhos secretos, gosto de imaginar
Blue comprando uma passagem em um navio e viajando para a China. Pois então,q
eu seja a China, e vamos deixar as coisas nesse pé. Pois agora é o momento em
que Blue se levanta da cadeira, põe o chapéu na cabeça e cruza a porta. E,
deste momento em diante, nada mais sabemos.
Trechos
do livro Fantasmas (Planeta De
Agostini, 2003), o segundo do premiado A
trilogia de Nova York, do escritor e cineasta estadunidense Paul Auster,
Contando
a história de um detetive que investiga um certo homem, escrevendo e enviando
relatório ao contratante, findando frustrado pelas exigências de vigilância
contínua do trabalho, esquecendo-se de sua própria vida. Veja mais aqui.
Veja
mais sobre:
Sou
mato, sou mata, sou Mata Atlântica, A hora dos ruminantes de José J. Veiga, a música
de Peter Scartabello, o teatro popular de
Augusto Boal, a pintura de Georges
Rouault & Tom Fedro, a arte
de Pristine Cartera & Patricia Galvão – Pagu aqui.
E mais:
Todo
homem que maltrata a mulher não merece jamais qualquer perdão, Aracelli de José
Louzeiro. Violência doméstica e sexual de Lucidalva
do Nascimento, a música de Geraldo Azevedo & Neila Tavares, Violência
contra a Mulher, Gershwin & Geneviève Salamone, a arte de Yukari Terakado
& Nina Kuriloff, Marcha
das Vadias & O desenlace da paquera entre Melzinha & Brothão aqui.
Brincarte
do Nitolino, As regras humanas de Peter Sloterdijk, Viagem da noite de Louis-Ferdinand Céline, Aprendizagem do ator
de Antonio Januzelli – Janô, a arte de Barbara Parkins & Sharon Tate, a
dança de Isadora Duncan, a pintura de Georges Rouault & a música de Ivete Sangalo aqui.
Espera & Primeira Reunião, Glosas críticas de Karl Marx, Sóror Saudade de Florbela Espanca, a música de Maki Ishii, o teatro pedagógico de Arthur
Kaufman, Musicoterapia de Rolando
Benezon, o cinema de Silvio Soldini & Licia Maglietta, a pintura de Carl Larsson & o atletismo de João do Pulo aqui.
Ética
& moral aqui.
Ascenso
Ferreira: Oropa, França & Bahia aqui.
A poesia
de Mariza Lourenço aqui.
A saúde no
Brasil & o Dia do Serviço de Saúde aqui, aqui, aqui, aqui. aqui, aqui, aqui. aqui
& aqui.
Diálogo
entre ninguém e coisa alguma, a música de Cláudio
Santoro & Lilian Barreto, Natália de Jussara Salazar, a pintura de Viktor
Lyapkalo $ Aprumando a conversa aqui.
A menina
morta, o pai assassino, Debaixo da ponte de Dalton Trevisan, a música de Caetano Veloso & Ute Lemper, a escultura de Jeff Koons,
a arte de Jemima Kirke & Dani Acioli, Cada um sabe a dor e a delícia de ser
o que é aqui.
A
avareza perde valia quando a vida vai pro saco, Saúde
no Brasil, a arte de Vik Muniz, a música de Júnior Almeida & Nada satisfaz
e a querer sempre mais e mais aqui.
Entre o
científico-racional e o estético-emocional, Física
do estado sólido de Gert Eilenberger, a música de Chico Mário, a arte de Wesley
Duke Lee, a pintura de Delphin Enjolras & a fotografia de Otto Stupakoff aqui.
Quem vai
pra chuva é pra se molhar, Da competição à cooperação de Pierre Weil, a
música de José Miguel Wisnik, a arte de Jasper Johns & George Segal, Na lei da competição só
se colabora pra vencer, o resto é conversa pra boi dormir aqui.
Sobrevivente
de dezembro a dezembro, a literatura de Elfriede Jelinek, a música
de Björk, o cinema de Michael Haneke & Isabelle Huppert, a arte de Odawa
Sagami & Márcia Porto, Quem sabe
tudo dará certo até certo ponto ou não aqui.
Fecamepa:
quando o Brasil dá uma demonstração de que deve mesmo ser levado a sério aqui.
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