sábado, maio 06, 2017

A DANÇA & O AMOR, MUTANTES, CIFUENTES, OMAR ROBLE, FILIPE GIL & DA HIPOCONDRIA AO ALUAMENTO

DA HIPOCONDRIA AO ALUAMENTO - Imagem: foto de Filipe Gil - Tomé tornou-se, de uma hora pra outra, um hipocondríaco. Não era, só depois que viu a notícia na tevê sobre a comercialização de carnes estragadas por grandes frigoríficos, pronto, o cabra ficou na maior biziga porque isso, porque aquilo. A partir disso, começou a ficar desconfiado de tudo: gripe do frango, vaca louca, agrotóxicos, validade vencida, carne de monstrengos reengenhariados, antibióticos, placebos, venenos, conivência da vigilância sanitária, tudo isso pra ele, ah, vidinha pobre essa minha, eu vi na televisão, de canal em canal, tudo uns vendidos, tudo tarja preta! Reclamava do que chamou de corriola tramando dizimá-lo. Ficou ligado, bastava qualquer comichão ou urticária prele ficar inheto e entrar numa quarentena de quase não comer nada, nem água que desconfiasse infectada pela pior das enfermidades. Tenho que me limpar, valha-me Deus! Trancou-se dentro de casa de nunca mais dar as caras pro mundo. Não adiantou Vitalina protestar: dieta dessa, meu filho, vai é morrer na clausura. Que é que tem? A gente nasce mesmo pra morrer. Mas não tem que morrer antes da hora, né? Mulheres, não entendem de nada, sequer percebem a conspiração pra acabar com a gente. Ah, meu filho, se eu pensasse nisso já tinha morrido do coração. Sem dar ouvidos, passou ele a ser o maior dos vigilantes de tudo que fosse comercializado nas farmácias, nos supermercados, onde fosse, ele lá, com a luneta na mão, leitor de manual de instrução, bula de remédio, rodapés de embalagens, conferindo, perguntando, denunciando. Perdera de vez a confiança nas pessoas, nos produtos, na tevê, insistindo na queixa: tanta informação e tanto engodo ao mesmo tempo, como é que pode? Quero a verdade! Por causa disso virou fiscal do governo, dos bancos, de ampolas, grampolas e tataritaritatá. Engajou-se de se alistar em tudo quanto fosse campanha contra os produtos, os serviços públicos, a desonestidade, a corrupção. Do contra já era, agora um cricri daqueles de encher o saco de quem passasse pela frente, queria era a verdade, nada mais que a verdade, somente a verdade, quanto mais procurava, mais se escondia. Tamanha busca aumentou com os cuidados pessoais, assepsia pormenorizada e repetida neurose de limpeza, uma obsessão pra esterilizar coisas repetidas vezes, dedetizar a casa toda três vezes ao dia, lavar as mãos trocentas vezes ao dia, tomar vários banhos por dia, bastava um inseto passar por perto dele e logo tratava de se limpar com todo tipo de produto higiênico: tem que desempestar senão matam a gente! Uma tontura qualquer e já caía aos tremeliques como se fora acometido de pior das pestilências, gritando por socorro e culpando os alimentos, as águas e ar poluídos, a fumaça dos motores, a fuligem das indústrias, os alagamentos e os esgotos a céu aberto, a imundície do povo nojento, a contaminação de tudo, a desgraça do mundo. Vitalina já o tomava por endoidado: esse homem pirou de vez! E já maquinava levá-lo pro hospício com camisa de força, quando ele desconfiado da debandada dela pro lado dos adversários, anunciou o rompimento da relação. Aí a coisa enfeiou de vez e ela, sem a menor parcimônia, denunciou logo que ia entrar na justiça pra cobrar todos os direitos indenizatórios dela, pelo tempo que perdeu com ele, afora os danos morais e materiais que ele casou à saúde e ao bem-estar dela por esses anos todos, com cobrança de Fundo de Garantia, 13º e todos os demais direitos que, se ela não tivesse, ia buscar onde estivesse, e tome tento que o negócio é sério, seu cabra! Ele arregalou os olhos, começou a tremer e, ao tentar balbuciar medroso, teve um troço e pei bufe, lascou-se quase morto no chão. Um santo remédio, pra ela: se ele não ia por bem, ia por mal, já amarrado numa maca, todo se tremendo e com as bolas dos olhos correndo dum lado a outro sem parar, arroeado de médico, psicólogo e enfermeiros. E ela: doutor, dê logo uns tabefes nesse maluvido que ele fica bonzinho na hora! Riram, pediram calma. Isso é pantim desse desgraçado, doutor! Enfia o dedão no cu dele que ele melhora! Mais risadas e procuraram dar jeito naquele aluamento, tome hora, nada do cabra desenvultar. Lá pras tantas, depois duma tuia de injeção e procedimentos que nunca se viu, o cara deu o ar da graça e ao tornar a si, a expectativa de se tinha melhorado ou empiorado de vez. Quieto, ele abriu os olhos, olhou pra todo mundo ao redor, franziu o cenho e desconfiou que era tramóia: essa Vitalina me paga, destá. Ah, o cabra voltou. Voltou nada, ele estava mais alucinado, desenganado, pra ele todos só queriam dar cabo da sua vida, jurou vingança. E resistiu tanto quanto pode. Fez de tudo e se esqueceu de viver por um tempo. © Luiz Alberto Machado. Veja mais aqui.

PANIS ET CIRCENSIS
Eu quis cantar minha canção iluminada de sol
Soltei os panos sobre os mastros no ar
Soltei os tigres e os leões nos quintais
Mas as pessoas na sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer
Mandei fazer de puro aço luminoso um punhal
Para matar o meu amor e matei
Às cinco horas na avenida central
Mas as pessoas da sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer
Mandei plantar folhas de sonhos no jardim do solar
As folhas sabem procurar pelo sol
E as raízes procurar, procurar
Mas as pessoas da sala de jantar
Essas pessoas da sala de jantar
São as pessoas da sala de jantar
Mas as pessoas da sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer
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Panis et Circencis, música de Caetano e Gilberto Gil, com a banda Os Mutantes, no álbum Tropicália ou Panis et Circencis (Philips Records, 1968), lançado pelos autores com Gal Costa, Nara Leão, Tom Zé, Capinam, Torquatro Neto e o maestro Rogério Duprat.

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DANÇA
A vida e ela noitedia em mim
A dança ao leito na folia das horas
E eu nela em flor, eclipse de beijos e pernas
Todo jeito, abraços e laços, juras de amor.
© Luiz Alberto Machado. Imagens do fotógrafo estadunidense Omar Roble. Veja mais aqui, aqui e aqui.

CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
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