DA HIPOCONDRIA AO ALUAMENTO
- Imagem:
foto de Filipe Gil - Tomé tornou-se, de uma hora
pra outra, um hipocondríaco. Não era, só depois que viu a notícia na tevê sobre
a comercialização de carnes estragadas por grandes frigoríficos, pronto, o
cabra ficou na maior biziga porque isso, porque aquilo. A partir disso, começou
a ficar desconfiado de tudo: gripe do frango, vaca louca, agrotóxicos, validade
vencida, carne de monstrengos reengenhariados, antibióticos, placebos, venenos,
conivência da vigilância sanitária, tudo isso pra ele, ah, vidinha pobre essa
minha, eu vi na televisão, de canal em canal, tudo uns vendidos, tudo tarja
preta! Reclamava do que chamou de corriola tramando dizimá-lo. Ficou ligado,
bastava qualquer comichão ou urticária prele ficar inheto e entrar numa
quarentena de quase não comer nada, nem água que desconfiasse infectada pela pior
das enfermidades. Tenho que me limpar, valha-me Deus! Trancou-se dentro de casa
de nunca mais dar as caras pro mundo. Não adiantou Vitalina protestar: dieta
dessa, meu filho, vai é morrer na clausura. Que é que tem? A gente nasce mesmo
pra morrer. Mas não tem que morrer antes da hora, né? Mulheres, não entendem de
nada, sequer percebem a conspiração pra acabar com a gente. Ah, meu filho, se
eu pensasse nisso já tinha morrido do coração. Sem dar ouvidos, passou ele a
ser o maior dos vigilantes de tudo que fosse comercializado nas farmácias, nos
supermercados, onde fosse, ele lá, com a luneta na mão, leitor de manual de
instrução, bula de remédio, rodapés de embalagens, conferindo, perguntando,
denunciando. Perdera de vez a confiança nas pessoas, nos produtos, na tevê, insistindo
na queixa: tanta informação e tanto engodo ao mesmo tempo, como é que pode?
Quero a verdade! Por causa disso virou fiscal do governo, dos bancos, de
ampolas, grampolas e tataritaritatá. Engajou-se de se alistar em tudo quanto
fosse campanha contra os produtos, os serviços públicos, a desonestidade, a
corrupção. Do contra já era, agora um cricri daqueles de encher o saco de quem
passasse pela frente, queria era a verdade, nada mais que a verdade, somente a
verdade, quanto mais procurava, mais se escondia. Tamanha busca aumentou com os
cuidados pessoais, assepsia pormenorizada e repetida neurose de limpeza, uma
obsessão pra esterilizar coisas repetidas vezes, dedetizar a casa toda três
vezes ao dia, lavar as mãos trocentas vezes ao dia, tomar vários banhos por
dia, bastava um inseto passar por perto dele e logo tratava de se limpar com
todo tipo de produto higiênico: tem que desempestar senão matam a gente! Uma tontura
qualquer e já caía aos tremeliques como se fora acometido de pior das
pestilências, gritando por socorro e culpando os alimentos, as águas e ar
poluídos, a fumaça dos motores, a fuligem das indústrias, os alagamentos e os
esgotos a céu aberto, a imundície do povo nojento, a contaminação de tudo, a
desgraça do mundo. Vitalina já o tomava por endoidado: esse homem pirou de vez!
E já maquinava levá-lo pro hospício com camisa de força, quando ele desconfiado
da debandada dela pro lado dos adversários, anunciou o rompimento da relação.
Aí a coisa enfeiou de vez e ela, sem a menor parcimônia, denunciou logo que ia
entrar na justiça pra cobrar todos os direitos indenizatórios dela, pelo tempo
que perdeu com ele, afora os danos morais e materiais que ele casou à saúde e
ao bem-estar dela por esses anos todos, com cobrança de Fundo de Garantia, 13º
e todos os demais direitos que, se ela não tivesse, ia buscar onde estivesse, e
tome tento que o negócio é sério, seu cabra! Ele arregalou os olhos, começou a
tremer e, ao tentar balbuciar medroso, teve um troço e pei bufe, lascou-se
quase morto no chão. Um santo remédio, pra ela: se ele não ia por bem, ia por
mal, já amarrado numa maca, todo se tremendo e com as bolas dos olhos correndo
dum lado a outro sem parar, arroeado de médico, psicólogo e enfermeiros. E ela:
doutor, dê logo uns tabefes nesse maluvido que ele fica bonzinho na hora!
Riram, pediram calma. Isso é pantim desse desgraçado, doutor! Enfia o dedão no
cu dele que ele melhora! Mais risadas e procuraram dar jeito naquele aluamento,
tome hora, nada do cabra desenvultar. Lá pras tantas, depois duma tuia de
injeção e procedimentos que nunca se viu, o cara deu o ar da graça e ao tornar
a si, a expectativa de se tinha melhorado ou empiorado de vez. Quieto, ele
abriu os olhos, olhou pra todo mundo ao redor, franziu o cenho e desconfiou que
era tramóia: essa Vitalina me paga, destá. Ah, o cabra voltou. Voltou nada, ele
estava mais alucinado, desenganado, pra ele todos só queriam dar cabo da sua
vida, jurou vingança. E resistiu tanto quanto pode. Fez de tudo e se esqueceu
de viver por um tempo. © Luiz Alberto Machado. Veja mais aqui.
PANIS ET CIRCENSIS
Eu quis cantar minha canção iluminada de sol
Soltei os panos sobre os mastros no ar
Soltei os tigres e os leões nos quintais
Mas as pessoas na sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer
Mandei fazer de puro aço luminoso um punhal
Para matar o meu amor e matei
Às cinco horas na avenida central
Mas as pessoas da sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer
Mandei plantar folhas de sonhos no jardim do solar
As folhas sabem procurar pelo sol
E as raízes procurar, procurar
Mas as pessoas da sala de jantar
Essas pessoas da sala de jantar
São as pessoas da sala de jantar
Mas as pessoas da sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer.
Soltei os tigres e os leões nos quintais
Mas as pessoas na sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer
Mandei fazer de puro aço luminoso um punhal
Para matar o meu amor e matei
Às cinco horas na avenida central
Mas as pessoas da sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer
Mandei plantar folhas de sonhos no jardim do solar
As folhas sabem procurar pelo sol
E as raízes procurar, procurar
Mas as pessoas da sala de jantar
Essas pessoas da sala de jantar
São as pessoas da sala de jantar
Mas as pessoas da sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer.
Panis et Circencis, música
de Caetano e Gilberto Gil, com a banda Os
Mutantes, no álbum Tropicália ou Panis et Circencis (Philips Records,
1968), lançado pelos autores com Gal Costa, Nara Leão, Tom Zé, Capinam,
Torquatro Neto e o maestro Rogério Duprat.
Veja
mais sobre:
O
direito à informação e qual informação, A formação social da
mente de Lev Vygotsky, O retrato do Dorian Gray de Oscar Wilde, a poesia de
Manuel Bandeira, a pintura de Vincent
van Gogh & a música de Gonzaguinha aqui.
E mais:
As
funduras profundas do coração de uma mulher, A arte
de amar de Erich Fromm, a música
de Claude Debussy & Isao Tomita, a poesia de
Paul Verlaine & Ledo Ivo, a pintura de Fabius
Lorenzi, a arte de Cornelia Schleime & Lula Queiroga aqui.
Fonte, Mal-estar
na civilização de Sigmund Freud, O
jardineiro do amor de Rabindranath Tagore, O homem que calculava de Malba Tahan, Escritos loucos de Antonin
Artaud, Amem de Costa-Gavras, a música de Fátima Guedes, a pintura de Vincent van Gogh, Cia de Dança Lia Rodrigues
& Brincarte do Nitolino aqui.
Mulheres
de Charles Bukowski, a poesia de
Konstantínos Kaváfis, O
entendimento humano de David Hume, O
sentido e a máscara de Gerd Bornheim, a literatura de Gonzalo Torrente
Ballester, a música de Brahms & Viktoria Mullova, o cinema de Imanol Uribe, a pintura de Monica Fernandez, Academia Palmarense de
Letras (APLE), Velta & Emir Ribeiro aqui.
A paixão
avassaladora quando ela é a terrina do amor & a pintura
de Julio Pomar aqui.
Função
das agências reguladoras aqui.
Fecamepa:
quando a coisa se desarruma, até na
descida é um deus nos acuda aqui.
A
educação no positivismo de Auguste Comte aqui.
Aurora
Nascente de Jacob Boehme, A teoria
quântica de Max Planck, A megera domada de William Shakespeare, a música
de Pixinguinha, a pintura de Marcel René Herrfeldt, Bowling for Columbine
de Michael Moore, a arte de Brigitte Bardot, a Biopoesia de Silvia Mota & PEAPAZ aqui.
Infância, Imagem e Literatura: uma
experiência psicossocial na comunidade do Jacaré – AL, A trilha dos ninhos de aranha de Ítalo Calvino, Mademoiselle Fifi de Guy de Maupassant, A mandrágora de Nicolau
Maquiavel, A paixão selvagem de Serge Gainsbourg & Jane Birkin, a arte de Maria de Medeiros, a
música de Cole Porter, a pintura
de Odilon Redon, Quasar Cia de Dança
& Sopa no Mel de Ivo Korytowski aqui.
A lenda
do açúcar e do álcool, História da Filosofia de Wil Durant,
Educação não é privilégio de Anísio Teixeira, Não há estrelas no céu de r João
Clímaco Bezerra, a música de Yasushi
Akutagawa, a pintura de Madison
Moore, o teatro da lenda da Cumade Fulôsinha & o espetáculo de
dança Bem vinda Maria Flor aqui.
Cruzetas,
os mandacarus de fogo, Concepção dialética da História de Antonio Gramsci, O
escritor e seu fantasma de Ernesto
Sábato, Sob o céu dos trópicos de Olavo Dantas, a pintura de Eliseo Visconti, a fotografia de Rita-Barreto, a ilustração de Benício & a música de Rosana Sabença aqui.
O passado
escreveu o presente; o futuro, agora, Estudos sobre Teatro de Bertolt Brecht, A sociolingüística de Dino
Preti, Nunca houve guerrilha em
Palmares de Luiz Berto, a música de Adriana Hölszky, a escultura de Antonio Frilli,
a arte de Thomas Rowlandson, a pintura de Dimitra Milan & Vera Donskaya-Khilko aqui.
O
feitiço da naja, Sistema de comunicação popular de Joseph Luyten, Palmares e o coração de Hermilo Borba Filho, a poesia de Mário
Quintana, o teatro de Liz Duffy Adams, a música de Vanessa Lann, a
fotografia de Joerg Warda & Luciah Lopez aqui.
A
rodagem de Badalejo, a bodega de Água Preta, O analista
de Bagé de Luis Fernando Veríssimo, O enredo de Samira Nahid Mesquita, O teatro
de Sábato Magaldi, a música de Meredith Monk, Pixote de Hector
Babenco, a arte de Vanice Zimerman, a pintura de Robert
Luciano & Vlaho Bukovac aqui.
Palestras:
Psicologia, Direito & Educação aqui.
A
croniqueta de antemão aqui.
Livros
Infantis do Nitolino aqui.
&
Agenda
de Eventos aqui.
DANÇA
A vida e ela noitedia em mim
A dança ao leito na folia das horas
E eu nela em flor, eclipse de beijos e pernas
Todo jeito, abraços e laços, juras de amor.
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na
Terra: arte do artista plástico chileno Sergio
Martinez Cifuentes.
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.