COM A PERNA NA
VIDA FOI SER FELIZ COMO PODIA - Imagem:
arte do artista plástico português Rui Carruço – Meados do mês e a noite em claro, mais uma entre tantas outras
por causa dos aperreios diários: contas vencidas e a vencer, o caixa com as
receitas zeradas. A clientela sumira, prateleiras quase vazias, nenhum estoque
e não havia como repor. Não sabia mais como seria dali por diante, os devedores
picaram a mula, os credores inexoráveis na porta. Golpes e mais golpes em pleno
meio dia e a maior roubalheira nos governos do país. Sabia que não era nenhuma
novidade, mas bem que podiam cuidar melhor das instituições públicas, saquear
menos os cofres públicos e atender melhor o nosso povo. Nada faziam e a
violência grassando entre endemias, desmoralizações, hostilidades, ignorância,
descompromisso e tome malversação privatizando o público e publicizando o
privado. O dia nascera e ele ali na cama sem pregar o olho, o sono roubado
pelas desordens que lhe exigiam vigília constante, se cochilasse o cachimbo
caía e não seria ninguém além da poeira dos invisíveis famélicos. E pra começar
com o pé esquerdo, de um lado o vizinho e o rádio às alturas com a resenha
policial: uma trilha sonora pavorosa sob uma voz rouca e aterrorizante davam o
tom da tragédia diária. Tentando se livrar dessa nefasta mania, ao chegar ao
quintal, do outro lado da sua casa, era a vizinha gasguita cantarolando
desafinada os sucessos da cornagem aguda reverberando no último volume da
vitrola. E agora? Pra completar só faltavam os reclamos insistentes da esposa e
o chororô dos bruguelos pra cima dele. Respirou fundo e procurou buraco pra se
socar. Não havia, tomou um gole d’água e um café pequeno, arribou irresponsavelmente
às baforadas, enchendo a rua de perna. Era dia de folga, mesmo assim, tinha de
fazer alguma coisa. Era preciso. Não aguentava mais o mundo arriar todo dia
sobre seus costados, estava pesado demais, insuportável. E por mais que fizesse
para dar um passo à frente, parecia que dera uns duzentos pra trás. Vôte! Tudo quanto
ousasse para melhorar de vida, mais findava à míngua. Procurava uma mão amiga e
ao se deparar com o primeiro, lá vinha o peditório – Eita, ele pediu primeiro! Quando
não eram as premências, eram os xingamentos exaltados, infelicidade geral. Forrou
a barriga com pão doce e caldo de cana, encarando o mormaço da tarde no juízo avariado.
Não tinha nem pra onde ir, o mundo todo estava desgraçado. Só sobrara uma coisa
do seu entendimento: morrer! Vixe! Era melhor morrer mesmo e de vez, pronto,
resolvido! Matar, não, não tinha a menor coragem de atentar contra si próprio. E
entendeu nessa hora porque os assassinos só atacam pelas costas: temem vacilar
pela frente. Nisso e noutras coisas de maldade a covardia é um santo remédio. Não
havia como se acovardar de si mesmo, melhor era morrer, acabou-se. E assim o
fez ao retornar pra casa e constatar que a mulher saíra pra missa com a
filharada pendurada ao cós da saia. Estava sozinho. Deitou-se na cama, ficou
inerte, assumiu sua invalidez e fechou os olhos, foi buscar fundo dentro de si
a morte que queria. Fez força pra parar de funcionar e foi se despedindo da
vida e de todo mundo assim no pensamento, ao seu modo, adeus pra nunca mais. E ficou
a morrer-se, sozinho de tudo. Ao cabo de minutos depois percebeu que não
morrera, estava vivinho da silva, tudo funcionando como antes. Ora e agora? Uma
greve de fome não, duraria dias; se jogar na frente dum trem, era o mesmo que
suicídio, não. Pular da ponte embaixo dentro dum rio sem nadar, ou botar a
cabeça dentro forno com vazamento de gás, não. Nada, nem isso dava certo e era
o mesmo que se matar e ele só queria morrer, sustar todas as funções orgânicas,
parar tudo, finar-se, fim, não conseguiu. Se bem que pior do que está não
haverá de ficar, não tem mais pra onde descer, já está no limite da queda, nada
mais além do chão. Agora, qualquer esforço será pra subir porque no embaixo já
está. Bastava o primeiro pinote e poderia dizer que estava melhorando de vida,
quer queira, quer não. Sabe de uma coisa? Virou-se pra si, encarou sua doidice e
falou: - Se sou inútil, nada demais ir até o apito final. Custar, custava; pior
que não ter é não fazer nada. E se não fez as pazes consigo, entendeu que havia
dentro dele uma compulsão inata de lutar para sobreviver e o compelia a
continuar lutando diante das imprevisíveis e recorrentes condições aversivas e insuperáveis.
Se é assim, será; só que do meu jeito. Percebeu que não era inválido e nem
dependia dos outros, só de si mesmo. Ué! Então, com a perna na vida foi ser feliz
como podia. © Luiz Alberto Machado. Veja mais aqui.
Curtindo o talento musical da violinista suíça
Rachel Kolly d’Alba.
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Cobiça na Crônica de amor por ela, Buda, Miguel de Cervantes y Saavedra, Montesquieu, Magda Tagliaferro, Ciro
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&
DESTAQUE: VIVA ANASTASIA
Anastasia Eduardivna
Baburova (1983-2009), jornalista e
ativista libertária russa de 25 anos, correspondente freelance
do jornal independente Novaya Gazeta
, assassinada nas proximidades do Kremlin, ao presenciar o assassinato
do proeminente advogado dos direitos humanos, Stanislav Markelov, por um
agressor que usava uma máscara de esqui e pistola com silenciador. A jornalista
e o advogado estava, conversando depois da cobertura de uma entrevista coletiva
na qual ele denunciava ferozmente a libertação prematura de um oficial do
exército russo condenado no sequestro e assassinato de uma menina chechena, em
2000. Além disso, ela acompanhava na cobertura das atividades dos grupos
neonazistas e de crimes motivados pela raça em Moscou. Em 28 de abril de 2011,
o júri do Tribunal de Moscou declarou dois nacionalistas radicais, Nkkita
Tikhonov e Yevgeniya Khasis, culpados pelo duplo assassinato. Em 15 de julho de
2015, o mesmo tribunal condenou Ilya Groyachev, líder da organização de batalha
extremista de nacionalistas russos, como o autor intelectual do duplo assassinato,
posteriormente condenado à prisão perpétua. Em 2011, um livro organizado por
Carleton Olegário M. Ximo com o título de Anastasia
Baburova (Ject Press, 2011), reuniu artigos da jornalista quando da sua
participação da organização Autônomous Action.
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
A arte do artista plástico português Rui Carruço
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na
Terra: Arbol cosmogônico, da artista plástica uruguaia Alina Percovich.
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.