O MUNDO PAROU
PRO CORAÇÃO PULSAR - Imagem: arte do
pintor e escultor francês Jean Fautrier
(1898-1964) - Ninguém sabe como se dera o fato daquele menino ser tão austero
de juntar até migalhas: seixos, gibis, figuras de álbuns, bolas de gude, borboletas
aos montes grudadas em páginas de cadernos, rótulos de cigarros, capas de
revistas masculinas e outras tantas coisas curiosamente organizadas e
escondidas embaixo do colchão ou da cama. Até cada moeda amealhada era tão bem
guardada que ninguém sabia o que ele dela fazia. Suspeitou-se de ser acometido
por colecionismo, vez que achados e ganhados eram apropriados, tão bem
guardados e reunidos às escondidas pelos cantos do seu fechadíssimo quarto. Quase
ninguém sabia de nada, só quando davam conta da presença de estranhos pelos
corredores da casa, tratando disso ou daquilo com ele. Com o passar do tempo as
suas esquisitices nem mais chamavam atenção. Crescendo a olhos vistos, emanava
de si um ar misterioso, pelo qual não permitia ninguém ousasse saber de sua
vida. Assim foi do primário pro ginasial, daí pro colégio até a faculdade com a
mesma singular estranheza enigmática. Formou-se de forma tão discreta de
ninguém dar por conta de um graduado, da mesma forma que só deram fé que ele
havia arribado de casa fazia tempo e ninguém percebera, só caíram as fichas quando
ele já se tornara promissor empresário de sair estampado nas manchetes dos
jornais. Danou-se! Ao repararem suas atividades, não se surpreenderam que se
tratava dum sujeito que se levantava de madrugada pros seus afazeres, só se
recolhendo depois da meia noite sem dar um pio durante todo dia. De fato,
dormia pouco, quatro horas no máximo o que, pra ele, já era um desperdício. Da mesma
forma com a fala, restringindo-se sempre a um sim ou não no máximo. Do mesmo
jeito que se parecia invisível, não comparecia pras reuniões familiares, muito
menos esboçava laços de afeto com quem quer que seja. Vivia sim única e
exclusivamente do seu trabalho e em silêncio, concentração máxima conferida no
relógio, prazos cumpridos, relatórios elaborados, conferência de tudo, sem
esboçar o menor ruído de respiração. Dele se via apenas que cada hora uma
atividade, tudo agendado, esquematizado quantitativamente até o lazer: jogar
xadrez. De tão mecânica racionalização, ele já no automático com o futuro
traçado nos mínimos detalhes, até as vicissitudes previstas entre as metas e os
riscos, tudo esquemática e racionalmente planejado estrategicamente, desde os
investimentos à maximização dos negócios na bolsa de valores, aplicações e
dividendos. Quando incomodado por curiosos achegados, resposta seca: - Use o
cérebro! E só, saindo sem a mínima reverência nem se despedir. Na dele e em
todas as ocasiões tinha interpretação para tudo, juízo inderrogável, opinião
insofismável, decisões inarredáveis. Só não previra o dia em que teve um
piripaque: cirurgia dera-lhe pontes de safena ao coração. Foi quando pela
primeira vez acordou com os olhos numa janela ensolarada de um quarto nunca
visto, ouvindo o barulho da passarada do lado de fora. Gostou da novidade
auditiva, como também do cheiro de folhas e terra molhada, e de que havia o dia
depois da noite, nada disso nunca antes sentidos. E muito mais descobrira ali
estirado sem poder mover-se por dias. Aí inaugurou a saliva na boca desejando o
cheiro que vinha de uma frondosa mangueira e começou a perceber sabores, olores
e cores que jamais sequer imaginava existissem. Caiu em si e se vivia não sabia
o que era a vida, teve o mundo que parar pra que seu coração realmente pulsasse.
© Luiz Alberto Machado. Veja mais aqui.
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