terça-feira, junho 25, 2013

JUANA PAVÓN, ŽIŽEK, ARENDT, LÉVINAS, LURIA, ALICE SHELDON, WANDA SYKES & FILHA DA DOR

 

AH, THEREZINHA - (Therezinha Viana de Assis – 1941-1978) - Aquela moça sergipana estudava Economia na faculdade quando se engajou politicamente participando de organizações clandestinas. Tornou-se depois economiária em Belo Horizonte. Foi lá que foi presa e torturada, por quatro anos encarcerada. Ao sair da prisão exilou-se no Chile, onde especializou-se na sua área e com militância no MIR. Foi lá que ela se passou a assinar como de Jesus. Não demorou muito, com o golpe de Pinochet na queda de Allende, foi pra Holanda, doutorando-se em Amsterdam. Trabalhava na prefeitura local, mas por conta da não renovação do seu contrato, passou a ter problemas psicológicos motivado pelo isolamento e consequências das torturas na prisão. Um belo dia foi encontrada morta, foi o que soube duma carta de um outro exilado de lá ao bispo de Lins: havia se jogado pela janela de seu quarto no terceiro andar dum edifício, na verdade sétimo andar. Conta-se que foi encontrada com diversas fraturas das costelas e uma hemorragia no baço. Socorrida, não resistiu a uma cirurgia emergencial. Sua irmã preocupada por não receber mais suas cartas, deu conta de que estava sendo seguida. Por isso, havia saído de férias, aprendendo outras línguas e viajando pela Rússia e países da Europa Oriental. Ao retornar das viagens, encontrou seu apartamento invadido. E todos os dias quando voltava do trabalho encontrava tudo remexido e desarrumado pela polícia secreta do Chile, presume-se. Alegou pra irmã que recebia ligações anônimas ameaçadoras. Exatamente por isso desconfiavam que não foi suicídio. Guardo apenas sua foto do Dossiê da Ditadura, o seu nome na lista dos desaparecidos do Golpe Militar de 1964, no rol das Filhas da Dor. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

 


DITOS & DESDITOSA pluralidade dos seres únicos é o que caracteriza a condição humana; nós somos seres únicos e por isso nós somos plurais. E essa unicidade que garante a pluralidade... Pensamento da filósofa política alemã de origem judaica Hannah Arendt (1906-1975). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

 

ALGUÉM FALOU: Estou aqui hoje porque me recusei a ser infeliz. Eu tive uma chance. Estou aqui hoje porque eu odiava tudo o mais. Quando a vida lhe dá limões, não faça limonada, faça limonada rosa. Seja único. Se você tiver uma paixão por isso, então pare de desejar e faça isso. Pensamento da atriz, roteirista, comediante e ativista estadunidense Wanda Sykes.

 

ALTERIDADE – [...] Na relação com o outro este aparece para mim como alguém a quem eu devo algo, em relação a quem eu sou responsável. Daqui a assimetria da relação Eu/Você, uma relação de completa diferença entre mim e você, porque toda a relação com o outro é uma relação de responsabilidade. [...]. Trecho extraído da obra Alterity and transcendence (Columbia University Press, 1999), do filósofo francês Emmanuel Lévinas (1906-1995), que na obra Totalité et infini (Livre de Poche, 1990), expressa que: [...] Minha procura por justiça pressupõe uma nova relação, na qual todo o excesso de responsabilidade que eu devo ter perante o outro é subordinado à questão da justiça. Na justiça existe comparação, e o outro não tem nenhum privilégio em relação a mim. Entre pessoas que adentram esta relação, uma outra relação deve ser estabelecida, que pressupõe a comparação entre eles, isto é, pressupõe, justiça e cidadania. Limitação daquela responsabilidade inicial, a justiça ainda assim marca uma subordinação do eu em relação ao outro. Com a chegada do terceiro, o problema fundamental da justiça é colocado, o problema do direito, que é sempre do outro. [...]. Já no livro O humanismo do outro homem (Vozes, 2009), ele expressa que: [...] O estudo do homem, imbricado numa civilização e economia que se tornaram planetárias, não se pode limitar a uma tomada de consciência: sua morte, seu renascimento e sua transformação acontecem, doravante, longe dele mesmo. [...]. Por fim, no livro Entre nós: ensaios sobre a alteridade (Vozes, 1997), ele expressa o conceito de alteridade como: [...] instrumento de interpretação da história e nasce de uma ruptura da indiferença, da possibilidade do um-para-o-outro, que é o acontecimento ético, um existir-para-outrem, mais forte que a ameaça de morte. [...] a alteridade nasce de uma tomada de posição ética e de um reconhecimento intelectivo: aceitar a relação com o Outro como constitutiva do ser, mas de um ser no mundo, uma escolha ética pelo reconhecimento da alteridade como relação entre os homens na diferença; e um desejo intelectivo de conhecer, e reconhecer, esse Outro a quem estou ligado irremediavelmente por estar no mundo em sua companhia. A relação com o Outro pressupõe querer compreendê-lo, mas essa relação excede a simples compreensão. O conhecimento de outrem exige, além de curiosidade [...] simpatia ou amor, maneiras de ser distintas da contemplação impassível. Mas também porque, na nossa relação com outrem, este não nos afeta a partir de um conceito. Ele é ente e conta como tal [...] Compreender uma pessoa é já falar-lhe”. Deixar o outro ser é ter aceito essa existência, tê-la tomado em consideração. [...] eu compreendo o ser em outrem, além de sua particularidade de ente; a pessoa com a qual estou em relação, chamo-a ser, mas, ao chamá-la ser, eu a invoco. Não penso apenas que ela é, dirijo-lhe a palavra. Ele é meu associado no seio da relação que só devia torná-la presente. Eu lhe falei, isto é, negligenciei o ser universal que ela encarna, para me ater ao ente particular que ela é [...]. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

 

PENSAMENTO & LINGUAGEM – [...] A atividade vital humana caracteriza-se pelo trabalho social e este, mediante a divisão de suas funções, origina novas formas de comportamento, independentes dos motivos biológicos elementares. A conduta já não está determinada por objetivos instintivos diretos... O trabalho social e a divisão do trabalho provocam a aparição de motivos sociais de comportamento. É precisamente em relação com todos esses fatores que no homem criam-se novos motivos complexos para a ação e se constituem essas formas de atividade psíquica específicas do homem. Nestas, os motivos iniciais e os objetivos originam determinadas ações e essas ações se levam a cabo por meio de correspondentes operações especiais. [...]. Trecho extraído da obra Pensamento e linguagem: as últimas conferências de Lúria (ArtMed,1986), do neuropsicólogo russo Alexander Luria (1902-1977). Veja mais aqui e aqui.

 

SUBINDO AS PAREDES DO MUNDO - [...] Considere como seria estranho se tudo o que sabemos sobre elefantes tivesse sido escrito por elefantes. Reconheceríamos um? Que autor de elefantes descreveria - ou talvez até percebesse - as características que são comuns a todos os elefantes? Nós nos encontraríamos detectando-os a partir de pistas indiretas; por exemplo, os naturalistas de elefantes certamente nos diriam que todos os outros animais sofrem de falta de nariz, o que os obriga a usar as patas de maneira não natural. [...] Então, quando o macho humano descreve seu mundo, ele mapeia suas distâncias de seu centro de referência natural tácito, ele mesmo. [...] Trechos extraidos da obra Up the Walls of the World (Ace, 1984), da escritora estadunidense Alice Sheldon (1915-1987), que na obra Ten Thousand Light-Years From Home (1973), destaco um trecho do conto Sou muito grande, mas adoro brincar: [...] Você pode entender por que um sistema buscaria informações - mas por que diabos ele oferece informações? Por que nos esforçamos para ser compreendidos? Por que a recusa em aceitar a comunicação é tão dolorosa? [...].

 

DOIS POEMAS: DE UMA VEZ POR TODAS - De uma vez por todas \ me declaro mulher \ de ovários bem colocados, \ que triste seria de minha \ parte chamar-me Napoleão ou Rigoberto, \ carregando para a vida \ uma andorinha \ sem recado entre as pernas. DESEJOS IRREVERENTES - Como eu gostaria \ de estar na cama com Walt Whitman, \ bebendo nas cantinas de Malcolm Lowry \ ou “Under the Volcano”. \ Processe Franz Kafka à minha maneira. \ Observe com atenção e atenção \ Francis Bacon. \ Estar com Salvador Dalí \ numa tarde de tourada \ e tocar-lhe o traseiro \ enquanto pensava em Gala \ ou em Federico García Lorca. Cante meus poemas de amor e outras canções desesperadas \ para Pablo Neruda, repita “De Profundis” com todos os meus segredos sexuais para Oscar Wilde e seu amante amaldiçoado. Como eu gostaria de estar rindo ao lado de Baudelaire com meus quinze anos em sua cama. \ Talvez eu tivesse gostado \ de foder Hitler, Calígula, \ Napoleão, você \ e outros filhos da puta. Filmando um Decameron diferente \ com Pier Paolo Passolini. Estar acariciando e beijando Rabindranah Tagore. Falando de amor com Juan Ramón Molina. Condenem sem piedade os jesuítas pedófilos. Culpar Marlon Brando por não ter me conhecido. Persiga Felipe Buchard, Ezequiel Padilla e Simón, de cantina em cantina, de bairro em bairro, de santuário em santuário. Conspirando com o sangue latino de Gabriel García Márquez. Desamo um militar como o Fernando. \ Respeitar as mulheres do 1+1, \ mas não todas \ - como diz María Ester \ com o consentimento de Leslie - \ Ficar com raiva de Ramón Matta \ por nunca ter me convidado para um show. \ Gostaria de mencionar minha mãe a seu pai, \ a Nietzsche, a Gorky \ e a Simone de Beauvoir. \ Ainda respeitam Marx, Lenin, \ a luta de classes. \ E ria dos comunistas crioulos, \ apesar da Perestroika. \ Nunca entendendo as fraquezas de Woody Allen \ Corte o ovo de Van Gogh \ e não a outra orelha. \ Cair no choro, escrever merda, \ dançar mambo, salsa e mais salsa \ e brincar de boneca até de avó. \ desculpas ao meu melhor amigo\ para Monsenhor Santos e outros Rodríguez, \ volte a ser bom, cafona e estúpido. \ Continue sonhando, amando, fornicando \ e contando piadas até chegar à \ hilaridade.\ Voe e voe para longe \ até encontrar aquele todo-poderoso \que me fez à sua imagem e ao seu tudo.\ Amém. Poemas da poeta e atriz hondurenha Juana Pavón (Margarita Velásquez Pavón – 1945- 2019).

 

BEM-VINDO AO DESERTO DO REAL, DE SLAVOJ ŽIŽEK - [...] a América tem o direito a ataques preventivos, ou seja, a atacar países que ainda não representam uma ameaça clara contra os Estados Unidos, mas que poderiam sê-lo no futuro; [...] aqui se reproduz o velho paradoxo da escolha imposta, a liberdade de escolher com a condição de que se faça a escolha certa. [...] a tese de que, longe de arrancar os EUA de seu sono ideológico, o 11 de Setembro foi usado como o sedativo que permitiu à ideologia dominante “renormalizar-se” [...], longe de acordar os EUA, o 11 de Setembro nos fez dormir outra vez, continuar nosso sonho depois do pesadelo das últimas décadas. [...] Kant em seu “O que é o Iluminismo”: “Pense o quanto quiser, com toda a liberdade que quiser, mas obedeça!”. [...] oculto no raciocínio de Kant: a liberdade de pensamento não somente não solapa a servidão social real, mas na verdade a sustenta. [...] O que é problemático na forma com a ideologia dominante nos impõe esta escolha não é o fundamentalismo, mas a própria democracia: como se a única alternativa ao “fundamentalismo” fosse o sistema político da democracia parlamentar liberal. [...] Ao contrário do século XIX dos projetos e ideais utópicos ou científicos, dos planos para o futuro, o século XX buscou a coisa em si – a realização direta da esperada Nova Ordem. O momento último e definidor do século XX foi a experiência direta do Real como oposição à realidade social diária – O Real e sua violência extrema como o preço a ser pago pela retirada das camadas enganadoras da realidade. [...] Ernest Jünger já celebrava o combate corpo-a-corpo como o autêntico encontro intersubjetivo: a autenticidade reside no ato de violenta transgressão, do Real lacaniano. [...] o paradoxo de, numa era frenética de capitalismo global, o principal resultado da revolução é reduzir a dinâmica social à imobilidade. [...] Paradoxalmente, a própria volta à normalidade capitalista anti-messiânica é sentida como o objeto da expectativa messiânica – aquilo que o país simplesmente espera, em estado e animação congelada. Em Cuba, as próprias renúncias são sentidas/impostas como prova da autenticidade do Evento revolucionário – o que em psicanálise é chamado de lógica da castração. Toda a identidade político-ideológica se baseia na fidelidade à castração. [...] Se a paixão pelo Real termina no puro semblante do espetacular efeito do Real, então em exata inversão, a paixão pós-moderna pelo semblante termina numa volta violenta à paixão pelo Real [...] A Realidade Virtual simplesmente generaliza esse processo de oferecer um produto esvaziado de sua substância: oferece a própria realidade esvaziada de sua substancia, do núcleo duro e resistente do Real. [...] Não foi a realidade que invadiu a nossa imagem: foi a imagem que invadiu e destruiu a nossa realidade (ou seja, as coordenadas simbólicas que determinam o que sentimos como realidade) [...] o que devíamos nos ter perguntado enquanto olhávamos para os televisores no dia 11 de setembro é simplesmente: onde já vimos esta mesma coisa repetida vezes sem conta? [...] a noção de Lacan da “travessia da fantasia” como o momento conclusivo do tratamento psicanalítico [...] do que deveria fazer a psicanálise: é evidente que ela deveria nos libertar da influência das fantasias idiossincráticas e nos permitir enfrentar a realidade como ela realmente é! Mas isso é exatamente o que não faz parte das ideias de Lacan – ele e deseja é quase exatamente o contrário. Na vida diária, estamos imersos na “realidade” (estruturada e suportada pela fantasia) e essa imersão é perturbada por sintomas que atestam o fato de que outro nível reprimido de nossa psique resiste a ela. “Atravessar a fantasia” – a saber, com a fantasia estrutura o excesso que resiste à nossa imersão na realidade diária. [...] a dialética do semblante e do Real não pode ser reduzida ao foto elementar de que a virtualização de nossas vidas diárias, a experiência de vivermos cada vez mais num universo artificialmente construído, gera a necessidade urgente de “retornar ao Real” para reencontrar terreno firme em alguma “realidade real”. O Rela que retorna tem o status de outro semblante: exatamente por ser real, ou seja, em razão de seu caráter traumático e excessivo, não somos capazes de integrá-lo na nossa realidade (no que sentimos como tal), e portanto somos forçados a senti-lo como um pesadelo fantástico. [...] A “guerra contra o terrorismo” funciona então como um ato cujo verdadeiro objetivo é nos acalmar, na falsamente segura convicção de que nada mudou realmente. [...] a explosão e colapso das torres gêmeas do WTC em setembro de 2001 foram, pelo contrário, o último grito espetacular da guerra do século XX. O que nos espera é algo muito mias estranho: o espectro de uma guerra “imaterial”, em que o ataque é invisível. Estamos entrando numa nova era de guerra paranóica em que a principal tarefa será identificar o inimigo e suas armas. Nessa nova guerra, os agentes vão cada vez menos assumir publicamente seus atos. [...] a única atitude aceitável é a solidariedade incondicional com todas as vítimas. A atitude ética correta é aqui substituída pela matemática moralizadora da culpa e do horror, que perde de vista um ponto importante: a morte terrível de todo indivíduo é absoluta e incomparável. [...] o liberalismo capitalista global que se opõe ao fundamentalismo maometano é ele próprio um modo de fundamentalismo, de forma que, na atual “guerra contra o terrorismo”, estamos na verdade diante de um choque de fundamentalismo. [...] esconde o paradoxo contrário, os fundamentalistas maometanos não são verdadeiramente fundamentalistas, já são “modernistas”, um produto e um fenômeno do capitalismo global moderno – representam a forma como o mundo árabe luta para se ajustar ao capitalismo global. Quando tratamos com a esquerda atual, devemos sempre ter em mente o narcisismo da esquerda pela Causa perdida. Em psicanálise, a traição do desejo tem um nome preciso: felicidade. Quando exatamente se pode dizer que a pessoas são felizes? Três condições da felicidade na Tchecoslováquia no final da década de 1970: 1. Suas necessidades materiais básicas eram satisfeitas – não excessivamente bem satisfeitas, pois o próprio excesso de consumo pode gerar infelicidade. 2. Uma segunda característica, extremamente importante: existia o Outro (o partido) para receber a culpa de tudo que estivesse errado, de forma que ninguém tinha de se sentir verdadeiramente responsável. 3. [...] havia um Outro Lugar ( o Ocidente consumista) com que sempre se podia sonhar [...] É um conceito pagão: para os pagãos, o objetivo da vida é ser feliz (a ideia de “viver felizes para sempre” é uma versão cristianizada do paganismo),e o sentido religioso e a atividade política são considerados as mais altas formas de felicidade (ver Aristóteles). Era pós-moderna que as gerações mais velhas são substituídas pelas mais novas, em que tudo que aparece tem de desaparecer mais cedo ou mais tarde. [...] Não devemos jamais reduzir o Outro a nosso inimigo, a defensor do falso conhecimento, e assim por diante: nele ou nela sempre há de existir o Absoluto do impenetrável abismo de outra pessoa. O totalitarismo do século XX, com seus milhões de vítimas, mostrou o resultado último de seguir até o fim o que nos parece uma “ação subjetivamente justa”. [...] A democracia é hoje o principal fetiche político, a rejeição dos antagonismos sociais básicos: na situação eleitoral, a hierarquia social é momentaneamente suspensa, o corpo social é reduzido a uma multidão pura passível de ser contada, e aqui também o antagonismo é suspenso. [...] Esse é o grande paradoxo da democracia: dentro da ordem política existente, toda campanha conta a corrupção termina cooptada pela extrema direita populista. [...] A ordem política democrática é por sua própria natureza suscetível à corrupção. A escolha última é: aceitamos e endossamos essa corrupção com um espírito de sabedoria resignada e realista, ou reunimos a coragem para formular uma alternativa de esquerda à democracia para quebrar esse círculo viciosos de corrupção democrática e a campanha direitista para se livrar dela? [...] fuga para a privacidade hoje significa adotar as fórmulas de autenticidade privada propagadas pela indústria cultural recente – desde as ligações sobre o iluminamento espiritual, a última mania cultural e outras modas, até as atividades físicas da corrida e do fisioculturismo. A verdade última do retiro na privacidade é a confissão pública de segredos íntimos num programa de TV – contra essa espécie de privacidade, devemos enfatizar que hoje a única forma de romper as restrições da mercadização alienada é inventar uma nova coletividade. O resultado último da subjetivação global não é o desaparecimento da “realidade objetiva”, mas o desaparecimento de nossa próprio subjetividade, que se transforma num capricho fútil, enquanto a realidade social continua seu curso. [...] A noção “totalitária” de um “mundo administrado”, em que a experiência mesma da liberdade subjetiva seja a forma como surge a sujeição a mecanismos disciplinadores, é na verdade o verso fantasmático obsceno da ideologia (e prática) pública “oficial” da autonomia individual e da liberdade [...] A completa passividade é a fantasia política proibida que mantém nossa experiência consciente como sujeitos ativos e autodefinidores – é a perversa fantasia definitiva: a noção de que, no mais íntimo de nosso ser, somos instrumentos da jouissance do Outro (Matriz), esvaziados da substância da vida como baterias. Nosso dever hoje é acompanhar esses atos, esses momentos éticos. O pior pecado é dissolver esses atos na falsa universalidade do “ninguém é puro”. É sempre possível jogar esse jogo, que oferece ganho duplo ao jogador: o de manter a superioridade moral sobre aqueles que se envolvem na luta [...] O pior a fazer com relação aos acontecimentos de 11 de setembro é elevá-los à condição de Mal Absoluto, um vácuo que não pode ser explicado nem dialetizado. [...] O que esta em jogo agora não são diferentes opções econômicas ou políticas, mas nossa própria sobrevivência – na guerra ao terrorismo, ou vocês estão conosco ou estão contra nós”. E é aqui nesse ponto em que a referência à sobrevivência faz sua entrada em cena como legitimação última, que estamos tratando com a ideologia política em estado puro. [...] o Estado de hoje está realmente definhando (com o advento da tão falada “desregulamentação” liberal)? Ou, pelo contrário, a “guerra ao terrorismo” não seria a afirmação mais forte ainda da autoridade do Estado? Não estaremos testemunhando hoje a mobilização inédita de todos os aparelhos (repressivos e ideológicos) do Estado? [...] Esta é a verdade da globalização: a construção de novos muros isolando os europeus prósperos do fluxo de imigrantes. BEM-VINDO AO DESERTO DO REAL – O livro Bem-Vindo ao deserto do Real: cinco ensaios sobre o 11 de setembro e datas relacionadas – Estado de Sítio, do filósofo, teórico crítico e cientista social esloveno Slavoj Žižek, trata de temas as paixões do real, paixões do semblante, reapropriações, a lição do mulá Omar, a felicidade depois do 11 de setembro, do Homo otarius a Homo Sacer, o cheiro do amor e a política do Real, entre outros assuntos. Veja mais aqui e aqui.

REFERÊNCIA
ŽIŽEK, Slavoj. Bem-Vindo ao deserto do Real: cinco ensaios sobre o 11 de setembro e datas relacionadas – Estado de Sítio. São Paulo: Boitempo, 2003 .


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