UMA CANÇÃO PARA STANISŁAWA LESZCZYŃSKA(1896-1974) – Ela era polonesa de família cristã, seu pai
carpinteiro da Terra do Vístula, então sob domínio czarista: ele foi convocado
para o Turguestão. Enquanto isso sua mãe trabalhava incansavelmente na fábrica
de Poznański. Com o retorno paterno seguiram para o Brasil, mas logo seguiram
de volta: estourava a primeira guerra e ele foi novamente convocado. Vieram o
casamento e os filhos, todos seguiram pra Varsóvia quando tornou-se premiada
parteira. Com a invasão da Polônia pelos nazistas, foram cercados no gueto. Em
flagrante lá estava ela encarcerada em Auschwitz para dar à luz mais de três
mil crianças, enquanto seus filhos foram encaminhados como escravos pras
pedrarias de Mauthasen-Gusen, o marido e filho fugiram, nunca mais os viu.
Enviuvou na Revolta de Varsóvia, enquanto era tatuada para conhecer o monstro
algoz de perto. Então ela fez um relatório com registros da febre puerperal, de
infanticídios de bebês afogados em um barril. Dos milhares salvos por ela,
apenas trinta sobreviveram e, ao ser liberada, participou da celebração de
Varsóvia. Canonizá-la não, pouco demais para o que fez; basta a vida perene no
meu coração.
DITOS & DESDITOS - O amor é tão subjetivo que é egoísta. Cumpra
todos os seus deveres e gozará de todos os seus direitos. Quem sofre pela
verdade e pela justiça, esse é meu amigo. Pensamento do educador,
filósofo, advogado e sociólogo Eugenio María de Hostos (1839—1903),
conhecido como "O grande cidadão das Américas”.
ALGUÉM FALOU: O estilo não é neutro; dá orientações morais. As pessoas não mudam ou
melhoram muito, mas evoluem. É muito lento. Uma piada é, por definição,
politicamente incorreta – ela assume uma bunda e uma certa superioridade no
contador. A cultura não vai aguentar isso por muito mais tempo. Pensamento do escritor britânico Martin
Amis. Veja mais aqui, aqui e aqui.
CARMILLA - […] Você vai me achar cruel, muito
egoísta, mas o amor é sempre egoísta; quanto mais ardente, mais egoísta. Como estou com ciúmes, você não pode
saber. Você deve vir comigo, me amando, até
a morte; ou então me odeie, e ainda venha
comigo, e me odeie na morte e depois dela. Não existe palavra como indiferença
em minha natureza apática. [...] Mas morrer como os amantes podem - morrer juntos, para que possam viver
juntos.
[...] Por algumas noites dormi
profundamente; mas ainda todas as manhãs eu sentia
a mesma lassidão, e uma languidez pesava sobre mim o dia todo. Eu me senti uma garota mudada. Uma estranha melancolia tomava conta
de mim, uma melancolia que eu não teria interrompido. Vagos pensamentos de morte começaram
a surgir, e uma ideia de que eu estava afundando lentamente tomou posse de mim
de maneira gentil e, de alguma forma, não indesejável. Se era triste, o tom de espírito que
isso induzia também era doce. Seja o que for, minha alma concordou
com isso.
[...] Mas os sonhos atravessam paredes de
pedra, iluminam quartos escuros ou escurecem os claros, e suas pessoas fazem
suas saídas e entradas como bem entendem, e riem dos serralheiros. [...] Não me apaixonei por ninguém e nunca me apaixonarei —
sussurrou ela —, a menos que seja por você. Como ela parecia bonita ao luar! Tímido e estranho foi o olhar com que ela rapidamente escondeu o
rosto em meu pescoço e cabelos, com suspiros tumultuados, que pareciam quase
soluços, e apertou na minha uma mão que tremia. Sua bochecha macia estava brilhando contra a minha. "Querido, querido", ela
murmurou, "eu vivo em você; e você morreria por mim, eu te amo tanto." Eu comecei dela. Ela estava olhando para mim com olhos de onde todo o fogo, todo o
significado havia voado, e um rosto sem cor e apático. "Há um frio no ar, querida?" ela disse sonolenta. "Eu quase estremeço; eu estava
sonhando? Vamos entrar. Venha; venha; entre. [...]. Trechos extraídos da obra Carmilla: A Tragic Love Story (Createspace, 2008),
do escritor irlandês Sheridan Le Fanu (1814-1873).
UM POEMA PARA TI - Ao meu
filho Kamyar, com esperanças para o futuro \ componho este poema para ti \
sob uma seca noite de verão, \ que se inicia no meio\ de um caminho assustador
\ neste velho túmulo de uma dor \ sem fim \ esta é a última canção de ninar \ aos
pés do berço onde dormes. \ espero que os sons estrondantes \ do meu grito
ecoem aos céus \ de tua juventude. \ deixe que minha sombra siga \ separada e
distante da tua \ e, um dia, nos alcancemos\ e, um dia, não mais encontraremos
\ entre nossas sombras\ ninguém menos do que deus\ contra uma porta escura \ repouso
minha testa em dor.\ esfrego meus dedos frios\ e frágeis, na esperança\ que um
dia a porta se abra.\ o estigma do qual ria\ surgiu d’uma vaidosa ironia\ de
quando dizia:\ quero ser eu mesma\ mas me arrependeria\ pois era uma “mulher”\ quando
teus olhos inocentes\ deslizarem num livro\ que nem começo há,\ tu verás a raiz
da rebelião\ que crescerá\ no coração de cada canção\ aqui, as estrelas se
apagam\ aqui, os anjos choram\ aqui, as folhas de sálvia\ valem menos\ que os
espinhos do deserto\ aqui, sentado no caminho\ está o demônio da mentira,\ da
estigma\ da hipocrisia\ no céu escuro não posso ver\ tu me acordar\ sob a luz
da manhã\ deixe que meus olhos se encham\ de gotas de orvalho de novo.\ e hei
de revelar as “faces puras”\ das virgens marias.\ deixei a praia da boa
reputação\ e há uma estrela da tempestade\ em meu coração,\ há uma chama que
acende\ a minha raiva,\ pois a dor é ambiente escuro\ da prisão.\ contra uma
porta escura\ repouso minha testa em dor.\ esfrego meus dedos frios\ e frágeis,
na esperança\ que um dia a porta se abra.\ contra estes hipócritas\ sei que
fácil a luta não será\ pois é na minha e tua cidade,\ doce querida criança,\ é
aonde o mal está.\ um dia teus olhos deslizarão\ nesta dolorosa canção.\ que
minhas palavras, enfim\ se unam a ti\ e a si mesmo dirá:\ minha mãe, esta era
ela. Poema da poeta e cineasta iraniana Forough Farrokhzad (1934-1967).