quarta-feira, outubro 05, 2011

GILBERT DURAND, OCTAVIO PAZ, NORBERT ELIAS, RUFFATO, ANTONIA EIRIZ, AFETIVIDADE & PALAVRA MÍNIMA


 A arte da pintora cubana Antonia Eiriz Vázquez (1929-1995).

 

A DOR DO SOFRIMENTO – À memória Sônia Maria Lopes de Moraes (1946-1973) – Soube que ela veio de Santiago do Boqueirão e o pai era oficial do exército. Estudante ainda foi expulsa da faculdade por participação em atividades subversivas. Por conta disso, saiu de casa e tornou-se professora de português no Rio. Foi morar sozinha e, algum tempo depois, casou-se e foi presa no dia primeiro de maio de 1969, na praça Tiradentes, e levada para o Dops, depois encaminhada para o presídio, só liberada e absolvida três meses depois. Por conta de perseguições, caiu na clandestinidade como Esmeralda Siqueira Aguiar. Foi então que se exilou na França, em 1970, passando a estudar cinema e fotografia, enquanto lecionava português numa escola de Paris. Nesse trâmite, soube então que seu marido havia desaparecido. Na verdade, ele havia sido sequestrado, torturado e assassinado em 1971, ficando bastante tempo sendo dado como desaparecido, o que levou às constantes buscas da famosa mãe dele que se tornou musa homenageada na canção Angélica, de Chico Buarque: Quem é essa mulher / Que canta sempre esse estribilho / Só queria embalar meu filho / Que mora na escuridão do mar / Quem é essa mulher / Que canta sempre esse lamento / Só queria lembrar o tormento / Que fez o meu filho suspirar / Quem é essa mulher / Que canta sempre o mesmo arranjo / Só queria agasalhar meu anjo / E deixar seu corpo descansar / Quem é essa mulher / Que canta como dobra um sino / Queria cantar por meu menino / Que ele já não pode mais cantar... Motivada pelo incidente, retornou ao Brasil com o objetivo decisivo de fazer justiça e investigar o que ocorrera de verdade com seu marido. Por conta disso, refugiou-se no Chile, onde trabalhou como fotógrafa. O choro, as buscas, a mãe dele também seria morta cinco anos depois pelas ações de agentes da repressão. Novamente de volta ao Brasil se estabeleceu em São Vicente e logo correram boatos de que ali estava uma terrorista. Não deu outra, foi presa em novembro de 1973, no Posto Rodoviário do Canal 1, em Santos, denunciada por um médico infiltrado Jota – na verdade, João Henrique Ferreira de Carvalho, responsável pela denúncia e morte de outros tantos militantes. Ela foi agarrada no guichê de passagens da rodoviária, carregada aos murros e pontapés, algemada e sacudida dentro de um carro para ser torturada, estuprada e abandonada exangue por dias na Fazenda 31 de Março, em Palheiros, até a morte com dois tiros e enterrada como indigente no cemitério Dom Bosco, em Perus, São Paulo. Só se soube de seu assassinato no final do mês, quando se noticiou que fora vítima de tiroteio na avenida Pinedo, na Capela do Socorro. Nas manchetes o nome era outro, mas seu corpo foi reconhecido por seus pais que foram esbofeteados e ameaçados de serem jogados do terceiro andar do prédio policial, mesmo com a identificação de oficial apresentada pelo pai dela. Dias depois, receberam um inusitado presente: um cassetete do exército com a recomendação de ficarem quietos. Tornou-se uma relíquia de família, a crueldade dos porões da repressão militar e se passaram mais de duas décadas para que seus restos mortais fossem identificados. Está tudo registrado no livro O calvário de Sônia: uma história de terror nos porões da ditadura (Gráfica Mec, 1994), publicado por seu pai João Luiz de Moraes: Fazê-lo era um dever de pai e cidadão. E ouviam Anjos, composta por Ricardo Vilas Boas. Veja mais abaixo e aqui e aqui.

 

DITOS & DESDITOS - A morte é um problema dos vivos. Os mortos não têm problemas. Pensamento do sociólogo alemão Norbert Elias (1897-1990). Veja mais aqui.

 

ALGUÉM FALOU: Acho que a arte tem que transcender a realidade, tem que ser testemunha de uma época, de uma sociedade. Pensamento do escritor Luiz Ruffato. Veja mais aqui.

 

A DOR DA TORTURA - A primeira coisa que fizeram foi arrancar toda a minha roupa e me jogar no chão molhado. Aí, começaram os choques em tudo quanto é lado – seio, vagina, ouvido – e os chutes. Uma coisa de louco. Passei por afogamento várias vezes. Os caras me enfiavam de capuz num tanque de água suja, fedida, nojenta. Quando retiravam a minha cabeça, eu não conseguia respirar, porque aquele pano grudava no nariz. Um dos torturadores ficou tantas horas em pé em cima das minhas pernas que elas ficaram afundadas. Demorou um tempão para se recuperarem. Meu corpo ficou todo preto de tanto chute, de tanto ser pisada. Fui para o pau de arara várias vezes. De tanta porrada, uma vez meu corpo ficou todo tremendo, eu estrebuchava no chão. Eles abusavam muito da parte sexual, com choques nos seios, na vagina passavam a mão. Também faziam acareações minhas com um companheiro do movimento estudantil, o Pedro Eugênio de Toledo. Eles obrigavam a gente a se encostar nas partes sexuais e a torturar um ao outro. Tínhamos que por a mão no órgão um do outro para receber choques. Eles também faziam a gente se encostar como se fôssemos ter uma relação, para os dois serem atingidos pelo choque. Fiquei quase um mês sendo torturada diariamente. Em uma outra vez, eles simularam a minha morte. Me acordaram de madrugada, saíram me arrastando, dizendo que iam me matar. Me puseram dentro de um camburão, onde tinha corda, pá, um monte de ferramentas. Deram muitas voltas e depois pararam num lugar esquisito. Aí, soube que não iam me matar, pois me disseram que eu ia ser colocada numa solitária e que iam espalhar o boato que eu tinha morrido. Depoimento da professora Maria do Socorro Diógenes, extraído da obra Luta, substantivo feminino: mulheres torturadas, desaparecidas e mortas na resistência à ditadura – Direito à memória e à verdade (Caros Amigos, 2010). Veja mais aqui e aqui.

 

O IMAGINÁRIO - Semanticamente falando, pode-se dizer que não há luz sem trevas enquanto o inverso não é verdadeiro: a noite tem uma existência simbólica autônoma. O Regime Diurno da imagem define-se, portanto, de uma maneira geral, como o regime da antítese. Este maniqueísmo das imagens diurnas não escapou aos que abordaram o estudo aprofundado dos poetas da luz. [...] aos esquemas, arquétipos, símbolos, valorizados negativamente e às faces imaginárias do tempo poder-se-ia opor, ponto por ponto, o simbolismo simétrico da fuga diante do tempo ou da vitória sobre o destino e a morte. [...] A ascensão é, assim, a “viagem em si”, a “viagem imaginária mais real de todas” com que sonha a nostalgia inata da verticalidade pura, do desejo de evasão para o lugar hiper ou supraceleste, e não é por acaso que Desoille pôs na base de sua terapêutica dos estados depressivos a meditação imaginária dos símbolos ascensionais. [...] O complexo do regresso à mãe vem inverter e sobredeterminar a valorização da própria morte e do sepulcro. Poder-se-ia consagrar uma vasta obra aos ritos de enterramento e às fantasias do repouso e da intimidade que os estruturam. Mesmo as populações que utilizam, também, a incineração praticam o enterramento ritual das crianças. [...] Numerosas sociedades assimilam o reino dos mortos àquele donde vêm as crianças [...]. A vida não é mais que a separação das entranhas da terra, a morte reduz-se a um retorno à casa [...]. A cadeia isomórfica que vai da revalorização da noite à da morte e do seu império é, assim, contínua. [...] O espaço sagrado possui esse notável poder de ser multiplicado indefinidamente. A história das religiões insiste com razão nesta facilidade de multiplicação dos “centros” e na ubiquidade absoluta do sagrado: “A noção de espaço sagrado implica a ideia de repetição primordial, que consagrou esse espaço transfigurando-o.” O homem afirma seu poder de eterno recomeço, o espaço sagrado torna-se protótipo do tempo sagrado. [...]. Trechos extraídos da obra As estruturas antropológicas do imaginário (Martins Fontes, 1997), do filósofo, antropólogo, pesquisador e professor francês Gilbert Durand (1921-2012).

 

O ARCO & A LIRA – [...] As imagens do poeta têm sentido em diversos níveis. Em primeiro lugar, possuem autenticidade: o poeta as viu ou ouviu, são a expressão genuína de sua visão e experiência de mundo. Trata-se, pois, de uma verdade de ordem psicológica, que evidentemente nada tem a ver com o problema que nos preocupa. Em segundo lugar, essas imagens constituem uma realidade objetiva, válida por si mesma: são obras. [...]. Trecho extraído da obra O arco e a lira (Nova Fronteira, 1982), do escritor e diplomata mexicano, Octavio Paz (1914-1998). Veja mais aqui.

 

METAFÍSICA - Vai tempo onda marinha afogando teus mortos / rola na orla esteira búzios e medusas / põe no ouvido ávido dos vivos / a breve canção do invisível mar / canção de um longe que ressoa / vai tempo fantástica maré / anêmona vibrante / colhe em teu cerco o sorriso do homem e o pólen dos séculos / Voa pássaro marinho semente viva entre rochedos foge para as ilhas à beira das águas taciturnas / Tempo / mar e marinheiro / barco e viagem / arrasta teus cansados velames e o vento que os impele / vai velho marujo / rumo aos horizontes incompletos. Poema da poeta e tradutora Dora Ferreira da Silva (1919-2006). Veja mais aqui.

 

 O PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE - O aspecto afetivo tem uma profunda influência sobre o desenvolvimento intelectual. Por isso entende-se que ele pode acelerar ou diminuir o ritmo de desenvolvimento, podendo, ainda, determinar sobre que conteúdos a atividade intelectual se concentrará. Na teoria de Piaget (1978), o desenvolvimento intelectual é considerado como tendo dois componentes: um cognitivo e outro afetivo. Paralelo ao desenvolvimento cognitivo está o desenvolvimento afetivo. Isto quer dizer que afeto inclui sentimentos, interesses , desejos, tendências, valores e emoções em geral. Piaget aponta que há aspectos do afeto que se desenvolve e que apresenta várias dimensões, incluindo os sentimentos subjetivos, tais como o amor, raiva, depressão, e aspectos expressivos, como sorrisos, gritos, lágrimas. Na sua visão, o afeto se desenvolve no mesmo sentido que a cognição ou inteligência, e é responsável pela ativação da atividade intelectual (Piaget, 1978). Daí, passa-se a entender que o afeto é o princípio norteador da auto-estima e que após desenvolvido o vínculo afetivo, a aprendizagem, a motivação e a disciplina como meio para conseguir o auto-controle e seu bem estar são conquistas significativas.  E que por  meio dessa interação deve-se buscar a promoção de atividades que visem o aprofundamento das questões de afetividade e de sexualidade, tendo como meta um sadio equilíbrio afetivo-sexual das pessoas, particularmente dos jovens (Costa, 1989; Jacobina & Kühner, 1998). Não obstante, ainda é pertinente mencionar que a família, tendo desaparecido suas funções tradicionais, no mundo do ter liberal burguês, reencontrou-se no fundamento da afetividade, na comunhão de afeto, pouco importando o modelo que adote, inclusive o que se constitui entre um pai ou mãe e seus filhos. A comunhão de afeto é incompatível com o modelo único, matrimonializado, que a experiência constitucional brasileira consagrou, de 1824 até 1988 (Barker & Lawenstein 1997). Assim, a afetividade cuidada pelos cientistas sociais, pelos educadores, pelos psicólogos, como objeto de suas ciências e nas cogitações dos juristas, buscam explicar as relações familiares contemporâneas. Mais apropriadamente entende-se que o princípio da efetividade além de tudo já explicitado, tem fundamento constitucional, deixando de ser apenas petição de princípio, nem fato exclusivamente sociológico ou psicológico. Isto porque passa-se então a valorizar-se a dignidade humana que é aquilo essencialmente comum a todas as pessoas, impondo-se um dever de respeito e intocabilidade. Desta forma, o afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência e não do sangue. E tudo que define a personalidade, o caráter e outros traços humanos, são determinados, segundo a maioria das posições psicológicas, na infância, mais precisamente entre o nascimento até 6-7 anos de idade (Mussen, 1972). Veja mais aquiaqui, aqui e aqui.

REFERÊNCIAS
BARKER, Gary & LOWENSTEIN, Irene. Onde estão os garotos: promovendo maior envolvimento masculino na educação sexual: conclusões de uma pesquisa qualitativa no Rio de Janeiro . Rio de Janeiro: CEDUS, 1997.
COSTA, Jurandir Freire. Homens e Mulheres. In: Ordem médica e norma familiar. Rio de Janeiro: Graal, 1989.
_____. O referente da identidade homossexual. In: Sexualidades Brasileiras. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1996.
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I- a  vontade  de  saber. Rio de Janeiro: Graal,  1988.
_____ História da Sexualidade II- o uso  dos  prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 1984.
_____ História da Sexualidade III- cuidado de si. Rio de Janeiro: Graal, 1985.
FREUD, Sigmund. O mal-estar da civilização. São Paulo: Abril Cultural, 1978
FROMM, Eric. Análise do homem. Rio de Janeiro: Zahar, 1978
JACOBINA, Eloá & KÜHNER, Maria Helena. Feminino & masculino: no imaginário de diferentes épocas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998
JUNG, C. G. Psicologia do inconsciente. Petrtópolis: Vozes, 1980
MUSSEN, Paul. O desenvolvimento psicológico da criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1972
PIAGET, Jean. A epistemologia genética. São Paulo: Abril Cultural, 1978
PICAZIO, Claudio. Diferentes Desejos: Adolescentes homo, bi e heterossexuais. São Paulo: Summus/GLS, 1998.
REIS.M.AG.S. A Sexualidade, o Ensino de Ciências e Saúde na Escola Pública: pela busca do exercício da cidadania. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: UFF, 1992.
RIBEIRO, M. (org.). Educação Sexual: Novas Idéias, Novas Conquistas. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993.
WATTS, Allan. O homem, a mulher e a natureza. Rio de Janeiro: Record, 1991
 





PALAVRA MÍNIMA: FATIMA MAIA & LUIZ ALBERTO MACHADO – O projeto Palavra Mínima, uma parceiria da Cooperativa da Música de Alagoas (Comusa) e Instituto Zumbi dos Palmares (IZP), apresenta nesta sexta, dia 07 de outubro, a partir das 20hs, a música de Fátima Maia e a poesia de Luiz Alberto Machado.




SERVIÇO:
Palavra Mínima: Fátima Maia e Luiz Alberto Machado
Dia 07 de outubro, às 20 hs.
Local: Espaço Cultural Linda Mascarenhas, em Maceió.
Ingressos: R$ 20,00 - Confira detalhes no blog do Linda Mascarenhas e clicando aqui: Agenda.




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PATRICIA CHURCHLAND, VÉRONIQUE OVALDÉ, WIDAD BENMOUSSA & PERIFERIAS INDÍGENAS DE GIVA SILVA

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