A arte da pintora, desenhista e gravadora cubana Zaida
del Rio.
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UMA CRÔNICA DE AMOR PARA MARY – Homenagem à atriz estadunidense Mary Astor (1906-1987).
– Ela estava alcoolizada tentando o suicídio quando a encontrei. Assustada com
minha presença, depois de um longo tempo com a cabeça escondida entre as
pernas, voltou-se, encarou-me seriamente e me perguntou quem eu era. Disse-lhe
pouco de mim, ela interrogativa, queria mesmo saber de coisas e fatos a meu
respeito. Nada a declarar. Ela então furiosa perguntou qual a razão de ali
estar atrapalhando seu propósito, fiquei sem saber o que dizer, ela pegou-me o
braço, apertando-o, aproximou seus lábios à minha face e sussurrou ao meu
ouvido que eu procurasse o meu lugar e não a importunasse. Não tive dúvidas e
ao me levantar, forçou-me a sentar-se ao seu lado, passou a perna nua sobre a
minha e começou a falar descontroladamente e uma lágrima rolou em sua face ao
mencionar que lutava pela custódia da filha, mas o seu diário íntima havia
deposto contra ela, num escândalo sem precedentes. Deitou a cabeça ao meu ombro
e enfiou uma das mãos por dentro da minha camisa e alisou-me o tórax,
desabotoou-a, até roçar os dedos sobre o meu sexo enquanto dizia ser filha de
imigrante alemão e que sua vida era uma lástima. Atirou-se sobre mim,
deslizando entre as minhas pernas a desvestir-se de joelhos escondendo-me por trás
das cordas que cortinava o ambiente, como se quisesse me esconder dela mesma e
de tudo o mais. Aí se levantou nua escondida num chapelão e a dizer coisa com
coisa, quando não era a heroína de histórias contadas, era a vilã furiosa de
situações as mais horripilantes. E se fez doce porque me queria o sentimental
Tommy, porque era uma Mulher de Verdade e que era Fácil de amar no Fogo do
Outono. Beijou-me a boca ardentemente e me levou para seu esconderijo. Lá se tornou
mais sedutora a me chamar de o belo Brummel, nua se esfregando em mim como se
eu fosse o seu Don Juan. E mais me queria até virar um Furacão e fez-se
prisioneira de Zenda à Meia-Noite, uma Filha da Pecadora em Festa Brava e que
eu, num Ato de Violência a molestasse, a seviciasse, a estuprasse Com a Maldade
da Alma, só assim poderia purgá-la purificando-a para se tornar a mim
Comprometida em fuga na Nau do Pecado para a Terra das Paixões. E se desnudou a
alma e completamente arrebatada com os látegos da minha língua na sua carne, insopitável
com as estocadas do meu sexo no seu, e mais queria e mais desejava que eu fosse
um dos dois cavaleiros árabes, ao me dizer que ela, como mulher, também amava
os brutos e me queria implacável Homem de Ferro a usurpar-lhe os limites e me
mostrava o Chicote com suas Manias de gente rica, enquanto eu a beijava para
aplacar sua loucura porque eu era o seu Homem de chance na Cidade da Convenção.
E se entregou e gozou a noite alta até se esvair gemendo e completamente
saciada. Aliviada rastejou deitada na cama a me puxar para mais perto dela com seus
mimos desmedidos, até levantar-se morta de fome para a cozinha e voltar
esfuziantemente para apontar no mapa aonde iríamos passar o paraíso dos
prazeres e me mostrou os volumes da sua autobiografia e ora me dava My Story para ler, ora tomava e me dava
o Life on Film, enquanto me
acariciava generosamente tigresa com o Cuidado de Mãe. Depois sentou-se no
batente ouvindo atenta o que eu falava e se cobrindo voltava-se prestando atenção
a todos os meus passos. Aí me chamava e saía às carreiras e completamente nua
para mergulhar no mar. Retornou horas depois com ideias para rascunhar novelas
e dizia que jamais iria para um asilo: tudo é uma Grande Mentira! E que a
Humanidade Marcha lerda e trôpega para o seu fim. Ela só queria ser a Divina
Glória e que era vítima das Garras Amarelas dos Quatro Destinos da Relíquia
Macabra – o falcão maltês. E repetia incansavelmente: Agora seremos felizes. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja
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A arte da pintora, desenhista e gravadora cubana Zaida
del Rio.
DITOS & DESDITOS – Você vive apenas uma vez e
nossos pais erraram ao nos educar nas tradições da escassez. Muitos me dizem
que cumpriram seu dever, e estou muito satisfeito por não ter cumprido nem
mesmo a menor parte dele, para o infortúnio ou fortuna deste país. Em que
medida é uma pessoa abandonada responsável pelos seus atos, sem recursos ou
capacidade específica, enlouquecida pelos maus tratos, pela indiferença e pela
impossibilidade de se alimentar? Licenciosidade é a liberdade repreendida pela
moralidade tradicional. O passado é confiado com julgamento moral sobre o
presente. Se ninguém te garante amanhã, o hoje se torna imenso. Tudo muda, tudo
se transforma: tudo permanece o mesmo. Pensamento do escritor mexicano Carlos Monsiváis (1938-2010).
ALGUÉM FALOU: O problema não é a esquerda ou a direita;
hoje em dia não há porque ter medo da pluralidade de ideias, de partidos, de
gente com intenção de mudar as coisas. O terrível, o que realmente dá medo, é o
extremismo circundante, de um lado ou do outro. O extremismo é fascismo ou
comunismo. Ambos têm mais ou menos o mesmo número de vítimas, uma quantidade
horripilante. Pensamento da escritora cubana Zoé Valdés, autora
de obras como La cazadora de astros (Plaza & Janés, 2007), Bailar
con la vida (Planeta, 2006), La eternidad del instante (Plaza &
Janés, 2004), entre outras.
A DOR DA TORTURA - [...] Fui conduzida para uma casa […] em Petrópolis. […] O Dr. Roberto, um dos mais brutais torturadores, arrastou-me pelo chão,
segurando-me pelos cabelos. Depois, tentou me estrangular e só me largou quando
perdi os sentidos. Esbofetearam-me e deram-me pancadas na cabeça. Colocavam-me
completamente nua, de madrugada, no cimento molhado, quando a temperatura
estava baixíssima. Petrópolis é intensamente fria na época que estive lá […]
Fui várias vezes espancada e levava
choques elétricos na cabeça, nos pés, nas mãos e nos seios. A certa altura, o
dr. Roberto me disse que eles não queriam mais informação alguma; estavam
praticando o mais puro sadismo, pois eu já havia sido condenada à morte e ele,
dr. Roberto, decidira que ela seria a mais lenta e cruel possível, tal o ódio que
sentia pelo ‘terrorista’. [...] Alguns
dias depois, [...] apareceu o dr.
Teixeira, oferecendo-me uma saída ‘humana’: o suicídio. [...] Aceitei e pedi um revolver, pois já não
suportava mais. Entretanto, o dr. Teixeira queria que o meu suicídio fosse
público. Propôs-me então que eu me atirasse embaixo de um ônibus, como eu já
fizera. [...] No momento em que
deveria atirar-me sob as rodas de um ônibus, agachei-me e segurei as pernas de
um deles, chorando e gritando. [...]. Por
não ter me matado, fui violentamente castigada: uma semana de chores elétricos,
banhos gelados de madrugada, ‘telefones’, palmatórias. Espancaram-me no rosto
até eu ficar desfigurada. [...]. O ‘Márcio’
invadia minha cela para ‘examinar’ meu ânus e verificar se o ‘Camarão’ havia
praticado sodomia comigo. Esse mesmo ‘Márcio’ obrigou-me a segurar seu pênis,
enquanto se contorcia obscenamente. Durante esse período fui estuprada duas
vezes pelo ‘Camarão’ e era obrigada a limpar a cozinha completamente nua,
ouvindo gracejos e obscenidades, os mais grosseiros [...]. Depoimento da
bancária Inês Etienne Romeu (1942-2015),
quando foi presa em São Paulo, em 5 de maio de 1971, única sobrevivente do caso
da Casa da Morte, em Petrópolis, local onde foram torturados e executados
clandestinamente presos políticos durante a ditadura militar, publicado no O
Pasquim, 607, de janeiro de 1981. Veja mais Filhas da Dor aqui, aqui e aqui.
NEVE CAINDO EM CEDROS – Nenhuma dessas outras
coisas faz diferença. O amor é a coisa mais forte do mundo, você sabe. Nada
pode tocá-lo. Nada chega perto. Se nos amarmos, estaremos protegidos de tudo. O
amor é a maior coisa que existe. [...] Eu
sei que você vai achar que isso é loucura, mas tudo que eu quero fazer é te abraçar,
e eu acho que se você me deixar fazer isso apenas por alguns segundos, eu posso
ir embora e nunca mais falar com você de novo. [...] Existem coisas neste universo que não podemos controlar e, em seguida,
existem coisas que podemos…. Que o destino, a coincidência e o acidente
conspirem; os seres humanos devem agir com base na razão. [...] O estranho era que ele queria gostar de
todos. Ele simplesmente não conseguia encontrar uma maneira de fazer isso. [...].
Trechos extraídos da obra Neve caindo em
cedros (Bloomsbury/Large Print, 1996), do escritor,
jornalista e ensaísta estadunidense David Guterson.
DOIS POEMAS – O
MAL OBSCURO – Deixo apenas a ti a porta aberta / Os outros busquem o mundo, à
descoberta / - ou no Palmar ou no Ascoli Pileno - / de um lugar ao sol ou ao
sereno. / Mas tu a fechas sempre, deprimida / e golpeada por um mal obscuro, /
que te anula, implacável. E estranha à vida / passa o tempo a reforçar um muro
/ de desespero, de suspeita e espanto / que em tua alma encontram acolhida.
Move essa pedra que te oprime tanto. / Chora, se crês aliviar teu pranto, /
porque malgrado todo o desencanto / mais a desprezas, mais te ama a vida. CANIBAIS – Nos anos de nossa juventude /
amar era enfrentar uma batalha / feita de beliscões e de mordidas. / Dos
encontros guardávamos feridas / em nossos colos e em nossos braços, / e as
exibíamos em casa e nas ruas / como prova de nosso devorar-se. / Nossos corpos
exaustos agora travam / tantas outras batalhas, que a vida / nos reserva sem dó
a cada instante, / sem a suavidade de outrora, / com pérfidos ardis e baixos
golpes. / O mau-trato tornou-nos mais ferozes / deu-nos dentes e garras de leão
/ e cada um por si tenta repor / de tudo aquilo o pouco que restou / do nosso
cotidiano espedaçar-se. Poemas do poeta e crítico italiano Emilio Coco.