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NUM É QUE A VERA TODA-TUDA VIROU A BRUXA DAS PANCS NA BOCA DO POVO (Imagem: arte do escritor de quadrinhos
e ilustrador italiano Paolo Serpieri)-
eita, minha gente! Num é que é o maior teitei de conversada, boataria e fofocagem
sobre como é que é que a Vera faz pra manter aquele corpão com tudo em cima,
mesmo tendo já passado dos trinta. Balzaquiana, aquela? Nunca, nunquinha. Ela
já está na casa dos quarenta, uma loba enxutíssima. Que nada, ela é mais velha
que a Serra da Prata, já passou dos cinquenta e muito! É uma velha bem
gostosona, né, não?! Oxe, não há marmanjo da língua solta, nem linguaruda
fofoqueira profissional que não faça uma roda e bote o nome da Vera no meio.
Inda ontem mesmo eu soube que numa dessa sexta feira treze passada, ela estava
meia noite em ponto, nuínha da silva numa encruzilhada, fazendo a Oração da
Cabra Preta para um pacto com o cabrunco, de ficar eternamente jovem e
rebucolosa para todo o sempre amém. Nossa! Será o Feliciano? Isso é um vitupério!
Que coisa! Ah, você não sabe da maior! Neguinho bebeu no ouvido de outro que
ela fazia parte duma sociedade esotérica dum povo que vive no centro da Terra.
Como é, rapaz? Num diga, mulher! E que ela, às escondidas, fez uma viagem lá
pro toitiço do mundo e encontrou a Pedra Filosofal que lhe deu o Elixir da
Vida, a eterna juventude. Santa Filomena da Judiação de Jesus! Isso é coisa que
se faça? Benzodeus! Que nada! Ela se associou foi com uma catimbozeira afamada
de Cachoeira de São Félix, uma linha de azeite que bate bombo meio dia em ponto
de descer o coisa ruim pra ficar formosa pro resto da vida! Valha-me, meu
santo! Vai que o DuCunha sabe dum negócio desse! A coisa empreta do dia pra
noite de num se ver futuro de salvação alguma! Sangue de Cristo tem poder! Nada
disso, a Vera é uma bruxa mesmo! Tome nota! Digo e assevero, é uma daquelas que
tem um caldeirão do tamanho do mundo no meio da casa! É mesmo? Num conta! E que
toda noite, antes de dormir, pra não ficar uma velha feiosa como as feiticeiras
todas, faz um ritual com meio mundo de coisa, pro feitiço deixá-la sempre
jeitosona como é. Ave, Maria! Isso não é coisa certa não! Virgem santa! Isso
desde do dia que ela descobriu umas Pancs. Oxente! E ela é achegada a essas
músicas estrambólica de doido sujo e fedorento, é? Ela parece tão limpinha,
toda perfumada! Não é punk, não, sua besta! Tô falando é de Pancs – Plantas
Alimentícias Não Convencionais. Que droga é nove? Pronto! Que bicho é esse,
hem? Ah, mô fio, ela tem lá um livrão que é um guia escrito por uns gringos de
não sei de onde que gota que é, que tem umas plantas, flores, folhas, frutos,
cascos, raízes, resinas, ervas, hortaliças, arbustos, uma tranqueira só que
mais parece a boba torreiro de tanto mato, que ela descobriu duma raizeira que só
vive pelos quintais, brejos, pastos e matas virgens! Virge, será a caipora? Vai
ver tem coisa com o saci-pererê e essas coisas de abusão, né não? E a dona lá
dos pau e pé de coisas se diz amiga duma tal de Mona Caron que traz umas
porqueiras lá do túmulo dum tal de Tutancamon no Egito antigo, e que ela chama
de Herbalismo. Danou-se! Que peste é isso, hem? Sei lá! Só seio que dizem que
tem perfume, sabor e propriedades medicinais com poderes curativos tirados dos
odores celestes em aromas para agradar e apaziguar os deuses. Pronto, agora deu
a Besta Fubana! Isso é o fim do mundo, minha véia! Num estranhe não que é tudo
na base das essências, extratos, emplastros, óleos, tinturas, unguentos,
infusões, cocções, geleia, bálsamos, maceração, linimentos, óleos, vinagres,
xaropes, sinapismos, eita! E que previvem males e curam até o mal da cega-Dedé!
Virgem em cruz! Cruz-credo! Ela tem mesmo partes com o malquisto, é? Se tem?
Deus tape lá suas ouças! Se avie, mulher, prela virar a tiazona, solteirona e
toda tuda de boazona, queria que fosse o que? Milagre é que não é, né? Fé em
Deus! Se uma coisa num tiver partes com as coisas lá do mandão do inferno, eu
cegue! É mesmo, se num for num sei nem o que é que diga, ora! Deus, meu pai!
Isso é o apocalipse do sétimo livro! Pois é, ela só vive pra cima e pra baixo
com manjericão, hortelã-pimenta, erva-doce, ruibarbo, taioba, urtiga,
espinheiro, Ora-pro-nóbis, bertalha, serralha, beldroega, hibisco,
dente-de-leão, jacatupé, esses brebotes todos que não se sabe que serventia é
que tem! Só pode ser catimbó dos pesados! Oxe, xangô dos brabos! E ela vive só
de banhos, chás, garrafadas, infusões, sucos, gargarejos, queimando insenso e
falando lá umas coisas na língua dos do outro mundo! Quem já se viu uma coisa
dessa? Não tem outra: é coisa de bruxaria daquelas de atacar o povo de noite
quando estiver dormindo, né não? Ah, se é! Só pode ser! Minha avó que falava
que toda doença tem remédio nas raízes de pau, casco de árvore, essas coisas.
Quem acredita nisso! Isso é coisa de despacho! Os índios que usam disso! Tá
doido!?! Uma vez eu vi mesmo minha avo curar gente de coisas das piores doenças
benzendo com pé-de-planta. Destá. E ainda acredita nisso? Eu vi com meus
próprios olhos, ora! Conversa pra boi dormir! Meu avô também batia o pé que
esses remédios de médico não curam, só viciam. Pronto, agora deu! É, esses
medicamentos, segundo ele, quando resolve uma coisa, empiora noutra. Agora é
que é, mesmo! Nem Jesus salva! É isso mesmo, ele dizia que esses cachetes só
fazem enganar os bestas que vão pro hospital e só ficam felizes se sair de lá
com uma receita pra farmácia. Ah, minha filha, se eu for num médico e ele não
me passar remédio, sei logo que não presta. Médico bom é aquele que passa uma
tuia de pomada, injeção e comprimido, só assim que se cura. Nada, onde já se
viu? Ouvi de uma tia velha que remédio de mesmo só no laboratório da Natureza,
in vitro, como dizem, sei lá, laboratório químico e alquímico da Mãe Natura.
Isso é conversa de enrolão que vive de engalobar os abestalhados! Mas me diga
cá uma coisa, que a Vera tem coisa por debaixo dos panos do brabo pra se manter
toda frochosa o tempo todo, ah, isso tem. Só sendo bruxa das perigosas pra se
manter toda tuda em riba de todo mundo. Ah, se num tem! Destá. E vamos aprumar
a conversa & tataritaritatá. ©
Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui e aqui.
Imagem: a arte da artista plástica Sara Vieira.
Curtindo o livro com dois cds Guiomar Novaes do Brasil (Kapa, 2011), dos jornalistas Luciana
Medeiros e João Luiz Sampaio, contando a trajetória da pianista brasileira em
New York.
PESQUISA
Marxismo,
ideologia e literatura (Zahar, 1983), do escritor britânico e
professor de Sociologia da Universidade de Bradford, Inglaterra, Cliff Slaughter. Veja mais aqui.
LEITURA
Os
Bruzundangas (Jacinto Ribeiro/Brasiliense,
1922), do escritor Lima
Barreto (1881-1922). Veja mais aqui e aqui.
PENSAMENTO DO DIA:
[...] Quem quer que tenha saído vitorioso tem
participado, até hoje, do desfile triunfal em que os atuais governantes pisam
sobre os que jazem prostrados. De acordo com a prática tradicional, os despojos
são carregados no desfile. São chamados de tesouros culturais, e o materialista
histórico os vê com uma distância cautelosa. Pois, sem exceção, os tesouros
culturais têm uma origem que ele não pode ver sem horror. Devem sua existência
não só aos esforços dos grandes espíritos e talentos que os criaram, mas também
ao trabalho anônimo de seus contemporâneos. Não há documento da civilização que
não seja ao mesmo tempo um documento de barbárie. E tal como esse documento não
está livre de barbárie, a barbárie mancha igualmente a maneira pela qual foi
transmitido de um dono e outro. O materialista histórico dissocia-se, portanto,
dele, na medida do possível. Ele acha que sua tarefa é examinar a história
contrariando as inclinaçõeos predominantes.
Extraído da VII Tese, da obra Illuminations: Essays and Reflection (Jonathan
Cape, 1970), do filosofo alemão Walter Benjamin (1892-1940). Veja
mais aqui, aqui e aqui.
Veja mais Pais, Filhos & Família, Friedrich
Schiller, Lima Barreto, Raimundo Correia, Murilo Mendes, Nelson Pereira dos Santos, Stevie
Wonder, Ana Maria Magalhães, Martha
Graham, Georges Braque & Denis de Rougemont aqui.
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
Nude
in Orange, do pintor
espanhol Pedro Sanz.
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Recital
Musical Tataritaritatá