Ao som dos álbuns Tchautchiüãne (2017), Wiyaegü (2019) e Torü Wiyaegü (2022),
da premiada cantora, jornalista e compositora Djuena Tikuna (Denizia Araújo Peres),
uma das maiores referências em música indígena.
ÓRFÃO DA TERRA, LÍNGUA
& CORAÇÃO... – Antes de ontem de muitos anos atrás, a minha
gente era festa secular. Era um tempo em que tudo e todas as coisas estavam
aqui e éramos um só: o solo, as araras, o capinzal, o piado dos filhotes
quebrando a casca... E convivíamos com os espíritos do fogo, da água, do ar e
da terra, conjugávamos afetos: todo ser é uma canção de amor. Quando o tempo da
desventura escureceu, nada de nós quase restava: raios encurralaram e os que
chegaram de longe, do outro lado do mundo, arrancaram nossas raízes aterradas
pelo canavial. A cobiça de numerosos e insistentes invasores me levou estrada
afora a sonhar meu povo que me ensinava amar a tudo e todas as coisas, escutando
Barbara Payton: O amor é uma memória. O tempo não pode matar
a melodia querida, alegre e absurda, e a música inédita... No meu êxodo foram
sóis causticantes, luas geladas, percurso extenuante para saber quando e o quê:
aprendi as labaredas dos infernos, os faróis de todos os possíveis purgatórios,
corujas e morcegos traziam sargaços de mares abissais e as neblinas sem data e
mapa. Tudo doía ao crepúsculo: quantas luas, tantos outros sóis. Ganhava a
noite, perdia o dia. Doía mais as palavras de Jenny Erpenbeck: Deixar as pessoas se
afogarem no Mediterrâneo não está longe de Auschwitz.. Fui
ao céu três vezes: da primeira vez era novidade, mas a saudade foi tanta que
mal cheguei e já estava de volta. A segunda foi por curiosidade: queria ver
como era de mesmo e me detive tanto em cada coisa que logo perdeu a graça. A
terceira foi quase um convite redentor para apaziguar a alma e, por pouco, não fiquei
de vez. É que na horagá olhei para baixo, dei aquela espiada plangente e tentei
me despedir. Engoli seco o nó da garganta e constatei: Nunca me vi imortal
porque nunca tive onde cair morto e, acima de tudo, tinha ainda muito por fazer
– Ah, ficou o descanso para depois, escapuli e voltei, pronto para recomeçar
todos os dias e o dia todo. Ouvia Joan Collins: Mostre-me uma pessoa que nunca cometeu erros e eu lhe
mostrarei alguém que nunca conseguiu muito... Cada um tem seu aprendizado e ainda faltava muito:
não há escapatória para um ninguém. A esperança quase não resiste às causas
perdidas pelas noites longas: partiram pedras, demoliram montes, desmoronaram
barrancos, eram os estrépitos fora do prumo de uma eterna guerra. A mim só
restava o mirante: a noite no coco de tucumã, o dia no voo do cajubi. Mas, a vida
tem sempre o gostinho de que valerá a pena. E no derradeiro retorno, apenas
desprezo e lástimas: os esquecidos tempos idos e os que se perderam nos que
anseiam sempre por uma festa no céu e que os levem à glória. O pior: nenhum
amigo. Voltei na escuridão da beira do rio: serviu para contar hestórias. E
aqueles estranhos olhares, até hostis, era familiar: falasse o que dissesse,
fizesse o que desagradasse, tratasse com indiferença ou do que dispusesse. - Aqueles
estranhos me dava duas opções: ou me escravizava ou zarpava de vez. Nem uma,
nem outra. Não esperei a gentileza poque aprendi a ouvir a língua e o coração
de si e do outro: é no presente que tudo se realiza e escolhi a canção da vida.
O que sou de todas as coisas: se pedra era o ouro do coração das
pessoas, a lição caeté. Até mais ver.
BANCOS DE AREIA
Imagem: Acervo ArtLAM.
Não aponte o telescópio apenas \ para a
aglomeração do céu noturno \ para descobrir mais um planeta. \ Vire-o também
para a terra, \ para o fundo do mar, \ veja os peixes entre as pedras, \ um
brilho de flechas prateadas, \ um brilho de fogo nas profundezas, \ a força
contundente das fibras, \ a água queima \ quando os peixes avançam \ e param
submersos nos jardins de algas, \ olha também para o fundo do mar, \ cardumes
de peixes irradiam a escuridão ali, \ encontram descanso nas ondas.
Poema da premiada escritora
dinamarquesa Pia Tafdrup. Veja mais aqui.
COMO DEIXAR DE
ESCREVER - [...] Escreva, sim. Escreva e escreva e escreva. Literatura
de merda. Que chato, que prisão de ventre, na verdade. Quão
pouco sangue, os escritores. Não confie em ninguém
que tenha a mesma cara de bêbado de Renfo sóbrio. Se
você sair do luto, você sairá de qualquer coisa, foi o que eu disse a ele. De
qualquer coisa. [...]
e isso é beleza, o que você pensa de novo [...] Não é ruim ser
subestimado. Você acaba sabendo muito sobre os outros. Eles
te contam o que não contam a ninguém [...] Que elegância, tristeza, com todos os botões nas mangas tão bem
abotoados. [...]. Trechos extraídos da obra Cómo dejar de escribir (Anagrama,
2017), da escritora espanhola Esther García Llovet, que na obra Gordo
de feria (Anagrama, 2020), expressa: [...]
Todo mundo fala o tempo todo até que você
pergunte algo específico. “Então eles não sabem mais o que dizer.” [...].
O
PRINCÍPIO DE POTOSÍ: OUTRA VISÃO DA TOTALIDADE - [...]
As comunidades transnacionais de migrantes
aimarás transitam, então, dentro de um thaki pós-colonial, constituído por
fluxos e refluxos cíclicos. Em seus deslocamentos
articulam modismos de moda com tradições recuperadas; inventam
genealogias e reinterpretam mitos, manchando os tecidos de uma indústria global
com os seus pumas e os seus sóis, transformando os seus camiões de grande
tonelagem em altares para santos e demónios. O
cenário da diáspora trabalhista aimará contém então algo mais do que opressão e
sofrimento: é um espaço para a reconstituição da subjetividade e da agência,
como é certamente o caso de todos os cenários de dominação – incluindo os mais
brutais – se ousarmos olhar além da figura da vítima sacrificial. A
acção inversa dos takis-thakis contemporâneos altera o ritmo da máquina
capitalista neocolonial, cria espaços intermediários e reapropria-se dos
métodos e práticas do mercado global, ao mesmo tempo que afirma os seus
circuitos autóctones, o seu repertório de conhecimentos especiais e as
vantagens e os artifícios que permitem a essas comunidades e empreendimentos
enfrentar com autoconfiança esse cenário desigual e suas diversas formas de
violência. [...]. Trecho
extraídos da obra The
Potosí Principle: Another View of Totality (Universidad Mayor de San Andrés de La Paz - The Hemispheric Institute,
2023), da socióloga, professora, cineasta e ativista boliviana Silvia Rivera Cusicanqui,
autora de obras como: Oprimidos, mas não derrotados. As
lutas do campesinato aimará e quichwa da Bolívia, 1900-1980 (La Paz, 1984) e As fronteiras da coca (La Paz,
2003), integrante do Colectivo Ch’ixi e reflete em seus estudos que: Devemos sonhar, mas com a condição de acreditar firmemente nos seus
sonhos, de comparar dia a dia a realidade com as ideias que a temos, de
meticulosamente alcançar nossa fantasia. Descobrimos o provincianismo europeu.
Por exemplo, os britânicos não leem os franceses. Obviamente, isso não se vê
daqui, porque lhes atribuímos uma universalidade. Mas somos menos provincianos
neste continente: lemos tudo o que nos chega, e sob o princípio da seletividade
de que tudo é útil de acordo com as emergências sociais. Assim, temos a sorte
de saltar vários modismos, porque chegaram tarde ou porque parecem vir de outro
mundo, e de nos treinarmos numa liberdade combinacional. Na defesa da tese da lógica da rebelião, ela esclarece que: Foi da
adoção da apropriação reformista por parte da geração 'pluri-multi' de
intelectuais, que convenceu-me das capacidades retóricas das elites e da sua
enorme flexibilidade para superar a culpa colectiva e transformá-la numa matriz
de dominação que renova assim a sua dimensão colonial. No que se refere à etnografia
do duplo vínculo, ela explica: Reinventei a praticidade deste conceito explorando seu poder
alegórico e epistemológico. Pragmaticamente, ch'ixi é a ovelha manchada, o sapo
manchado, a cobra manchada. É um descritor, uma palavra-chave; no entanto, a
sua dimensão mais abstrata e filosófica não foi desenvolvida e isto porque após
o assassinato dos amawt'as e yatiris na época colonial, a língua foi
empobrecida pelas traduções realizadas por padres como Ludovico Bertonio
(1557-1625) e Domingo de Santo Tomás (1499-1570), que expurgaram conceitos e
ideias aimarás que lhes eram incompreensíveis, retirando posteriormente o
potencial filosófico das línguas indígenas. Por fim, ela
defende que: Temos
que produzir pensamento a partir do cotidiano...
ITINERÁRIO, MAURO MOTA
Não ficaram na mudança
nem o pé de sabugueiro e o cheiro dos cajás, \ os passos da mão no corredor, a
noite, \ o medo do papa-figo, as sombras na parede. \ a casa inverte a missão
domiciliar, sai da rua. \ a casa agora mora no antigo habitante.
Poema Mudança,
extraído da obra Itinerário (José Olympio, 1983), do poeta, jornalista,
professor e memorialista Mauro Mota (1911-1984). Veja mais aqui, aqui,
aqui, aqui, aqui e aqui.
&
SINAIS GRÁFICOS
O livro Sinais
gráficos: ortografia da Língua Portuguesa (Ideia, 2022), da professora Edilene
Maria Oliveira de Almeida. Veja mais aqui e aqui.
UM OFERECIMENTO:
NNILUP CROCHETERIA
Veja mais aqui.
&
SANTOS MELO LICITAÇÕES
Veja detalhes aqui.
&
Tem mais:
Cineclube Literarte:
documentário A brasilidade de Ascenso Ferreira na Biblioteca Fenelon Barreto.
Livros Infantis Brincarte
do Nitolino aqui.
Curso: Arte supera
timidez aqui.
Poemagens & outras
versagens aqui.
Diário TTTTT aqui.
Cantarau
Tataritaritatá aqui.
Teatro Infantil: O
lobisomem Zonzo aqui.
Faça seu TCC sem
traumas – consultas e curso aqui.
VALUNA – Vale
do Rio Una aqui.
&
Crônica de
amor por ela aqui.