VAMOS APRUMAR A CONVERSA? DESNORTEIO – Duas grandes satisfações eu tive quando
compus a música Desnorteio. Vou contar: a primeira grande emoção que tive foi
que, com pouco tempo depois que deixei a música pronta, o meu amigo Wilson
Monteiro me premiou com a grata surpresa de incluí-la no seu disco Cantarolando e, por tabela, ganhar um
clipe primoroso feito pela arte da querida Meimei Corrêa. A música vingou, bão
demais! A segunda, é que certo dia eu viajava na condução do hoje advogado
Carlinhos Warumbi pela Alegro Trupe –
promovida pela BoiBumbarte, dos amigos Susie Cysneiros & Wilson Miranda -,
quando, a certa altura da viagem, eu contava das presepadas do meu amigo Marcos
Palmeira, numa das noites de êxtase à beira da Lagoa Manguaba, e eu implicava com ele: - Mas pra que tanta se
apenas uma basta? O condutor, na hora, disse-me: - Isso dá música! Nem havia
dado conta disso, mas a frase me pegou por dias e dias seguidos. Destá. Quando
montei os acordes, a harmonia e toda melodia, a frase povoava minha mente e me
remetia a uma canção que ouvi nos anos 1980, de um cantor camaronês que muito
me afeiçoara: Eboa Lotin
(1942-1997), que é autor de mais de quatrocentas canções e que, na sua história
de vida, conta-se que perdera seus pais aos três anos de idade e que, ainda muito
jovem, devido a uma injeção de quinino, passou a ter uma atrofia que paralisou
sua perna esquerda. Precocemente, aos oito anos de idade, ele se lançou na
música, abandonando a escola no ensino primário para poder sobreviver. Só aos
vinte anos de idade compusera sua primeira canção Mulema Mam (Meu coração). Entretanto, só se tornara famoso quando
compôs o sawa Mbemb’a Mot’a pelo qual
ganhou um prêmio que contava com a participação de Duke Ellington como jurado,
oportunizando a gravação dos seus grandes sucessos Matumba Matumba e Bésombe,
com os quais fora contemplado com o Prêmio Internacional Pan-Africano. Ele é
autor de uma célebre frase incluída em uma das suas canções que foi destacada no
discurso A natureza: santuário da
humanidade (O Rosacruz, 2015), proferido por Martin Ibock: “Ah, meu irmão,
por que ao invés de um copo d’água suficiente para tua sede, precisa de todo um
oceano”. Era essa a frase do cantor que dava cloro pra minhas ideais e remoía
tudo nas catracas do meu quengo. E quando li o discurso alguns dias atrás, me
deparei novamente com ela, justamente essa frase que meu deu o mote para construir
a letra de Desnorteio: Na minha vida eu levei muita pancada / Foi bordoada
de quase rachar no meio / No desenfreio alinhei todo viés / Escapei de
revestrés a ajeitar o desnorteio / No aperreio eu passei toda desdita / Fiz de
prêmio pra conquista o que ganhei no pisoteio / Mas pra que tanta se apenas uma
basta / Quanto mais a vida arrasta mais se aprende a lição / Eu vou menino e
piso bredo nas manobras / Vai que um dia a sorte sobra / Pra aprumar a direção.
/ Eu dei topada, levei tombo e ralei mais / No ademais muita asneira no passeio
/ E no recreio da maior das presepadas / Fui gaiato nas quebradas, fiz vergonha
sem ter freio / Pra cabeceio só queria era abafar / E a mulherada se achegar
pra viver no meu rodeio [...] Hoje aprendi que na vida tudo prova / Não tem
corcova que aguente a danação / Não dá mais não, ser roto do esfarrapado / Ou
sujo do malavado, ser jeitoso sabidão / Ser outro então com a paz de
responsável / Cultivando o sustentável modo de ser cidadão. É isso aí. E vamos
aprumar a conversa aqui, aqui e aqui.
Imagem: Nude Woman, do artista húngaro de Art nouveau Janos Vaszary (1867-1938).
Curtindo o álbum Pra ficar (2012), da Orquestra Contemporânea de Olinda.
AS MÁSCARAS DE DEUS – O livro As máscaras de Deus: mitologia primitiva (Palas Atenas, 1992), do
estudioso estadunidense de mitologia e religião comparada Joseph Campbell (1904-1987), trata sobre os contornos de uma nova
ciência, o abismo do passado e o dialogo da ciência e da ficção, abordando a
psicologia do mito, os agricultores e caçadores primitivos, a arqueologia do
mito, sofrimento e extase, a lição da máscara, o enigma da imagem hereditária,
as estampagens ou marcas da experiência, a esfera cultura das civilizações
avançadas, o domínio dos reis imolados, o ritual amor-morte, a função do mito,
limiares mitológicos do Paleolítico, Xamanismo, as cavernas paleolíticas, entre
outros assuntos. Na obra destaco o trecho: [...] O olho do artista, como disse Thomas Mann, tem um viés mítico sobre a
vida; por isso, precisamos abordar o mundo dos deuses e demônios – o carnaval
de suas máscaras e o curioso jogo do “como se”, no qual o festival do mito vivo
abole todas as leis do tempo, permitindo que os mortos voltem à vida e o “era
uma vez” se torne o próprio presente – com o olho do artista. Porque, de fato,
no mundo primitivo, onde temos que buscar a maioria dos indícios sobre a origem
da mitologia, os deuses e demônios não são concebidos à maneira das realidades
evidentes, rígidas e fixas. Um deus pode estar simultaneamente em dois ou mais
lugares – como uma melodia ou sob a forma de uma máscara tradicional. E onde
quer que ele surja, o impacto de sua presença é o mesmo: ele não é reduzido pela
multiplicação. Além disso, a máscara em um festival primitivo é venerada e
vivenciada como uma verdadeira aparição do ser mítico que ela representa –
apesar de todo mundo saber que foi um homem que fez a máscara e que é um homem
que a está usando. Mas, durante o tempo do ritual do qual a máscara faz parte,
aquele que a estiver usando é também identificado com o deus. Ele não apenas
representa o deus; ele é o deus. O fato literal de que a aparição seja
composta por A, uma máscara; B, sua referência a um ser mítico; e C, um homem,
é rejeitado pela mente e isso dá lugar a que a apresentação funcione
independente dos valores, tanto do observador quanto do ator. Em outras
palavras, houve uma mudança de perspectiva, da lógica da esfera secular normal,
onde as coisas são vistas como diferentes umas das outras, para a esfera
teatral ou representativa, onde as coisas são aceitas pelo que são enquanto
vivenciadas, e a lógica é a do “faz-de-conta”, do “como se”. [...] Veja
mais aqui.
ATRAVÉS DO ESPELHO – O livro Através do espelho (Companhia das Letras, 1998), do escritor e
professor de filosofia norueguês Jostein
Gaarden, conta a história de uma menina que vive intensamente e, ao
aprender, ela vai anotando tudo num caderninho, porque ela está morrendo e a
sua história é uma preparação para morte. Da obra destaco os trechos: [...] Este diário era um livrinho de apontamentos
com capa de tecido que um médico lhe oferecera no hospital. Os fios de seda, em
preto, verde e vermelho, brilhavam contra a luz. Ela não tinha disposição para
escrever no diário, nem tão-pouco havia muito que escrever, no entanto, tinha
decidido que, enquanto permanecesse de cama, havia de registrar os seus
pensamentos. E prometera que nunca eliminaria aquilo que anotara, cada palavra
ficaria registrada até ao Dia Final. Que estranho seria ler aquilo quando fosse
crescida. Na primeira folha, ela escrevera: NOTAS PESSOAIS DE CECILIE SKOTBU. E
voltou a deitar-se sem forças sobre a almofada, tentando escutar o que se
passava lá em baixo. De quando em vez, ouvia a mãe mexer nos talheres; a não
ser isso, a casa estava mergulhada em silêncio absoluto... Os outros chegariam
da igreja a qualquer momento. O Natal soaria a cada instante. Quando não ouviam
os sinos da igreja de Skotbu, eles subiam as escadas para os ouvir melhor. Mas
este ano Cecilie não conseguia ouvir os sons do Natal a subir pelas escadas.
Ela estava doente, não apenas ligeiramente doente, como acontecera em Outubro e
Novembro. Agora ela estava tão debilitada, que o Natal era como uma mão cheia de
areia que se lhe escapava por entre os dedos, enquanto dormia ou dormitava.
Mas, ao menos, escapou ao internamento no hospital, que estava decorado com
motivos de Natal desde o início de Dezembro. Ainda bem que já tinha vivido
outros Natais. Cecilie achava que o Natal era a única coisa que se mantinha
inalterável em Skotbu. Durante vários dias, as pessoas faziam o mesmo que
haviam feito, ano após ano, sem pensar por que o faziam. Costumavam dizer:
"É a tradição." E bastava.Nos últimos dias, ela tentara acompanhar o
que se passava no andar de baixo. Os ruídos provenientes da cozinha e da
montagem das decorações subiam até ao andar de cima, como pequenas bolhas de
som. Cecilie imaginou que o rés-do-chão era a Terra e que ela se encontrava no
Céu. [...] Nós enxergamos tudo num espelho,
obscuramente. Às vezes conseguimos espiar através do espelho e ter uma visão de
como são as coisas do outro lado. Se conseguíssemos polir mais esse espelho,
veríamos muito mais coisas. Porém não enxergaríamos mais a nós mesmos.
[...] Veja mais aqui.
GUERRA NO RECIFE – No livro Elegias (Jornal de Letras, 1952), do poeta, jornalista, professor e
memorialista Mauro Mota (1911-1984),
encontro o poema Boletim Sentimental da
Guerra no Recife, o qual transcrevo a seguir: Meninas, tristes meninas, / de mão em mão
hoje andais. / Sois autênticas heroínas / da guerra, sem ter rivais. / Lutastes
na frente interna / com bravura e destemor. / À vitória aliada destes / o
sangue do vosso amor. / Por recônditas feridas, / não ganhastes as medalhas, /
terminadas as batalhas / de glórias incompreendidas. / Éreis tão boas pequenas.
/ Éreis pequenas tão boas! / De várias nuanças morenas, / ó filhas de
Pernambuco, / da Paraíba e Alagoas. / Tínheis de quinze a vinte anos, / tipos
de colegiais, / diante dos americanos, / dos garbosos oficiais, / do segundo
time vasto / dos fuzileiros navais / prontos a entregar a vida / para conseguir
a paz, / varrer da face do mundo / regimes ditatoriais / e democratizar todas /
as terras continentais / a começar pelo sexo / das meninas nacionais. /
Iniciou-se então a fase / de convocação e treino / todos os dias na Base. / Ah!
com que pressa aprendíeis, / só pela conversa quase! / Dentro de menos de um
mês / sabíeis falar inglês. / E os presentes? Os presentes / eram vossa
tentação. / Coisas que causavam aqui / inveja e admiração: / bolsas plásticas,
a blusa / de alvas rendas do Havaí, / bicicletas "made in USA", /
verdes óculos "Ray Ban". / Era um presente de noite / e outro dado de
manhã, / verdadeiras maravilhas / da indústria de Tio Sam. / E as promessas? As
promessas / eram vossa sedução. / acreditáveis que elas / não eram mentira,
não. / Um "Frazer" no aniversário, / passeios de
"Constellation", / num pulo alcançar Miami, / almoçar na Casa Branca,
/ descer a Quinta Avenida, / fazer "piquet" pela Broadway / ver a
"première" no Cine / junto dos artistas, com / eles todos na platéia.
/ Ouvir na "Opera House", / numa noite Toscanini, / na outra noite
Lili Pons. / Com tanto "it" e juventude / podíeis testes ganhar, /
ser estrelas de Hollywood, / ciúmes de Hedy Lamarr. / Ah! bom tempo em que
corríeis, / "pés descalços, braços nus, / atrás das asas ligeiras / das
borboletas azuis". / Ó prematuras mulheres, / fostes, na velocidade / dos
"jeeps", às "garconières" / da Praia da Piedade. / Quase
que se rebentavam / vossos úteros infantis / quando veio o telegrama / da
tomada de Paris. / Ingênuas meninas grávidas, / o que é que fostes fazer? /
Apertai bem os vestidos / pra família não saber. / Que os indiscretos vizinhos
/ vos percam também de vista. / Saístes do pediatra / para o ginecologista. /
"Babies" saxonizados, / que só mamam vitaminas, / são vossos
"babies", meninas, / em vários cantos gerados, / mas
"mapples" dos automóveis, / no interior das cantinas, / da praia na
branca areia, / em noites sem lua cheia. / Meninas, tristes meninas, / vossos
dramas recordai, / quando eles no armistício, / vos disseram "Good
bye". / Ouvireis a vida toda / a ressonância do choro / dos vossos filhos
sem pai. Veja mais aqui.
ACONTECEU EM IRKUTSK &
OS HOMENS SÃO DE MARTE!
– A atriz de teatro, cinema e televisão Irene
Ravache, também é diretora teatral e iniciou sua carreira em 1961 quando
atuou no espetáculo Aconteceu em Irkutsk e, logo depois, em 1962, começou a
fazer um curso de interpretação na Fundação Brasileira de Teatro (FBT). A
partir de então, atuou em diversas peças teatrais como Eles não usam black-tie
(1963), Aonde vais, Isabel? (1963), Pindura saia (1966), A cozinha (1968), A
ratoeira (1971), Os inocentes (1972), Roda cor de roda (1975), Os filhos de
Kennedy (1977), Bodas de papel (1978), Tem um psicanalista na nossa cama
(1980), Pato com laranja (1980), Afinal uma mulher de negócios (1981), Filhos
do silêncio (1982), De braços abertos (1984), Uma relação tão delicada (1989),
Eu me lembro (1995), Brasil S/A (1996), Inseparáveis (1997), Intimidade
indecente (1997) e A reserva (2008). No cinema sua trajetória começa com
Geração em fuga (1972) até Os homens são de marte... e é pra lá que eu vou!
(2014). Para ela, aplausos de pé! Veja mais aqui.
A DAMA FANTASMA – O filme noir A dama fantasma (Phantom Lady, 1944), dirigido pelo cineasta alemão
radicado nos Estados Unidos Robert Siodmak (1900-1973), baseado no livro
homônimo do romancista estadunidense Cornell Woolrich (1903-1968), conta a
história de um cidadão que passa por uma má fase no casamento e que, certa
noite, foi se confortar num bar, no qual passa a ser acompanhado por uma mulher
misteriosa que usava um chapéu. Quando volta para casa, ele encontra a esposa
estrangulada. Ao tentar provar sua inocência, ninguém do bar se lembra de ter
visto a mulher de chapéu. O destaque do filme é a belíssima atriz estadunidense
Ella Raines (1920-1988). Veja mais
aqui.
IMAGEM DO DIA
Imagem: Female nude and putti with mask, do pintor, escultor, ceramista,
cenógrafo, poeta e dramaturgo espanhol Pablo
Picasso (1881-1973). Veja mais aqui e aqui.
Veja mais no MCLAM: Hoje é dia do
programa Noite Romântica, a partir das 21hs, no blog do Projeto MCLAM, com a
apresentação sempre especial e apaixonante de Meimei Corrêa. Para conferir online acesse aqui.
VAMOS APRUMAR A CONVERSA?
La Liseuse de Grundworth (1935)
Aprume aqui.