segunda-feira, maio 27, 2024

PIA TAFDRUP, ESTHER LLOVET, SILVIA RIVERA & ITINERÁRIO

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som dos álbuns Tchautchiüãne (2017), Wiyaegü (2019) e Torü Wiyaegü (2022), da premiada cantora, jornalista e compositora Djuena Tikuna (Denizia Araújo Peres), uma das maiores referências em música indígena.

 

ÓRFÃO DA TERRA, LÍNGUA & CORAÇÃO... – Antes de ontem de muitos anos atrás, a minha gente era festa secular. Era um tempo em que tudo e todas as coisas estavam aqui e éramos um só: o solo, as araras, o capinzal, o piado dos filhotes quebrando a casca... E convivíamos com os espíritos do fogo, da água, do ar e da terra, conjugávamos afetos: todo ser é uma canção de amor. Quando o tempo da desventura escureceu, nada de nós quase restava: raios encurralaram e os que chegaram de longe, do outro lado do mundo, arrancaram nossas raízes aterradas pelo canavial. A cobiça de numerosos e insistentes invasores me levou estrada afora a sonhar meu povo que me ensinava amar a tudo e todas as coisas, escutando Barbara Payton: O amor é uma memória. O tempo não pode matar a melodia querida, alegre e absurda, e a música inédita... No meu êxodo foram sóis causticantes, luas geladas, percurso extenuante para saber quando e o quê: aprendi as labaredas dos infernos, os faróis de todos os possíveis purgatórios, corujas e morcegos traziam sargaços de mares abissais e as neblinas sem data e mapa. Tudo doía ao crepúsculo: quantas luas, tantos outros sóis. Ganhava a noite, perdia o dia. Doía mais as palavras de Jenny Erpenbeck: Deixar as pessoas se afogarem no Mediterrâneo não está longe de Auschwitz.. Fui ao céu três vezes: da primeira vez era novidade, mas a saudade foi tanta que mal cheguei e já estava de volta. A segunda foi por curiosidade: queria ver como era de mesmo e me detive tanto em cada coisa que logo perdeu a graça. A terceira foi quase um convite redentor para apaziguar a alma e, por pouco, não fiquei de vez. É que na horagá olhei para baixo, dei aquela espiada plangente e tentei me despedir. Engoli seco o nó da garganta e constatei: Nunca me vi imortal porque nunca tive onde cair morto e, acima de tudo, tinha ainda muito por fazer – Ah, ficou o descanso para depois, escapuli e voltei, pronto para recomeçar todos os dias e o dia todo. Ouvia Joan Collins: Mostre-me uma pessoa que nunca cometeu erros e eu lhe mostrarei alguém que nunca conseguiu muito... Cada um tem seu aprendizado e ainda faltava muito: não há escapatória para um ninguém. A esperança quase não resiste às causas perdidas pelas noites longas: partiram pedras, demoliram montes, desmoronaram barrancos, eram os estrépitos fora do prumo de uma eterna guerra. A mim só restava o mirante: a noite no coco de tucumã, o dia no voo do cajubi. Mas, a vida tem sempre o gostinho de que valerá a pena. E no derradeiro retorno, apenas desprezo e lástimas: os esquecidos tempos idos e os que se perderam nos que anseiam sempre por uma festa no céu e que os levem à glória. O pior: nenhum amigo. Voltei na escuridão da beira do rio: serviu para contar hestórias. E aqueles estranhos olhares, até hostis, era familiar: falasse o que dissesse, fizesse o que desagradasse, tratasse com indiferença ou do que dispusesse. - Aqueles estranhos me dava duas opções: ou me escravizava ou zarpava de vez. Nem uma, nem outra. Não esperei a gentileza poque aprendi a ouvir a língua e o coração de si e do outro: é no presente que tudo se realiza e escolhi a canção da vida. O que sou de todas as coisas: se pedra era o ouro do coração das pessoas, a lição caeté. Até mais ver.

 

BANCOS DE AREIA

Imagem: Acervo ArtLAM.

Não aponte o telescópio apenas \ para a aglomeração do céu noturno \ para descobrir mais um planeta. \ Vire-o também para a terra, \ para o fundo do mar, \ veja os peixes entre as pedras, \ um brilho de flechas prateadas, \ um brilho de fogo nas profundezas, \ a força contundente das fibras, \ a água queima \ quando os peixes avançam \ e param submersos nos jardins de algas, \ olha também para o fundo do mar, \ cardumes de peixes irradiam a escuridão ali, \ encontram descanso nas ondas.

Poema da premiada escritora dinamarquesa Pia Tafdrup. Veja mais aqui.

 

COMO DEIXAR DE ESCREVER - [...] Escreva, sim. Escreva e escreva e escreva. Literatura de merda. Que chato, que prisão de ventre, na verdade. Quão pouco sangue, os escritores. Não confie em ninguém que tenha a mesma cara de bêbado de Renfo sóbrio. Se você sair do luto, você sairá de qualquer coisa, foi o que eu disse a ele. De qualquer coisa. [...] e isso é beleza, o que você pensa de novo [...] Não é ruim ser subestimado. Você acaba sabendo muito sobre os outros. Eles te contam o que não contam a ninguém [...] Que elegância, tristeza, com todos os botões nas mangas tão bem abotoados. [...]. Trechos extraídos da obra Cómo dejar de escribir (Anagrama, 2017), da escritora espanhola Esther García Llovet, que na obra Gordo de feria (Anagrama, 2020), expressa: [...] Todo mundo fala o tempo todo até que você pergunte algo específico. “Então eles não sabem mais o que dizer.” [...].

 

O PRINCÍPIO DE POTOSÍ: OUTRA VISÃO DA TOTALIDADE - [...] As comunidades transnacionais de migrantes aimarás transitam, então, dentro de um thaki pós-colonial, constituído por fluxos e refluxos cíclicos. Em seus deslocamentos articulam modismos de moda com tradições recuperadas; inventam genealogias e reinterpretam mitos, manchando os tecidos de uma indústria global com os seus pumas e os seus sóis, transformando os seus camiões de grande tonelagem em altares para santos e demónios. O cenário da diáspora trabalhista aimará contém então algo mais do que opressão e sofrimento: é um espaço para a reconstituição da subjetividade e da agência, como é certamente o caso de todos os cenários de dominação – incluindo os mais brutais – se ousarmos olhar além da figura da vítima sacrificial. A acção inversa dos takis-thakis contemporâneos altera o ritmo da máquina capitalista neocolonial, cria espaços intermediários e reapropria-se dos métodos e práticas do mercado global, ao mesmo tempo que afirma os seus circuitos autóctones, o seu repertório de conhecimentos especiais e as vantagens e os artifícios que permitem a essas comunidades e empreendimentos enfrentar com autoconfiança esse cenário desigual e suas diversas formas de violência. [...]. Trecho extraídos da obra The Potosí Principle: Another View of Totality (Universidad Mayor de San Andrés de La Paz - The Hemispheric Institute, 2023), da socióloga, professora, cineasta e ativista boliviana Silvia Rivera Cusicanqui, autora de obras como: Oprimidos, mas não derrotados. As lutas do campesinato aimará e quichwa da Bolívia, 1900-1980 (La Paz, 1984) e As fronteiras da coca (La Paz, 2003), integrante do Colectivo Ch’ixi e reflete em seus estudos que: Devemos sonhar, mas com a condição de acreditar firmemente nos seus sonhos, de comparar dia a dia a realidade com as ideias que a temos, de meticulosamente alcançar nossa fantasia. Descobrimos o provincianismo europeu. Por exemplo, os britânicos não leem os franceses. Obviamente, isso não se vê daqui, porque lhes atribuímos uma universalidade. Mas somos menos provincianos neste continente: lemos tudo o que nos chega, e sob o princípio da seletividade de que tudo é útil de acordo com as emergências sociais. Assim, temos a sorte de saltar vários modismos, porque chegaram tarde ou porque parecem vir de outro mundo, e de nos treinarmos numa liberdade combinacional. Na defesa da tese da lógica da rebelião, ela esclarece que: Foi da adoção da apropriação reformista por parte da geração 'pluri-multi' de intelectuais, que convenceu-me das capacidades retóricas das elites e da sua enorme flexibilidade para superar a culpa colectiva e transformá-la numa matriz de dominação que renova assim a sua dimensão colonial. No que se refere à etnografia do duplo vínculo, ela explica: Reinventei a praticidade deste conceito explorando seu poder alegórico e epistemológico. Pragmaticamente, ch'ixi é a ovelha manchada, o sapo manchado, a cobra manchada. É um descritor, uma palavra-chave; no entanto, a sua dimensão mais abstrata e filosófica não foi desenvolvida e isto porque após o assassinato dos amawt'as e yatiris na época colonial, a língua foi empobrecida pelas traduções realizadas por padres como Ludovico Bertonio (1557-1625) e Domingo de Santo Tomás (1499-1570), que expurgaram conceitos e ideias aimarás que lhes eram incompreensíveis, retirando posteriormente o potencial filosófico das línguas indígenas. Por fim, ela defende que: Temos que produzir pensamento a partir do cotidiano...

 

ITINERÁRIO, MAURO MOTA

Não ficaram na mudança nem o pé de sabugueiro e o cheiro dos cajás, \ os passos da mão no corredor, a noite, \ o medo do papa-figo, as sombras na parede. \ a casa inverte a missão domiciliar, sai da rua. \ a casa agora mora no antigo habitante.

Poema Mudança, extraído da obra Itinerário (José Olympio, 1983), do poeta, jornalista, professor e memorialista Mauro Mota (1911-1984). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

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SINAIS GRÁFICOS

O livro Sinais gráficos: ortografia da Língua Portuguesa (Ideia, 2022), da professora Edilene Maria Oliveira de Almeida. Veja mais aqui e aqui.

 

UM OFERECIMENTO:

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SANTOS MELO LICITAÇÕES

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Tem mais:

Cineclube Literarte: documentário A brasilidade de Ascenso Ferreira na Biblioteca Fenelon Barreto.

Livros Infantis Brincarte do Nitolino aqui.

Curso: Arte supera timidez  aqui.

Poemagens & outras versagens aqui.

Diário TTTTT aqui.

Cantarau Tataritaritatá aqui.

Teatro Infantil: O lobisomem Zonzo aqui.

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VALUNA – Vale do Rio Una aqui.

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Crônica de amor por ela aqui.