TRÍPTICO DQP:
- Quando o Sol e os escombros... - Ufa! Uma e outra vez flui o rio pro mar. Já era tempo ouvia Primo Levi: A intolerância tende a censurar, e a censura promove a
ignorância dos argumentos dos outros e, portanto, a própria intolerância: um
círculo vicioso e rígido que é difícil de quebrar... E isso doía na quebrada dos
últimos anos, como aquele verso do Georg Trakl: A neve negra que escorre dos telhados; / Um dedo vermelho
mergulha em sua testa / Flocos azuis afundam no quarto vazio, / Estes são os
espelhos mortos dos amantes... Impossivel ignorar que antes foi o golpe e depois emergiu a caquistocracia: os sobressaltos tudo outra vez
e batiam cabeça como se o perigo não passasse nem tão cedo– o que esperar de Fabos-cabeças-de-fósforos
se eles são irredutíveis no Fecamepa?
E com eles a pandemia: estúpidos por conta própria com as suas ucronias pelos alto-falantes, tão
inquietante quanto claustrofóbicos, do desagradável ao intolerável - qual
calibre da guilhotina e as reprises de pólvora, a bofetada sem revide. E
conseguem manter com suas baforadas o ar fétido do mundo a franzir o cenho à
careta do que desagradavam porque odeiam aflato e vagido, quando pararão de se
debater, ninguém sabe – e entre eles, desde que não fizessem às claras e nem
assustassem as crianças. Ora, ora. Nem todo mundo é carrasco, nem todo mundo é
só do contra porque verdugo e antipático são quase senão os mesmos. Só
conseguia ouvir ao meu lado a Eliane Brum: Há
realidades que só a ficção suporta... Não adiem os começos, porque o fim já está dado... Era
como se só restasse pedir demissão da humanidade, chovendo
por dentro entre o sombrio e a existência, os corpos e a morte. A torcida era
para que aparecesse um vaqueiro bom pra botar essa boiada espalhada no seu
devido curral. Entretons e eutopias, eu me dizia: a vida é necessária como toda
arte é política. Graças! Agora parece podermos respirar um pouco mais aliviado
porque esta cidade não pertence a ninguém, nem a bandeira é só para
energúmenos. Caminho longo pela frente, ainda bem que a estrela brilhou com
teor de remissão e alumiando a estrada. Lavei a alma. Prossigamos, enquanto o Sol
e os escombros...
Ateliê
Virtual – A ideia foi
do Rubens Cunha Lima, sugestão logo acatada por todos, até pra encampar bloco
carnavalesco num desfile geral – troça essa que faria questão de compor mais um
frevo! Vambora. Logo a Cibele Carneiro tomou as rédeas das providências e foi
arrumando tudinho enquanto sapecava artes. Não demorou muito e lá estávamos
todos prontos para trocar ideias. De chapa o Ricardo
Aidar trouxe a arte do centenário Pierre
Soulages e desafiou a gente pruma pesquisa aprofundada a respeito - – afora
mostrar dois quadros de sua autoria que me trouxeram de volta a Intromissão do verbo. A Solange
Pinheiro não ficou de fora e me sugeriu logo o Vik Muniz, enquanto a inquieta Márcia Gebara arrumava uma Feira de
Livros duma escola. E todas as quintas desde as instruções dos adoráveis professores
Renata Sant'Anna de Godoy
Pereira, Evandro Nicolau & Maria Angela Serri Francoio. Daí deu-se a organização do nosso ateliê. E
eu que não passava dum caçula desenhador, logo
me vi parceiro na empreitada. Simbora com aquela sensação do Paul Celan entre o complexo e o
complicado: A poesia é uma espécie de regresso a
casa... Havia terra dentro deles, e eles cavaram... Eles me curaram em pedaços. E o que de bom vai adiante,
rumbora!
Hic et Nunc...
- Curiosamente ocorrera comigo o
que foi narrado um dia por Middleton:
Alguém se aproximou para me entregar um folheto e uma recomendação: não é pra
qualquer um. Sim? Reiterou: Só para pessoas especiais. Intrigado, abri o
comunicado. Atento, descobri: lá estava inscrita oferta de serviços funerários.
Hem? Ao levantar as vistas para indagar a respeito, não havia ninguém: será a
trama do xadrez dele? Fiquei só com o distante eco dos antepassados revividos
que emergiam no meio das ruas. Era como se me chamassem pelo nome e eu sabia: a
tragédia na geral. Mas a mim que haviam tumultuado. Sei que tudo é para ser experimentado:
diferentes cotidianos, o aqui dentro e o lá fora. O bom foi a surpresa de Alda Merini: Estamos com fome de ternura, em um
mundo onde tudo é abundante que somos pobres desse sentimento que é como uma
carícia para o nosso coração que precisamos desses pequenos gestos. Faça-nos
sentir boa ternura é um amor desinteressado e generoso, que não pede mais nada
para ser entendido e apreciado... O que me
deu agora ou depois, respirar fundo o pó da estrada: sempre o inesperado, como
se eu dissesse noutro tempo verbal: não há nada melhor, nem há outra escolha.
Amanhã já é outro, feliz de quem vive e possa morrer em paz. Não é de hoje, só
agora vale mais. Até mais ver.
Outro dia mexendo
em uma livraria, estarrecido encontrei a cartilha Caminho Suave, a mesma em que
fui alfabetizado quarenta e tantos anos atrás. Alguma coisa está errada. As
crianças mudaram muito nesses anos, enquanto a educação deu pequenos passos
adiante. Pequenos passos mais voltados para a estatística, que para o conteúdo.
O futuro será péssimo, pois daqui a 10 anos entre essas crianças que chegam a
5ª série sem saber ler e escrever, estarão os futuros educadores...
Trecho extraído da apresentação da obra Domínio público – literatura em quadrinhos (Funcultura, 2006), do arquiteto, editor e presidente do Instituto do Memorial de Artes Gráficas do Brasil (IMAG), Gualberto Costa. Veja mais Educação & Livroterapia aqui & aqui.