TRÍPTICO DQP:
Itinerar pelos devires e espaventos... - Ao som do álbum Diários de vento (Prêmio de Música
TerraUna Ibermúsicas, Serra da Mantiqueira, 2016), da compositora e multi-instrumentista Joana Queiroz - Voo pelas praças e por aí: a cidade se confunde com o abandono das
imundícies. É quase tão inabitável quanto a sede ressentida que esmola em meu
peito à procura da mão amiga jamais vista. Só os invisíveis estirados nas
calçadas de agosto saúdam o que já morreu faz tempo, enquanto ensaio as Despedidas de Rosário Castellanos: Queríamos
aprender a despedida / e rompemos a aliança / que unia o amigo com o amigo. / E
nós preenchemos a lacuna / entre amizades divididas. / Para aprender a sair,
andamos. / Deixamos para trás as colinas, os vales, / os prados verdejantes. / observamos
sua beleza, / mas não ficamos. Prossigo e os farrapos dum
fantasmenino estende a mão com seus olhos famintos de espera a me levar entre vultos
alheios como sombras divagantes pela sedução insone da ganância. Ele me olha
com um sorriso inocente de quem é apenas uma criança e o seu gesto me diz do
poema Gente que gosto, do Mário Benedetti: Antes
de mais nada gosto da gente que vibra, / que não é necessário empurrar,/ que
não se tem que dizer que faça as coisas / e que sabem o que tem que ser feito /
e o fazem em menos tempo que o esperado. / Gosto da gente com capacidade de
medir / as consequências de suas ações. / A gente que não deixa as soluções
para a sorte decidir. / Gosto da gente exigente com seu pessoal e consigo
mesma, / mas que não perde de vista que somos humanos / e que podemos nos
equivocar. / Gosto da gente que pensa que o trabalho em equipe, entre amigos, /
produz às vezes mais que os caóticos esforços individuais. / Gosto da gente que
sabe da importância da alegria. / Gosto da gente sincera e franca, / capaz de
opor-se com argumentos serenos e racionais às decisões de seus superiores. / Gosto
da gente de critério, / a que não sente vergonha de reconhecer / que não
conhece algo ou que se enganou. / Gosto da gente que ao aceitar seus erros, / se
esforça genuinamente por não voltar a cometê-los. / Gosto da gente capaz de
criticar-me construtivamente e sem rodeios: / a essas pessoas as chamo de meus
amigos. / Gosto da gente fiel e persistente / e que não descansa quando se
trata de alcançar objetivos e ideais. / Gosto da gente que trabalha para
alcançar bons resultados. / Com gente como esta, me comprometo a tudo, / já que
por ter esta gente ao meu lado me dou por satisfeito. Ele, então, meninamente
abre os braços e dou-lhe o meu afago e tudo é como se eu escutasse o trecho
doutro do poeta uruguaio insistindo ao meu ouvido que eu não desista: Ainda há fogo em sua alma, / Ainda há vida
em seus sonhos / Porque cada dia é um novo começo, / Porque este é o momento e
o melhor tempo. / Porque você não está sozinho, porque eu te amo. O seu
abraço ensolarou os meus anoitecidos dias, não havia como ignorar, esse
aconchego me levou a perseguir caminhos proutras descobertas, mesmo que amanhã pareça
distante e sequer pouso algum tenha para mirar.
Um verso não
brota à toa... - Restou-me a mim os meus próprios redemoinhos e fui arrastado para o Labirinto Verbo de VCA. O poetamigo
mostrou-me mais que a loucura dos meus próprios dédalos no seu jeito aberto e
desanuviou o trajeto agora desembaraçado nas paredes que se tornaram Monósticos entroutros poemas esgarçantes
da venda mitológica dominante, desvelando o Minotauro como se me
dissesse que É de lástima a pele dos pusilânimes que se esvaíram nas Líricas Chacinárias deste e de todos os tempos. Não, não era uma encruzilhada
nem malsinações caluniosas dos óbices impostores, definitivamente não era
porque a Ascese é uma mulher transfigurada
em muitas outras. E entre elas a escritorestadunidense Louella Parsons
(1881-1972) dissesse: Não é da minha
natureza chorar por muito tempo. É uma das bênçãos da minha vida que as coisas
que são passadas - são passadas. As calamidades de ontem são apenas o desafio
de hoje. Eu posso descer - mas não posso ficar lá... Quase qualquer pessoa que
já alcançou qualquer tipo de estatura pública em sua profissão pode esperar
ver, às vezes, um reflexo em um espelho rachado. Atento ouvia tudo mesmo que parecesse me iludir ali
instantaneamente confessional com a Carta
Revolucionária nº 1, da poetativistestadunidense da Geração Beat, Diane di Prima (1934-2020): Acabo de perceber que o que está em jogo sou
eu / Não tenho outra moeda de resgate, nada para / quebrar ou trocar, a não ser
minha vida / meu espírito parcelado, em fragmentos, esparramado sobre / a mesa
de roulette, eu recupero o que posso / só isso para enfiar embaixo do nariz do
maitre de jeu / só isso para jogar pela janela, nenhuma bandeira branca / só
tenho minha pele para oferecer, para fazer minha jogada / com esta cabeça
imediata, com aquilo que inventa, é a minha vez / enquanto deslizamos sobre o
tabuleiro, e sempre pisando / (assim esperamos) nas entrelinhas. Era como
se lesse a minha alma estilhaçada e não tivéssemos nenhuma outra possibilidade
de escapar daquele angustiante momento tenebroso, só a poesia nos salvava e eu
pude segui-la rumalhures sem que soubesse qual direção seguíamos.
“A paz age na
paisagem”...
– Imagem: fotograma do professor,
compositor e artista visual Evandro Carlos Nicolau - Tantas paragens entre iridescentes meteoros esvoaçantes e cascalhos do
meu chão fantasmagórico, até uma ancoragem sabia-se lá onde, nalgum tempespaço
amigável e era Graça Lins apontando a
manchete jornalística a respeito da necessidade de se ter amizades positivas para
uma vida saudável, mas como se eu sequer sabia dalguma coisa próxima no
espaçagora temperdido, não fosse ela própria a benfazeja instância dos sonhos
que viajei nas asas de Darel e pude
ouvir da sua graça e jeito o que dissera Evandro Carlos Nicolau: Mesmo sem percebermos todos estamos deixando marcas de
nossas ações movimentos, interferências no mundo... E foi ao som de um trecho da canção
dele mesmo, Viver além, do álbum Esboço (2016): ...o que
desejo é não querer nada apenas tenho os meus pés na estrada... E seguisse assim aos Archivos del Sur para ganhar um Heráclito poema de Araceli Otamendi: eu sou feito de barro
/ eu moro em um pote / e a água passa... E um convite poético inusitado dela: Há
uma cidade dentro de uma cidade... / saio a caminhar...
Então fomos todos de mãos dadas singrando a delicadeza dos potentes afetos que
nos fazem tão vivos quanto humanos atravessando o mais terrível flagelo na
nossa doce ilusão de indelével incolumidade. Até mais ver.
[...] uma práxis
pedagógica que pretenda ser emancipada e emancipadora não pode
se furtar da responsabilidade de promover um clima cultural que favoreça
o desenvolvimento de uma identidade autocrítica, de uma proposta pedagógica
que permita com que os agentes educacionais experienciem verdadeiramente
tanto os vínculos entre si quanto também os fracassos amealhados no processo ensino- aprendizagem que podem se transformar em sucesso;
que conceda oportunidade de que o aluno e o mestre enfrentem seus medos e
percebam que é o trabalho coletivo, que respeite as diferenças, aquele que
produz uma
individualidade não-patológica [...].
Trecho extraído da obra Indústria Cultural e educação: o novo canto da sereia (Autores Associados, 1999), do professor Antônio Álvaro Soares Zuin. Veja mais Educação & Livroterapia aqui e aqui.