terça-feira, novembro 01, 2022

ALDA MERINI, ELIANE BRUM, ILONA GUITAR & ATELIÊ VIRTUAL

 

 Ao som do Prelude nº 1, de Heitor Villa-Lobos, na interpretação da violonista polonesa Ilona Guitar.

 

TRÍPTICO DQP: - Quando o Sol e os escombros... - Ufa! Uma e outra vez flui o rio pro mar. Já era tempo ouvia Primo Levi: A intolerância tende a censurar, e a censura promove a ignorância dos argumentos dos outros e, portanto, a própria intolerância: um círculo vicioso e rígido que é difícil de quebrar... E isso doía na quebrada dos últimos anos, como aquele verso do Georg Trakl: A neve negra que escorre dos telhados; / Um dedo vermelho mergulha em sua testa / Flocos azuis afundam no quarto vazio, / Estes são os espelhos mortos dos amantes... Impossivel ignorar que antes foi o golpe e depois emergiu a caquistocracia: os sobressaltos tudo outra vez e batiam cabeça como se o perigo não passasse nem tão cedo– o que esperar de Fabos-cabeças-de-fósforos se eles são irredutíveis no Fecamepa? E com eles a pandemia: estúpidos por conta própria com as suas ucronias pelos alto-falantes, tão inquietante quanto claustrofóbicos, do desagradável ao intolerável - qual calibre da guilhotina e as reprises de pólvora, a bofetada sem revide. E conseguem manter com suas baforadas o ar fétido do mundo a franzir o cenho à careta do que desagradavam porque odeiam aflato e vagido, quando pararão de se debater, ninguém sabe – e entre eles, desde que não fizessem às claras e nem assustassem as crianças. Ora, ora. Nem todo mundo é carrasco, nem todo mundo é só do contra porque verdugo e antipático são quase senão os mesmos. Só conseguia ouvir ao meu lado a Eliane Brum: Há realidades que só a ficção suporta... Não adiem os começos, porque o fim já está dado... Era como se só restasse pedir demissão da humanidade, chovendo por dentro entre o sombrio e a existência, os corpos e a morte. A torcida era para que aparecesse um vaqueiro bom pra botar essa boiada espalhada no seu devido curral. Entretons e eutopias, eu me dizia: a vida é necessária como toda arte é política. Graças! Agora parece podermos respirar um pouco mais aliviado porque esta cidade não pertence a ninguém, nem a bandeira é só para energúmenos. Caminho longo pela frente, ainda bem que a estrela brilhou com teor de remissão e alumiando a estrada. Lavei a alma. Prossigamos, enquanto o Sol e os escombros...

 


Ateliê Virtual – A ideia foi do Rubens Cunha Lima, sugestão logo acatada por todos, até pra encampar bloco carnavalesco num desfile geral – troça essa que faria questão de compor mais um frevo! Vambora. Logo a Cibele Carneiro tomou as rédeas das providências e foi arrumando tudinho enquanto sapecava artes. Não demorou muito e lá estávamos todos prontos para trocar ideias. De chapa o Ricardo Aidar trouxe a arte do centenário Pierre Soulages e desafiou a gente pruma pesquisa aprofundada a respeito - – afora mostrar dois quadros de sua autoria que me trouxeram de volta a Intromissão do verbo. A Solange Pinheiro não ficou de fora e me sugeriu logo o Vik Muniz, enquanto a inquieta Márcia Gebara arrumava uma Feira de Livros duma escola. E todas as quintas desde as instruções dos adoráveis professores Renata Sant'Anna de Godoy Pereira, Evandro Nicolau & Maria Angela Serri Francoio. Daí deu-se a organização do nosso ateliê. E eu que não passava dum caçula desenhador, logo me vi parceiro na empreitada. Simbora com aquela sensação do Paul Celan entre o complexo e o complicado: A poesia é uma espécie de regresso a casa... Havia terra dentro deles, e eles cavaram... Eles me curaram em pedaços. E o que de bom vai adiante, rumbora!

 


Hic et Nunc... - Curiosamente ocorrera comigo o que foi narrado um dia por Middleton: Alguém se aproximou para me entregar um folheto e uma recomendação: não é pra qualquer um. Sim? Reiterou: Só para pessoas especiais. Intrigado, abri o comunicado. Atento, descobri: lá estava inscrita oferta de serviços funerários. Hem? Ao levantar as vistas para indagar a respeito, não havia ninguém: será a trama do xadrez dele? Fiquei só com o distante eco dos antepassados revividos que emergiam no meio das ruas. Era como se me chamassem pelo nome e eu sabia: a tragédia na geral. Mas a mim que haviam tumultuado. Sei que tudo é para ser experimentado: diferentes cotidianos, o aqui dentro e o lá fora. O bom foi a surpresa de Alda Merini: Estamos com fome de ternura, em um mundo onde tudo é abundante que somos pobres desse sentimento que é como uma carícia para o nosso coração que precisamos desses pequenos gestos. Faça-nos sentir boa ternura é um amor desinteressado e generoso, que não pede mais nada para ser entendido e apreciado... O que me deu agora ou depois, respirar fundo o pó da estrada: sempre o inesperado, como se eu dissesse noutro tempo verbal: não há nada melhor, nem há outra escolha. Amanhã já é outro, feliz de quem vive e possa morrer em paz. Não é de hoje, só agora vale mais. Até mais ver.


 

Outro dia mexendo em uma livraria, estarrecido encontrei a cartilha Caminho Suave, a mesma em que fui alfabetizado quarenta e tantos anos atrás. Alguma coisa está errada. As crianças mudaram muito nesses anos, enquanto a educação deu pequenos passos adiante. Pequenos passos mais voltados para a estatística, que para o conteúdo. O futuro será péssimo, pois daqui a 10 anos entre essas crianças que chegam a 5ª série sem saber ler e escrever, estarão os futuros educadores...

Trecho extraído da apresentação da obra Domínio público – literatura em quadrinhos (Funcultura, 2006), do arquiteto, editor e presidente do Instituto do Memorial de Artes Gráficas do Brasil (IMAG), Gualberto Costa. Veja mais Educação & Livroterapia aqui & aqui.