Ao som do álbum Ciranda das Mestras (2015-2021), da pianista, compositora e professora da UFRGS, Catarina Domenici.
TRÍPTICO DQP:
- Fábula de truz... - O prólogo
e nenhuma pausa para o que saiba de queda ou excelência, só a chuva persistente
e a cidade submersa em sono profundo: a perdição do paraíso distante que se
esquivara pelos sonhos evadidos. Agora só os pesadelos rutilantes daqueles
soberbos que nunca souberam perder com seus detritos perfumados difícil de
digerir. Era como se ao meu ouvido Anna Katharine Green: Palavras podem ser ditas em um momento que não serão
esquecidas em anos. A culpa não tem o direito de lucrar com a generosidade dos
inocentes. De nada adiantava no barulho da grande indústria do desperdício subestimando o que esperava do
chamado jamais chancelado, porque é tudo muito distante e desanimadores passantes
com seus noturnos afetos desviantes, enquanto escapo peregrino da destruição e
era como se um abismo me engolisse pelas subterrâneas escuridões de inferno
disfarçado de futilidades destroçadas, só mosca na sopa, calo no sapato, pereba
na perna e a violência implícita nos olhos de algodão forjado de louvores
falsos, incestos, façanhas delirantes, desastres tempestuosos, surtos
ameaçadores, reinvenções inúteis e ataques de pânicos pelas exóticas
extravagâncias de biltres desertores comovidos, um enfadonho prato cheio de
choradeira, desespero e baixaria, tudo malcheiroso e daninho. Era o trunfo da
dietrologia caricatural, de nenhum hiato no acesso da saturação e sem o
discernimento às escolhas, porque Walter Benjamin na sua solidão: Não se
deve dizer que o passado clareia o presente ou que o presente ilumina o passado.
É em uma imagem, que o outrora encontra o agora em um relâmpago, que forma uma
constelação. E
ainda não é outro dia como desde sempre. Reconstituo o tempo e um outro mundo talvez só depois
da morte e era o meu retrato no mundo comum
e sem graça: sonho amanhã porque algo acontecerá...
Florescer
esperançável... - Imagem: arte
da fotógrafa, arte-educadora e artista visual Tatiana
Altberg. - Luto lutas e é cada um por si e Deus que segure as pontas. Da janela o lixo
escorre pelas valetas e esgotos com mentiras, heroína, mercúrio, incinerações;
as paranoias com a alternância de fatos alucinantes e o derretimento de reputações,
soropositivos, paraplégicos, psicóticos, obesos, e indigentes nos muros quedavam
com a insolência dos gestos, os plenos pecados diluídos na luxúria. Essa a convivência
desmantelada pelas arrastadas tensões de invasores alheios obcecados com sua
pele de branquitude bastarda aos controversos acenos sórdidos nas travessias
insólitas com seus tumultos tão decadentes para habitar o mundo, mesmo que ouça
Jonathan Barnbrook me dizer: Nós estamos criando novas formas
para a humanidade se expressar melhor. Será? Sei
do olhar do outro e os meus pelas paisagens humanas, a
busca incessante por não sei o quê, autorretratos: estereótipos e ostracismo. Tudo
leva ao genocídio silencioso – o silêncio é cúmplice da violência, enquanto
repetem alhures que tudo é interdependente e indivisível. E mais voo mais que A partida e o norte de Estévão Queiroga: O caminho muda
e ele muda o caminhante É um caminho incerto, / não um caminho errado / Eu,
caminhante, quero o trajeto terminado, / Mas no caminho, mais importa o durante... É duro caminhar sozinho, exilado...
Pelas ruas
da minha janela... - Imagem:
Água na boca, da artista visual Joana Liberal. - As águas dos
rios extrapolaram as margens e lavaram meus pés no meio da rua. Das ondas ela
emergiu remanescente atlante, ninfa oceânica, Vênus enfeitiçante. Noutro idioma
ela me falou ter se tornado gueixa para que eu fosse o marinheiro de sua
odisseia e seu anjo da guarda para salvá-la ao ser amaldiçoada por abjurar a fé
de seus antepassados. Antes fosse, o que seria uma grande farsa de alcoviteiros
inescrupulosos que a aprisionaram numa arapuca por quase um milênio e não foi
vendida ao príncipe Yamadori outra vez por causa da minha intervenção na sua
quase imolação e eu não sabia de nada disso. Talvez ela fosse louca e tão bela
quanto o raiar do dia para me mostrar na pedra as formas opulentas das Vênus
paleolíticas e a de Bassempony para decifrar mais de 70 mil anos de grafias
abstratas com linhas triangulares que se entrecruzavam e eu me perdia no seu
olhar como nos paralelepípedos da Marianne de Delacroix, contando uma das histórias da catedral de Notre Dame nos
deslumbres dos vitrais da arquitetura gótica e o mapa de Eratosthenes ao colo
da nudez realçada por robustas coxas voluptuosas e seios fartos debruçados para
que eu enlouquecesse pela maior tesão de tê-la espalmada ao meu jugo priápico. Como
se adivinhasse o meu tormento fitou-me tal Julia Kristeva: Cada obra é apenas a
tecelagem de outras obras já vistas. Tão inocente parecia, esplendidamente trágica para
que eu amasse aquela estranha como nunca e ela mais
pressentia Anne Sexton: Como
já foi dito: O amor e a tosse não podem ser disfarçados, Nem mesmo a pequena
tosse. Nem mesmo o pequeno amor. Viva ou morra, mas não envenene tudo. A ventania serviu para mais me atordoar e ela sugeriu para
que eu me suicidasse quando sempre tive motivos demais para não cometer nada
disso, era como se me jogasse para ela e permitisse, assim foi, abrasados e
mútuos. Às pressas, um passo adiante a buscar de esconderijo propício e demos
de cara com Bispo do Rosário num
buraco do metrô e ela foi audaciosa pelo cenário de sucata na demanda do Santo
Graal. O que vai acontecer para preencher o vazio e o que fazer, quem sabe. Amanhã
não será apenas outro dia e a ressurreição, tomara. Só enxergo seus lábios insinuantes,
água na boca. E nela serei mais que inteiro além dos tempos de seu corpo
sedutor, assim foi... noitedias. Até mais ver.
[...] a dimensão estética tem a ver com a corporeidade: o corpo
que vê tudo que olha, que ouve tudo o que escuta, que sente tudo o que toca; o
corpo que capta o mundo com sua presença, que evoca o passado e projeta o
futuro no aqui e agora, que pensa, sonha, deseja e se emociona; o corpo que
transforma e se transforma. [...].
Trecho extraído da obra O ensino e a aprendizagem da linguagem teatral na
Educação de Jovens e Adultos (UFPB, 2003
– Dissertação de Mestrado), da professora e pesquisadora Maria das Graças Vital de Melo. Veja mais Educação &
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