TRÍPTICO DQP:
- O olhar e o ignoto... - Do lado de
cá, o quintal dos milagres; do lado
de lá, o mundo. Entre ambos o brejo que mais se parecia um riacho de tão cheio.
O pitu chega passava avexado, aos montes pelos tantos de cardumes. Deixei de
lado as proezas na cacimba porque havia explorado muitas invencionices na goiabeira,
ou pelas bananeiras e matagal. Queria era voar pro outro lado, poder desse
tivesse. Luz na ideia e por que não, ora, encarei a fundura, escalei aos escorregões
a íngreme margem oposta, fiz força e ganhei acolá. Era tudo muito vasto, como o
tanto dos meus sonhos de olhos abertos. Vasculhei a redondeza e dei de cara com
uma oliveira carregada de azeitona: Ô coisa mais boa de se aproveitar. Na
sombra estava... Ah, era Platero de Jimenez às gargalhadas lambendo os
cascos do que sobrou do jenipapo e foi logo me contando d’A raposa e as uvas de Esopo. A cada relincho
outra hestória: O lobo e
o cordeiro de Fedro; depois O asno de ouro de Apuleio; ô bicho tagarela
esse, meu, ganhou pra mim na tomada de água de chocalho: falava pelos cotovelos
que nem o homem da cobra. Confesso que morri de rir quando me disse saborear o
araticum cagão. O quê? Ao buscá-lo quase pisa no cochilo do sapo Aderbal. Eita, desculpe! Sai pra lá,
jumento! Olhe você me respeite senão não tem festa no céu procê! Sai pra lá, ô
jegue fidumégua! Foi aí que o asno se enrolou com uma cana e, por engano, pegou
foi um ingá do brejo! O cururu vingou-se: Vai ser burro assim no raio que o
parta, desgraçado! As rãs assanhadas do fã clube do anuro se riram da leseira
deles: Cadê a mula? E instigavam enquanto torciam pelas pazes entre a invejosa lagarta
que não sabia para onde ia e peiticava com a vaidosa borboleta que não sabia
como veio. O zoadeiro ficava por conta da saparia afoita açoitando a arenga:
Foi! Não foi! De repente as lavadeiras fugiam saias pela cabeça às carreiras por
causa duma cobra voadora que era uma criança atacada pelas abelhas de Cupira e efígie ofídica se tornara porque
amaldiçoada pela mãe logo que esta foi abandonada pelo marido. Como é que é? E logo
apareceu o lobisomem zonzo dizendo
fugir da barata Gregor gigante que
queria pegá-lo e quem não conseguia fugir subia pelos coqueiros ou era pé na
bunda mata adentro. Eu não sabia o que fazer quando dei de cara com o Minotauro bufando tal qual a Esfinge do Édipo: Decifra-me ou te devoro! E agora? Paralisado diante daquele terror, apareceu do nada Marian Keyes que me deu o Fio de
Ariadne: A vida
não respeita circunstâncias... A vida simplesmente vai em frente e faz o que
tem vontade, sempre que tem vontade! Desde então
pelos labirintos noitedias e dias&noites, tenho muita hestória pra contar.
Pintando
Xexéu... - Era feriado e a independência de quem no Fecamepa. O que
valeu a manhã ensolarar o risonho prefeito aos braçabraços em cada um da
multidão solícita, ao passo que a linda senhora vice distribuía afetos e
saudações. A Ipiranga valia no tom garboso da sonoridade matutina para que a
festa tomasse corpo nas cores e traços dos artistas presentes e o poeta
secretário não deixasse nada passar em branco. Divisão foi logo mote glosado
por Leo Luna, Ana Paula e Durán, quando este ao final encarou uma espanhola
exuberante que sumiu e ele avexou-se e foi junto, ora. Alexandre Freitas foi
pelo arruado, ao mesmo tempo em que Profeta seguia noutra nebulosa e
Fábio Santos construía a sua igreja. Robertson pegou a canoa e foi pelas águas
de não sei onde e Márcia Gomes passava pela ponte dos seus sonhos para ver o
xexéu brilhar com João Brito e Alexandre Lima, enquanto Zed Melo dava as caras
pra Carlos Daniel, Erick e Míssila no meio da estudantada, ouvindo atentos as
narrações livreiras de Rute Costa, para tudo ser registrado pela adorável bibliotecária
Sueli na foto geral de exposição na Semed. Valeu mais o abraço de Gel Love & Rogério. Por isso e muito mais, a cada dia canto & sou xexéu. (Veja fotos e
evento aqui).
O fio de
Bastet... – Imagem do designer gráfico,
ilustrador, videoartista e artista multi-gênero japonês Keiichi Tanaami. – Anoiteceu e voltei ao convívio das trevas,
umbrais solitude, o trâmite da solidão. Lá fora está tão
irrespirável até não sei quando; aqui dentro, pelo menos, ouso viver. Não fosse
Bastet aparecer-me como se fosse um eclipse solar, não teria nada o que fazer
então. Insinuando-se tal qual gata de Nise, com seu olhar felino
graciosamente faminto na boca sedenta para me dar o sistro com a mão direita e
a efígie com cabeça de leoa coroada pelo disco solar e serpente uraues com a
outra, a levar-me pelas pirâmides dos seus segredos, não sei nem o que diga de
tanta errância. Mas ela disse-me com tom de Battaile: Nada é mais necessário ou mais forte em nós do que a
rebelião... Acredito que a verdade tem apenas uma face: a de uma contradição
violenta... Eu
sabia que a filha de Rá temia ter
que passar de novo por Gata Borralheira. Ora, nem podia, afinal era uma deusa votiva
e poderia, com um simples estalar de dedos, mudar o que quisesse e se não o fez
é porque não quis. De repente sussurrou misteriosa Joanna Baillie: O tirano agora não confia em homens: todas as noites em
seu quarto o cão de guarda guarda seu leito, o único amigo em quem agora ousa
confiar.
Virou-se e me tratou como Anúbis no meio da
madrugada, trazendo-me o mais perto possível a sofreguidão do seu hálito. Foi
aí que ela desteceu os enredos do meu
canto aniquilado de ave migratória na angústia de desgarrado por triunfar no pó
e no vento, para me dizer de Goethe:
para ser poeta é preciso entregar-se ao demônio. Ou foi Byron quem disse isso e mais britanicamente: O diabo foi o primeiro democrata... Na solidão é quando estamos menos sós. Nada escrevi que prestasse até que comecei a
amar. Meu epitáfio será meu nome, nada mais... Quem disse, o que foi ou não, o que se acusa e se envergonha, pouco
importa. Aconchegada a mim se fez Hilda Doolittle: Nenhuma
fantasia poética / Mas uma realidade biológica, um fato: eu sou uma entidade
como pássaro, inseto, planta ou célula vegetal do mar; / Eu vivo; / Eu estou
viva... E em mim a festa dela detonou meus logogrifos e logomaquias, a perdoar as minhas derrotas e o que
viveu em mim e o que nunca vi, nem mais nem menos. Já não era insignificante no
auge do meu cansaço e nenhum entusiasmo, ela me dava de presente o outro lado
do brejo no quintal da infância. Até mais ver.
[...] a escola não é menos povoada de mitos e de ritos [...] Mas podemos observar, desde já, que a ação educativa,
menos do que qualquer outra, não poderia escapar ao império do sonho e do
imaginário. Por definição, poderíamos dizer: artífice do futuro para os jovens
que lhe são confiados, a educação teria como única tarefa despertar o desejo,
dar corpo ao sonho? Em face do adulto responsável por ela, a criança – ou o
adolescente – é esperança frágil e expectativa, para si mesma e para seus
próximos, e a ação educativa não teria outra meta a não ser ajudar a realizar
essas promessas... Essas ou outras, aliás! [...] De fato, em última instância, a própria criança é o ator
de sua educação: ninguém pode crescer, evoluir, aprender em seu lugar! O educador
é apenas um catalisador. [...].
Trechos extraídos da obra Avaliação escolar: mitos e realidades (Artmed, 2006), do filósofo e educador francês Michel
Barlow. Veja mais Educação & Livroterapia aqui e aqui.