TRÍPTICO DQP –- Da
arte vida... Imagens: Arte do artista visual &
poeta Tchello D’Barros, ao som do
tema
de Impressões Seresteiras, de Villa Lobos, com arranjo e adaptação
para violão de Silvio Santisteban. -
Geruzilda enviuvou ainda jovem, só lhe
restava o filho que era os pés da doida: todo mundo aparecia com reclamações
por conta das suas travessuras. Ao chamá-lo para a reprimenda, a cara mais lisa
dele amolecia o coração dela. Até que a parentalha pegou pesado. Ora, o menino
tinha os maus bofes do pai: Veja se não é, cagado e cuspido! A todo instante
ela conferia: parecia mesmo que o defunto esculpia nele todas as maledicências.
Ela entristeceu com isso: não havia nele nada dela, era incorrigível, puxava em
tudo ao pai. Encostada na desolação do canto da casa, guardava o sono dele. Eis
que aparece a madrinha, Gelcidália: Que é que há comadre? Ao tomar ciência de
tudo, olhou pro afilhado, virou-se para ela e parecia copiar o ocorrido d’O escultor invisível, do escritor
venezuelano Rómulo Gallegos
(1884-1969): - Que coisa tão esquisita! –
disse. – Você não reparou que esta criança tem duas caras? Uma quando está
acordado: cara de mau; outra, quando está adormecida. Então, parece-se muito
com você. Repare: é o seu vivo retrato quando era pequena. Aí ela animou-se:
É mesmo, comadre? Ora se é, anime-se. Pelo menos; então, tem jeito num tem? Sossegue,
é só um menino. E assim disse com aquele tom poético de Paulina Chiziane: A vida é
como a água, nunca esquece o seu caminho. A água vai para o céu, mas volta a
cair na terra. Vai para o subterrâneo, mas volta à superfície. A vida é um
eterno ir e voltar. O corpo é apenas uma carcaça onde a alma constrói a sua
morada... Pois é, a vida passa e ao mundo tudo se revela.
Ah, a vida imita a
arte sempre... - Essa foi a primeira entre as
colisões do Bidião com o padre Quiba. E se deu no dia em que a matriarca Maroca bateu as botas. Foi
assim: certa manhã lá ia o menino de calças curtas e seboseira nas ventas,
passando pela casarão da ricaça. Estranhou as portas abertas, pulou o muro,
roubou umas pitangas e foi entrando casa adentro. Procurou dos empregados e deu
com o lugar mais limpo. Ouviu um choramingado distante e seguiu procurando
onde, bateu pra todo lado e seguiu escadaria acima, até o quarto suntuosíssimo
da baronesa. Passou pela porta entreaberta e lá estava ela deitada na sua
enorme cama. Ao vê-lo chamou com um gesto de mão, pediu que se aproximasse e
com dificuldade disse para ele chamar o padre urgentemente. Que foi? Ela
insistia. Assim foi num pé e voltou no outro. Aboletou-se do lado dela: Vou
morrer, meu filho, cadê o padre que não chega para a extrema-unção. Depois de
horas chegou o vigário todo afobado, expulsando-o do ambiente. Saiu a
contragosto, sentou-se na escadaria e ali ficou matutando. Não demorou muito o
pároco saiu às pressas revirando tudo dentro da casa. Ao se livrar das passadas
avexadas do religioso, ele levantou-se e foi até ela que dava os últimos
suspiros. Ao percebê-la imóvel, resolveu ir embora e na saída o padre mandou-o
carregar uma poltrona velha e jogar no lixo. Tentou pegá-la e não conseguia de
tão pesada. Saiu e voltou com um carro-de-mão. Muito esforço para conduzir
aquela cadeira grandiosa. Até que conseguiu colocá-la sobre a sua condução e,
ao invés de sacudi-la, levou pro seu próprio quarto e aboletou-se como o barão.
Ali ficou ajeitando canto para ela. No outro dia seguiu pro enterro postando-se
na cabeceira do caixão. Nisso, percebeu que o olho da defunta abria e fechava.
Psiu! Era ela, estava viva. Foi conferir de perto e, antes que pudesse gritar,
ela sussurrou um segredo ao seu ouvido e, depois da revelação, morreu de vez. Seguiu
toda cerimonia até se certificar de que fora mesmo sepultada. Pronto,
acabou-se. Aquilo remoía sua cabeça e preferiu transparecer, ficando o resto da
tarde toda intrigado com o que ela disse. Chegou a noite, resolveu passear. Ao passar
pelo cinema estava em cartaz a comédia The Twelve Chairs (1970),
do Mel Brooks, anunciada como Banzé na Rússia. Juntou os trocados do
bolso e foi assistir. Não sabia ele que era uma entre as dezoito adaptações da
película de 1928, da dupla Ilya Ilf e Yevgeny
Petrov e que ganhara, inclusive, uma versão brasileira intitulada Treze cadeiras (1957), estrelada por Oscarito e produzido pela memorável
Atlântida. Olhos grudados na tela, bastaram as primeiras cenas: matou a
charada. No outro dia a cidade em peso acordava com um manuscrito embaixo da
porta: O padre Quiba surrupiou as poltronas da Maroca! Pense numa bronca!
Vidarte & vice-versa... - Ao desembarcar no aeroporto do Recife, oriundo do Rio de
Janeiro, ao invés de seguir o meu roteiro, fui levado por um desvio de
percurso, atendendo um pedido irrecusável: conhecer a arte da ceramista e
artesã Teresinha Gonzaga, lá no Alto
do Moura, em Caruaru. Gente! Diante daquilo tudo, fiquei sabendo que era de uma
família de louçeiros que vendiam peças utilitárias confeccionadas em barro,
para serem vendidas na feira da cidade, o que a fez iniciar no ofício desde
menina. Herdou o nome do marido artesão, substituindo o sobrenome familiar de
Gonçalves Simões, e junto com seus filhos expõe peças decorativas, figurativas
e utilitárias. Pense no monte de potes, jarras, panelas, pratos, luminárias,
bonecos de barro e o cotidiano nordestino. Tudo muito surpreendente. Acontece que,
ao mesmo tempo, sou contemplado com outra grata surpresa: a de conhecer a arte
da ativista-imersiva-poeta-baterista-jornalista, Brenda Marques Pena, que se assina sujeita coletiva multifacetária,
que me chegou com um mote bem glosado: O que podemos fazer é ter bastante paciência e aproveitar para ler
muito, fazer o que gosta em casa e também nos comunicarmos virtualmente. Nós
estamos separados por hora e quanto mais nos isolarmos agora, estaremos em
breve juntos. Aproveitemos para aprender com este momento que tem muitas lições
para a humanidade. Podemos aprimorar nós mesmos sempre. Seja solidário. Há
muita gente que precisa de apoio e uma ligação, um carinho, mesmo que virtual,
faz muita diferença! Curioso como sou, fiquei logo sabendo que
ela é a fundadiretora do Instituto
Imersão Latina (IMEL), do Círculo de Poetas e Narradores do Mercosul e da
Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil (AJEB), em Minas Gerais, afora
ser integrante dos coletivos de escrituras Migrante
e o Nós da Poesia. Não perdeu tempo
e me convidou para participar do Semanário
Latinoamericano, produzido e apresentado por ela e Raúl Larrosa,
no Imersão Migrante, em homenagem
aos 85 anos do Hermeto Pascoal, com
participação de Lucia Helena Issa (Rio de Janeiro/RJ), Alexandre Santos
(Recife/PE), Nelson Giles (São Lourenço/RS) e Izabel Gadelha (Acará/PA). Tudo muito
bom. Infelizmente não pude entrar ao vivo, mas a minha martelada Tataritaritatá
se fez presente, com a intervenção luxuosa do Tchello d’Barros. Muito obrigado,
beijabrações paratodos & até mais ver.