UM PARALELEPÍPEDO NO PEITO, OU ERA UMA VEZ UM
GRANDE AMOR - Ninguém
consegue entender o motivo daquela belezura de mulher achar de se enganchar logo
com o Sebruíno, aquele mesmo, vulgo Cezão. Logo ele, um ocrídio socó todo
malabanhado, quase um fora da lei de tanta embustice insuportável, cheio das
caretas, uma halitose braba, uma inhaca de sovaqueira e chulé, catingoso todo, uma
praga! O semiscarúnfio solerte tinha mais cabaço nas costas do que praga de
formiga atacando dentro de casa, e mantinha as descabaçadas - e as por serem
vitimadas - num reduto de saia perdida, harém ampliado todo dia, bastando
qualquer jeitosa cruzar o seu caminho, para passar o rodo e findar todo boquirroto
contando vitória. Oxe, bastou uma beldade ricaça dar mole para ele, o laido cabeça
de vento se assanhou todo e mandou ver, sonhando futuro espalhado a gozar do
bom e do melhor. Inacreditável mesmo. Logo ela que endoidou uma tuia de
marmanjo tudo acometido de uma paixonite incurável, de vistoso a boa praça,
tudo arreado na claque dos gamados nela. A mulher era um espetáculo, bote
calilogia: toda elegante e pra frente, libertária e resolvida, fogosa e
empiriquitada, aonde chegasse, via-se só o alvoroço de tão letífica e pasmosa. E
os dois lá no maior amasso, juras e acochos. O tetro libertino dava no couro e
na medida, já se via o roliúde de tão amoquecado. Danou-se na buraqueira e já
se adiantava dando ordens pros empregados, botando os cães para fora, tomando
os birinaites da melhor qualidade, nunca tinha visto aquilo, ora. Só se
preocupava com os dentes mal-acostumados que eram com as requintadas iguarias
na mesa abastada: Nunca viram isso, será que não vão cair? Ele antes só se
servia de lavagem ou do que sobrasse das cozinhadas frias fora de hora. Agora, no
maior repasto, regalava-se: tinha comida, roupa lavada, teto e luxo. Chega
impava e era cuidado, tratado, um dengo infeliz quando ela mencionava: Meu
brucutuzinho, venha cá, meu grande amorzinho! Por conta disso, passeavam pelos
jardins, praças e ruas no maior idílio. Ele peidando contra o vento só pra
sentir se a sua fedorência havia melhorado. E perguntava para si mesmo por não
ter o quê fazer: Como é que pode, hem? Ou essa mulher é doida, ou está cega da
silva. Ele se sabia franchão enjeitado, destituído de qualquer valor social, um
desastre de gente. E aquela boniteza toda, do lado dele, apaixonada por ele?
Não pode, só em sonho. Tanto que se beliscava para ver se era verdade. Eita!
Essa doeu. E lá ia ele todo ancho, mãos dadas, enamorados. Aí ele resolveu sua
vida: saiu de casa, dispensou todo mundo do seu plantel feminino, mudava de
calçada quando via as pariceiras de seu convívio anterior, fiel exclusivo, todo
na linha, o último-abencerrage. Bastou a lealdade para tudo virar de um tempo
pro outro: ao chegar no palacete, a diva estava virada. Botou-lhe para fora no
maior esculacho. Que foi que eu fiz? Ainda pergunta, salafrário? Saiu com uma
mão na frente e outra atrás, uma dor de corno da peste, roendo que só. Enfiou o
dente na cachaça a prantear larvado e palheirão por uns quinze dias encarreados.
Sofria que só de relar a venta no meio fio e findar na sarjeta. Virou poeta de água
doce de uma hora para outra, cometendo versos bregas que dilaceravam os cotovelos.
Lá ia todo macambúzio biritado, perdido altas horas, errando à toa. Cadê-lo?
Oxe, ontem mesmo foi encontrado estendido com um paralelepípedo enfiado no seu
coração esmagado. Eita, suicidou-se... Hem, hem, era uma vez um grande amor. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] Nem bem
amanhece, minha mãe se levanta e começa a cozinhar, depena a galinha e segura-a
sobre a chama do bico de gás. Minha mãe prefere comprar a galinha viva, pois a
carne é mais fresca. No hotel, ela mata a galinha no banheiro. Na hora do
abate, o cacarejo das galinhas é internacional, entendemos, não importa o
lugar. É proibido abater animais nos hotéis, ligamos o rádio, abrimos as
janelas e fazemos barulho. Não gosto de ver a galinha antes, senão, quero que
ela fique viva. O que não vai dar para a sopa acaba no vaso sanitário. Eu fico
com medo do vaso sanitário, de noite faço xixi na pia, dali eu sei que não vai
sair nenhuma galinha morta. [...] Em
cada nova cidade, cavo um buraco na terra em frente ao nosso trailer, coloco a
mão lá dentro, depois a cabeça, e escuto Deus, respirar e mastigar debaixo da
terra. Às vezes, tenho vontade de cavar até encontrá-lo, apesar de ter medo de
que ele me morda. Deus está sempre com muita fome. [...].
Trechos
da obra Por que a criança cozinha na
polenta (DBA, 2004), da escritora romena Aglaja Veteranyi (1962-2002). Veja mais aqui.
A MÚSICA ZSÓFIA BOROS
A música está transportando
energia e estou seguindo meu coração dependente da história que quero contar.
A liberdade começa para mim depois que eu inalo a música, do que posso exalá-lo.
Curtindo
os álbuns Evocacion (Preiser Records, 2005), Musibox (Preiser, 2008), Em outra parte
(ECM, 2013) e Objetos locais (ECM, 2016), da violonista tcheca Zsófia Boros. Veja mais aqui.
A ARTE
DE MACLAU DE MELO
Pintar murais eleva minh'alma para as estrelas lá de fora. Pintura mural
me expõe e compõe-me com outros.
A arte
da artista plástica Maclau de Mello.
Veja mais aqui.
A OBRA DE JEAN BAUDRILLARD
Nós somos apenas episodicamente condutores de sentido, no essencial e em
profundidade nós nos comportamos como massa, vivendo a maior parte do tempo num
modo pânico ou aleatório, aquém ou além do sentido.
A obra do
sociólogo e filósofo francês Jean Baudrillard (1929-2007) aqui, aqui,
aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.