DESTINO DO AMOR - Lá iam Paulinésio e Virginácia enamorados, suspirando
encantados entre as juras de amor eterno. Pareciam mais nascidos um para o
outro, coisa mais linda. Eles num passeio por distantes paisagens paradisíacas,
rostinhos colados, tão amáveis, amorantes: Minha nossa quanta formosura na
natureza! E sorriam leves e soltos, beijos e afagos. A certa altura da viagem,
deu-se o imprevisto. Ao despertarem, constataram: um acidente. E o pior: eles,
os únicos sobreviventes. Em derredor, a tragédia; e, à primeira vista, naquela
dramática situação, não havia como sair daquela desventura: estavam em apuros, prisioneiros
em uma cratera inóspita, entre morros sinistros e ínvio matagal. Saíram, então,
se recompondo e, de mãos dadas, olharam em todas as direções, havia de dar em
algum lugar. Passos e expectativas pela acidentada geografia intransitável:
escombros, obstáculos, lamaçal e nenhum pé de gente. Andaram por toda manhã por
encostas, ruínas, entre trovoadas e ventanias. Já passava do meio dia quando
ela arreou exausta, completamente fatigada. Vamos, não amoleça. Não aguento
mais, meus pés queimam, minhas pernas doem, estou com sede, exaurida. Não
esmoreça, vamos! Vá buscar socorro, eu fico aqui. Não, vamos juntos. Ela
começou a derramar um pranto atônito: E se aparecem animais terríveis e
ferozes, ou coisas do outro mundo para nos atormentar, a perna cabeluda, o
chupa-cabra, mortos vingadores! Não vamos desesperar! Tenho medo. Vamos! Estou assustada,
não consigo me mover! Vamos! Tentaram prosseguir, o Sol já descia no horizonte
quando ela entrou definitivamente em pânico. Ele fez de tudo para controlar o
paroxismo dela. Ele estava confiante, era o seu amor. Ela, por sua vez,
duvidava se havia qualquer possibilidade de saírem dali com vida, de tão
apavorada. Tentou reanimá-la, debalde. Então recorreu à fé: Façamos o seguinte,
uma jura, uma oração. Tá. Vou fazer uma prece e ao terminar, eu vou jogar uma
moeda e se der cara, a gente supera essa e se casa para sempre; se der coroa, que
a terra nos seja leve. Topa? Ele levantou-se e caçou nos bolsos por uma moeda.
Encontrou, foi até um canto e fez menção de rogar por forças ocultas. Ao
retornar, jogou a moeda para cima. Vupt! Olhou, abriu: deu cara! O universo
conspira a nosso favor. Vamos, respire fundo, a gente sairá dessa. E seguiram
noite adentro, e, não se sabe como, encontraram socorro providente. Estavam incrédulos
como haviam suplantado todas as adversidades, nem sabiam ao certo como
conseguiram, de tão surpresos: Foi um milagres dos céus! Ao chegarem, foram
saudades com festa em Alagoinhanduba. Aproveitaram a ocasião e, sequiosos por
melhor fortuna, marcaram casamento no civil, religioso e com a parentalha toda.
No dia aprazado, lá estavam eles festejando a cerimônia. Ela, feliz da vida,
olhou para ele e disse firme: Ninguém pode mudar a mão do destino! Não mesmo,
disse ele aos desposá-la jubiloso, escondendo as duas moedas coladas só com uma
face dos dois lados. O resto é com a vida. Não se pode dizer, ao certo, se
foram ou se estão felizes para sempre, evidentemente. O amor tem dessas coisas.
© Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] Após um instante, a mulher caminhou, com os
olhos baixos, outra vez na direção dele. Quando estava a apenas dois passos de
Sanshiro, erguei sutilmente a cabeça, fitando-o de frente. Seus olhos eram
tranquilos, com o contorno estreito e alongado, e as pálpebras superiores
delineadas por uma longa dobrinha transversal. [...] A mulher passou por ele. Sanshiro, ainda parado, observou atentamente a
silhueta que se distanciava. Ela chegou à bifurcação. No instante em que ia
dobrar, voltou-se ainda mais uma vez. Sanshiro ficou desconcertado por sentir
as faces lhe corarem. A mulher sorriu e fez um gesto com a cabeça como que
perguntando se era ali mesmo que devia dobrar. Sanshiro fez que sim. A silhueta
da mulher seguiu para a direita, escondendo-se atrás da parede branca.
[...] A mulher ainda lembrava. Sanshiro
ficou sem mais o que dizer. Como ela terminou dizendo “desculpe por aquele
dia”, ele encerrou com um breve “não foi nada”. Ambos olhavam os galhos da
cerejeira. Nas pontas da arvore restavam algumas folhas mordiscadas pelas
larvas. A bagagem da mudança do professor não chegava nunca. [...] Ela estava parada na escuridão. Via-se
apenas seu avental todo branco. Ainda com o balde na mão, Sanshiro subiu dois
ou três degraus. A mulher não se movia. Ele subiu mais dois degraus. Naquele
local lúgubre, os rostos de Sanshiro e de Mineko chegaram a uma distância de
apenas uns trinta centímetros um do outro. [...].
Trechos
da obra Sanshiro (Estação Liberdade,
2013), do escritor e filósofo japonês Natsume Soseki
(1867-1916). Veja mais aqui.
A MÚSICA CORALIE CLÉMENT
Se as letras são um pouco tristes, ao menos
que a música seja mais leve.
Curtindo
os álbuns L'ombre et la lumiere
(2001), Salle des Pas Perdus (2001),
Bye Bye Beauté (2005) e Toystore (2008), da cantora francesa Coralie
Clément, que possui um estilo
variado que vai desde o folk, chanson, jazz e bossa nova. Veja mais aqui.
A ARTE
DE ROBERTO PLOEG
Recife é uma mulher buchuda com um neném no
braço, apoiado no quadril (como a índia Tupinambá de Eckhout), e na mão uma
sacolinha de compras. Bucho de vida. Vida de aperreio e movimento retratada
frente à cidade que serpenteada por rios e banhada pelo sol, serena flutua no
mar. O flamboyant dá charme com sua folhagem fina e suas flores vermelhas.
A arte
do pintor holandês radicado em Pernambuco, Roberto Ploeg. Veja mais aqui.
A OBRA DE ARIANO SUASSUNA
Arte pra mim não é produto de mercado. Podem
me chamar de romântico. Arte pra mim é missão, vocação e festa. O sonho é que
leva a gente para a frente. Se a gente for seguir a razão, fica aquietado,
acomodado.
A obra do escritor e dramaturgo Ariano Suassuna
(1927-2014) aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.