segunda-feira, julho 22, 2019

ARIANO SUASSUNA, NATSUME SOSEKI, CORALIE CLÉMENT, ROBERTO PLOEG & DESTINO DO AMOR


DESTINO DO AMOR - Lá iam Paulinésio e Virginácia enamorados, suspirando encantados entre as juras de amor eterno. Pareciam mais nascidos um para o outro, coisa mais linda. Eles num passeio por distantes paisagens paradisíacas, rostinhos colados, tão amáveis, amorantes: Minha nossa quanta formosura na natureza! E sorriam leves e soltos, beijos e afagos. A certa altura da viagem, deu-se o imprevisto. Ao despertarem, constataram: um acidente. E o pior: eles, os únicos sobreviventes. Em derredor, a tragédia; e, à primeira vista, naquela dramática situação, não havia como sair daquela desventura: estavam em apuros, prisioneiros em uma cratera inóspita, entre morros sinistros e ínvio matagal. Saíram, então, se recompondo e, de mãos dadas, olharam em todas as direções, havia de dar em algum lugar. Passos e expectativas pela acidentada geografia intransitável: escombros, obstáculos, lamaçal e nenhum pé de gente. Andaram por toda manhã por encostas, ruínas, entre trovoadas e ventanias. Já passava do meio dia quando ela arreou exausta, completamente fatigada. Vamos, não amoleça. Não aguento mais, meus pés queimam, minhas pernas doem, estou com sede, exaurida. Não esmoreça, vamos! Vá buscar socorro, eu fico aqui. Não, vamos juntos. Ela começou a derramar um pranto atônito: E se aparecem animais terríveis e ferozes, ou coisas do outro mundo para nos atormentar, a perna cabeluda, o chupa-cabra, mortos vingadores! Não vamos desesperar! Tenho medo. Vamos! Estou assustada, não consigo me mover! Vamos! Tentaram prosseguir, o Sol já descia no horizonte quando ela entrou definitivamente em pânico. Ele fez de tudo para controlar o paroxismo dela. Ele estava confiante, era o seu amor. Ela, por sua vez, duvidava se havia qualquer possibilidade de saírem dali com vida, de tão apavorada. Tentou reanimá-la, debalde. Então recorreu à fé: Façamos o seguinte, uma jura, uma oração. Tá. Vou fazer uma prece e ao terminar, eu vou jogar uma moeda e se der cara, a gente supera essa e se casa para sempre; se der coroa, que a terra nos seja leve. Topa? Ele levantou-se e caçou nos bolsos por uma moeda. Encontrou, foi até um canto e fez menção de rogar por forças ocultas. Ao retornar, jogou a moeda para cima. Vupt! Olhou, abriu: deu cara! O universo conspira a nosso favor. Vamos, respire fundo, a gente sairá dessa. E seguiram noite adentro, e, não se sabe como, encontraram socorro providente. Estavam incrédulos como haviam suplantado todas as adversidades, nem sabiam ao certo como conseguiram, de tão surpresos: Foi um milagres dos céus! Ao chegarem, foram saudades com festa em Alagoinhanduba. Aproveitaram a ocasião e, sequiosos por melhor fortuna, marcaram casamento no civil, religioso e com a parentalha toda. No dia aprazado, lá estavam eles festejando a cerimônia. Ela, feliz da vida, olhou para ele e disse firme: Ninguém pode mudar a mão do destino! Não mesmo, disse ele aos desposá-la jubiloso, escondendo as duas moedas coladas só com uma face dos dois lados. O resto é com a vida. Não se pode dizer, ao certo, se foram ou se estão felizes para sempre, evidentemente. O amor tem dessas coisas. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

DITOS & DESDITOS:
[...] Após um instante, a mulher caminhou, com os olhos baixos, outra vez na direção dele. Quando estava a apenas dois passos de Sanshiro, erguei sutilmente a cabeça, fitando-o de frente. Seus olhos eram tranquilos, com o contorno estreito e alongado, e as pálpebras superiores delineadas por uma longa dobrinha transversal. [...] A mulher passou por ele. Sanshiro, ainda parado, observou atentamente a silhueta que se distanciava. Ela chegou à bifurcação. No instante em que ia dobrar, voltou-se ainda mais uma vez. Sanshiro ficou desconcertado por sentir as faces lhe corarem. A mulher sorriu e fez um gesto com a cabeça como que perguntando se era ali mesmo que devia dobrar. Sanshiro fez que sim. A silhueta da mulher seguiu para a direita, escondendo-se atrás da parede branca. [...] A mulher ainda lembrava. Sanshiro ficou sem mais o que dizer. Como ela terminou dizendo “desculpe por aquele dia”, ele encerrou com um breve “não foi nada”. Ambos olhavam os galhos da cerejeira. Nas pontas da arvore restavam algumas folhas mordiscadas pelas larvas. A bagagem da mudança do professor não chegava nunca. [...] Ela estava parada na escuridão. Via-se apenas seu avental todo branco. Ainda com o balde na mão, Sanshiro subiu dois ou três degraus. A mulher não se movia. Ele subiu mais dois degraus. Naquele local lúgubre, os rostos de Sanshiro e de Mineko chegaram a uma distância de apenas uns trinta centímetros um do outro. [...].
Trechos da obra Sanshiro (Estação Liberdade, 2013), do escritor e filósofo japonês Natsume Soseki (1867-1916). Veja mais aqui.

A MÚSICA CORALIE CLÉMENT
Se as letras são um pouco tristes, ao menos que a música seja mais leve.
Curtindo os álbuns L'ombre et la lumiere (2001), Salle des Pas Perdus (2001), Bye Bye Beauté (2005) e Toystore (2008), da cantora francesa Coralie Clément, que possui um estilo variado que vai desde o folk, chanson, jazz e bossa nova. Veja mais aqui.

A ARTE DE ROBERTO PLOEG
Recife é uma mulher buchuda com um neném no braço, apoiado no quadril (como a índia Tupinambá de Eckhout), e na mão uma sacolinha de compras. Bucho de vida. Vida de aperreio e movimento retratada frente à cidade que serpenteada por rios e banhada pelo sol, serena flutua no mar. O flamboyant dá charme com sua folhagem fina e suas flores vermelhas.
A arte do pintor holandês radicado em Pernambuco, Roberto Ploeg. Veja mais aqui.

A OBRA DE ARIANO SUASSUNA
Arte pra mim não é produto de mercado. Podem me chamar de romântico. Arte pra mim é missão, vocação e festa. O sonho é que leva a gente para a frente. Se a gente for seguir a razão, fica aquietado, acomodado.
A obra do escritor e dramaturgo Ariano Suassuna (1927-2014) aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.