MARQUINHOS CABRAL: DESDE MENINO SOLTO NA
BURAQUEIRA – A gente aprontou muitas e tantas no quintal lá de casa e
nos cômodos da casa dele durante toda nossa infância. Espalhafato de conversa
fiada, reinações de comer tempo e espaço, coisas do possível mais inventado que
se possa crer: a gente vivia além da conta mesmo. Da beira do rio os meus olhos
vermelhos na minha migração pra Letácio Montenegro – onde por conta de um leite
achocolatado no recreio do Grupo José Bezerra, fui acometido duma hepatite de
meses -, daí pro Caçotinho que era a Cohab, passando pelo Beco do Mijo – no
qual dei um mergulho indesejado de cima da casa na lavanderia entupida de
frascos -, Beco do Capim do namorico aprumado e jogadas de bola, Rua da Aurora,
Rua Nova até a Praça Ismael Gouveia, era mudando de endereço e de escola. E ele
lá, no mesmo endereço de sempre: a casa de Pai Lula & Carma, reduto de
nossas mais cabeludas presepadas. Adolescemos juntos: chulé, pigarros, lapadas
e trapalhadas. Tudo foi tão rápido que parece que foi ontem. Quando eu chegava
na casa dele, ele lá inquieto altas curtições: Beatles, João Gilberto &
Bossa Nova, David Bowie, Alice Cooper, Rolling Stones, Tropicália & dos
Mutantes, Woodstock, Bob Dylan & Joan Baez, Simon & Garfunkel, Elvys,
Elis, Frank Zappa, Led Zeppelin, do iê-iê-iê da Jovem Guarda, Quinteto Violado,
Banda de Pau e Corda, Tim Maia, maior salada com levada de tudo no meio das
mais diferentes e efervescentes tendências musicais, quantas linguagens e ele
incorporando de tudo no seu repertório pessoal, com seu microfone e plateia
invisíveis e eu solando uma guitarra imaginária do bucho acompanhando tudo. Ele
cantava tudo o que era de tons e sons, isso era década de 1970. E logo
escapuliu a cantar por aí, no tempo em que havia o predomínio dos bailes com os
sucessos do rádio, dos programas de auditórios, dos temas de novelas na época
dos vinis marcados pelas gravadoras e os jabás. Nem vi direito e ele já cantava
por aí, botando pra fora sua sensibilidade artística, participando de festivas
e feiras de música, imprimindo sua personalidade, uma voz diferente, um
performer afinado, ousado e cantando de tudo. Em um dado momento ele sumira,
dera uma de hippie e picara a mula mundo afora. Cadê-lo? Nem sinal. Quando dei
por mim, eu já estava em Recife e a gente se cruzando, trocando ideias e tons
durante toda a primeira metade dos anos 1980. De lá pra cá, uma ou outras
vezes, bebericando com pinoias, enterrando nossos mortos, ressurgindo a cada
dia, revivendo cada hora. Foi aí que veio a maior sacada: ele aprumou uma
parceria com Genésio Cavalcanti e Zé Linaldo de sair cada coisa bonita de nem
saber direito no meio de tantas qual melhor. O que vale de mesmo fica na
entrevista que se encontra mais abaixo, confira. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
RIO UNA
Lá vai o rio Una, vai correndo a galopar
Lá vai o rio Una, vai correndo para o mar
É que ele nasce pelas bandas de Capoeiras
Vai descendo as cachoeiras
Ligeiro que nem o vento
Chega em São Bento ele sorri de alegria
A correnteza tá dizendo
Se eu pudesse eu não descia
Vai descendo as cachoeiras
Ligeiro que nem o vento
Chega em São Bento ele sorri de alegria
A correnteza tá dizendo
Se eu pudesse eu não descia
Lá vai o rio Una, vai correndo a galopar
Lá vai o rio Una, vai correndo para o mar
Lá vai o rio Una, vai correndo para o mar
Pede licença e entra em Cachoeirinha
É quando vê quatro vaquinhas
Bebendo do seu produto
Se eu pudesse
Eu demorava um tiquinho
Mas vou passar em Altinho
Nem que seja um minuto
Chega em Altinho
Ele se alegra e se agita
Quando vê a moça bonita
Na barreira matutina
Para Agrestina ele corre com emoção
As águas batendo nas pedras
Até parece uma canção
É quando vê quatro vaquinhas
Bebendo do seu produto
Se eu pudesse
Eu demorava um tiquinho
Mas vou passar em Altinho
Nem que seja um minuto
Chega em Altinho
Ele se alegra e se agita
Quando vê a moça bonita
Na barreira matutina
Para Agrestina ele corre com emoção
As águas batendo nas pedras
Até parece uma canção
Lá vai o rio Una, vai correndo a galopar
Lá vai o rio Una, vai correndo para o mar
Lá vai o rio Una, vai correndo para o mar
Chega em Palmares
Ele mata a saudade
Passa dentro da cidade
Valente como um leão
Em Água Preta ele deixa de ser arisco
Respeita o padre Francisco
E pede a sua benção
Aí ele entristece
E bota pra chorar
Se despede de Barreiros
E emboca pra dentro do mar
Ele mata a saudade
Passa dentro da cidade
Valente como um leão
Em Água Preta ele deixa de ser arisco
Respeita o padre Francisco
E pede a sua benção
Aí ele entristece
E bota pra chorar
Se despede de Barreiros
E emboca pra dentro do mar
Música
extraída do álbum Meu Cantar
(Cactus/RCA, 1982), do cantor e compositor Jorge
de Altinho. Veja mais aqui e aqui .
RIO UNA
– A despeito da opinião dos entendidos,
que prognosticavam uma trovoada de maiores proporções para o dia seguinte, o
tempo amanheceu firme, sol quente de verão. Mas o povo em geral se mostrava
satisfeito, certo de que nem tão cedo faltaria água na cidade. O Una
transbordara, os açudes dos arredores estavam sangrando, as cisternas das casas
residenciais com o seu fornecimento garantido para muitos meses. Comentavam-se
nos cafés, nas barbearias, na farmácia, os estragos causados pela chuva.
Estragos, todavia, benfazejos, que a todos contentavam. [...] Trecho
extraído da obra Jutaí menino
(Bagaço, 1995), do escritor Gilvan Lemos (1928-2015). Veja mais aqui.
O FUTURO
DO HOMEM – Há muito distúrbio e corrupção
no mundo; as pessoas vivem extremamente perturbadas. É perigoso andar pelas
ruas. Quando falamos em estar livres do medo, queremos a liberdade exterior –
estar livres do caos, da anarquia, da ditadura. Mas nunca investigamos nem
queremos saber se há uma liberdade interior, uma mente livre. Essa liberdade é
real ou teórica? Consideramos o Estado como um obstáculo à liberdade. Os
comunistas e outros povos totalitaristas afirmam que não existe essa tal de
liberdade; o Estado, o governo, é a única autoridade. E estão suprimindo todas
as formas de liberdade. Que espécie de liberdade, portanto, querem? A externa?
Fora de nós? Ou a liberdade interior? Quando falamos de liberdade, trata-se de
liberdade de escolha entre este e aquele governo, aqui e lá, entre liberdade
exterior e interior? A psique interna sempre conquista o exterior. a psique,
isto é, a estrutura interior do homem (seus pensamentos, suas emoções,
ambições, ações, ganância) sempre conquista o exterior. assim, onde buscar a
liberdade? Podemos estar livres da nacionalidade que nos dá uma sensação de
segurança? Pode haver liberdade em relação a todas as superstições, dogmas e
religiões? Só poderá surgir uma nova civilização através da verdadeira
religião, e não através da superstição e do dogma nem das religiões
tradicionais. Trecho extraído da obra Sobre
a liberdade (Cultrix, 1991), do filósofo, escritor e educador indiano Jiddu
Krishnamurti (1895-1986). Veja mais aqui, aqui, aqui, & aqui.
DESENVOLVIMENTO & FATOR HUMANO - [...] o
desenvolvimento econômico, na forma em que ele se processa hoje em dia, é
essencialmente uma questão de criação e assimilação de progresso tecnológico.
Essa afirmação deveria ser completada por outra: o progresso tecnológico é
principalmente uma questão de qualidade do fator humano. Estamos aqui em face
do mais complexo de todos os problemas que coloca uma política de
desenvolvimento: melhorar o fator humano toma tempo e somente é possível se se
dispõe de matrizes adequadas. Abundantes estudos hoje disponíveis demonstram
que o nível de desenvolvimento de um país é função da massa de investimentos
incorporados no fator humano. Desta forma, o problema do progresso tecnológico
e o da melhor do fator humano, estarão sempre intimamente relacionados.
[...]. Trecho extraído da obra Um projeto
para o Brasil (Saga, 1968), do economista brasileiro Celso Furtado (1920-2004). Veja mais
aqui e aqui.
VIVER A
VIDA - Dizem
que o que todos procuramos é um sentido para a vida. Não penso que seja assim.
Penso que o que estamos procurando é uma experiência de estar vivos, de modo
que nossas experiências de vida, no plano puramente físico, tenham ressonância
no interior do nosso ser e da nossa realidade mais íntimos, de modo que
realmente sintamos o enlevo de estar vivos. [...] “Vá em frente, viva a sua vida, é uma boa
vida – você não precisa de mitologia”. Não acredito que se possa ter interesse
por um assunto só porque alguém diz que isso é importante. Acredito em ser
capturado pelo assunto, de uma maneira ou de outra. Mas você poderá descobrir
que, com uma introdução apropriada, o mito é capaz de capturá-lo. E então, o
que ele poderá fazer por você, caso o capture de fato? Um de nossos problemas,
hoje em dia , é que não estamos familiarizados com a literatura do espírito.
Estamos interessados nas notícias do dia e nos problemas do momento.
Antigamente, o campus de uma universidade era uma espécie de área
hermeticamente fechada, onde as notícias do dia não se chocavam com a atenção
que você dedicava à vida interior, nem com a magnífica herança humana que
recebemos de nossa grande tradição – Platão, Confúcio, o Buda, Goethe e outros,
que falam dos valores eternos, que têm a ver com o centro de nossas vidas.
Quando um dia você ficar velho e, tendo as necessidades imediatas todas
atendidas, então se voltar para a vida interior, aí bem, se você não souber
onde está ou o que é esse centro, você vai sofrer. As literaturas grega e
latina e a Bíblia costumavam fazer parte da educação de toda gente. Tendo sido
suprimidas, toda uma tradição de informação mitológica do Ocidente se perdeu.
Muitas histórias se conservavam, de hábito, na mente das pessoas. Quando a
história está em sua mente, você percebe sua relevância para com aquilo que
esteja acontecendo em sua vida. Isso dá perspectiva ao que lhe está
acontecendo. Com a perda disso, perdemos efetivamente algo, porque não possuímos
nada semelhante para pôr no lugar. Esses bocados de informação, provenientes
dos tempos antigos, que têm a ver com os temas que sempre deram sustentação à
vida humana, que construíram civilizações e enformaram religiões através dos
séculos, têm a ver com os profundos problemas interiores, com os profundos
mistérios, com os profundos limiares da travessia, e se você não souber o que
dizem os sinais ao longo do caminho, terá de produzi-los por sua conta. Mas
assim que for apanhado pelo assunto, haverá um tal senso de informação, de uma
ou outra dessas tradições, de uma espécie tão profunda, tão rica e vivificadora,
que você não quererá abrir mão dele.[...].
Trechos extraídos da obra O poder do mito
(Palas Athena, 1990), do estudioso estadunidense de mitologia e religião
comparada Joseph Campbell (1904-1987), também autor da obra Mito e transformação (Ágora, 2008), nos
quais defende que “o individuo precisa
aprender a viver pelo seu próprio mito, o caminho para encontrar o seu mito é
encontrar o seu entusiasmo”.
AS
AMIZADES - [...] E eu fico apenas a
refletir que as amizades políticas são sempre e naturalmente passageiras. Mas
as que se firmaram sobre um ideal, no serviço de uma casa nobre, vão buscar, na
eternidade de seus motivos, a força e a sobrevivência, que os interesses
humanos não sabem e não podem encontrar. Trecho de Por amor às crianças pernambucanas (Jornal do Brasil, 23/11/1969),
extraído da obra Assuntos pernambucanos
(Tempo Brasileiro/Fundarpe, 1986), do jornalista, advogado, escritor, historiador
e ensaísta Barbosa Lima Sobrinho (1897-2000).
AS
MULHERES, SEMPRE POR CIMA - Ainda que as
acusações continuem apontando-nos como execráveis porcos chauvinistas, nós, com
o cavalheirismo que o tempo nos ensinou, estamos sempre apoiando a mulher (da
alta classe média) e tudo que ela representa em sua luta destemida em prol de
não sabemos lá o quê. [...] Você
ainda gosta de mulher? [...] Millôr
Fernandes, jornalista, idade indefinível. Ex-praticante de tiro ao alvo sobre
alvos vivos, na Argélia: “Como sexo, as mulheres são insuportáveis. Mas na hora
do sexo não tem nada melhor”. Quando cara diz que fala por experiência é porque
ainda não adquiriu a experiência pra calar a boca. [...] O ideal de nossos governantes é um cavalo
que chegue em primeiro sem fazer cocô. [...] Há muitas formas de ser útil ao país. Uma delas é se locupletar
discretamente. [...]. Trechos extraídos da obra Que país é este? (Nordica, 1978), do desenhista, humorista, dramaturgo, escritor, tradutor e
jornalista Millôr Fernandes
(1923-2012). Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.
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ENTREVISTA MARQUINHOS CABRAL
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a entrevista & arte de Marquinhos Cabral aqui.