ETERNO RETORNO – Quantas
vezes ao amanhecer saí de casa na trilha do sol sem saber pra onde, lugar algum
na ideia e a zanzar equilibrista do tempo pra voltar ao crepúsculo e me recolher
à escuridão, quem não esteve inúmeras vezes perdido sem saber se ia ou voltava
optando pro retorno cabisbaixo, o mesmo percurso sempre de volta ao útero pra
me agasalhar, terra pra deitar a cabeça, chão pra esquentar o frio. Muitas e
tantas vezes acordei sobressaltado, entre compromissos e pesadelos, sempre
perdi a hora, desvirando a ampulheta e a vida inteira para seguir o curso
regular do mundo, entre dores e prazeres, entre o choro e a derrisão, o
patético e o risível, o arcaico e o inédito, o tímido e o insolente, não sei, meia
noite, meio dia, tudo meio a meio, cada qual sua infâmia execrável. Pelas
buscas nos caminhos muitos das tantas opções, quantas vezes me deparei com
todas as quartas e quintas intenções a romper o mais profundo segredo, como
acerto de contas pra me reconciliar com o passado e seguir em frente pronde der.
Até agora, desconfio que me surjam a qualquer momento outros antípodas ou
antagônicos, que venham, penso tanta coisa que nem sei, talvez seja um meio
pensamento que subjaz das minhas cavernas mais remotas só para me atormentar e
eu sei, vou superar. Ser-me uma questão aberta é o que quero, o vazio na cabala
das minhas ideias com a insidia do impostor, como quem já anestesiado da dor
parte pra vingança de viver o instante como se tudo se repetisse sem cessar ao
eterno retorno e refaço-me na agonia de não mais ser-me como antes, outro
agora, a vida revirada aos hecatombes. Aprendi que artista é aquele que olha o
passado, pula academia, suja-se na terra e segue em frente sem futuro. É
evidente que chore e se envergonhe muitas vezes de si mesmo, eu também chorei olhando
pra frente: funâmbulo sobre vigas-mestras em falso. Quem sabe, um nômade que
corre todos os riscos, como se fosse Édipo decapitado pela própria crença dos
pecados, como se a culpa fosse a presença inexorável da morte de plantão,
vigilante e eu nem ligo, me esqueço do mundo, sem testemunhas nem espectadores
pro meu monólogo, como se amputado todos os meus membros e órgãos, servido por
próteses defeituosas e me fizesse o outro que sou meu próprio juiz e algoz e a
minha incompletude, talvez, tudo e nada disso, mesmo que minhas palavras sejam
abissais, o meu poema definitivo, para que eu me cale com o silêncio de um
palco vazio. © Luiz Alberto Machado.
Direitos reservados. Veja mais aqui.
BIBLIOTECA PÚBLICA FENELON BARRETO
A
simpática equipe de funcionários da Biblioteca
Pública Municipal Fenelon Barreto, em Palmares – PE, comandada por João
Paulo. Veja mais aqui e aqui.
A
EDUCAÇÃO NO BRASIL – [...] O Brasil tem
como grande desgraça a ser combatida a pseudo-autoridade do “medalhão”. O
“medalhão”m homem de “pose”, dado à “intelectualidade”, falador e gesticulador,
dizendo coisas floridas e ocas, tem sido nosso pior inimigo em política, em
literatura, em arte, em ciência, em administração. [...]. Trecho extraído
da obra Crônicas de educação (Nova Fronteira,
2001), da
escritora, pintora, professora e
jornalista Cecília Meireles (1901-1964). Veja mais aqui e aqui.
MANIFESTO
NEOCONCRETO –
[...] Não
concebemos a obra de arte nem como “máquina” nem como “objeto”, mas como um
“quase-corpus”, isto é, um ser que, decomponível em partes pela análise, só se
dá plenamente à abordagem direta, fenomenológica. Acreditamos que a obra de arte supera o
mecanismo material sobre o qual repousa, não por alguma virtude extraterrena:
supera-o por transcender essas relações mecânicas (que a Gestalt objetiva) e
por criar para si uma significação tácita (M. Pority) que emerge nela pela primeira
vez. Se tivéssemos que buscar um símile para a obra de arte, não o poderíamos
encontrar, portanto, nem na máquina nem no objeto tomados objetivamente, mas,
como S. Lanoer e W. Wleidlé, nos organismos vivos. Essa comparação, entretanto,
ainda não bastaria para expressar a realidade específica do, organismo
estético. É porque a obra de arte não se limita a ocupar um lugar no espaço
objetivo – mas o transcende ao fundar nele uma significação nova - que as
noções objetivas de tempo, espaço, forma, estrutura, cor etc não são
suficientes para compreender a obra de arte, para dar conta de sua “realidade”.
A dificuldade de uma terminologia precisa para exprimir um mundo que não se
rende a noções levou a crítica de arte ao uso indiscriminado de palavras que
traem a complexidade da obra criada. A influência da tecnologia e da ciência
também aqui se manifestou, a ponto de hoje, invertendo-se os papéis, certos
artistas, ofuscados por essa terminologia, tentarem fazer arte partindo dessas noções
objetivas para aplicá-las como método criativo. Inevitavelmente, os artistas
que assim procedem apenas ilustram noções a priori, limitados que estão por um
método que já lhes prescreve, de antemão, o resultado do trabalho. Furtando-se
à criação espontânea, intuitiva, reduzindo-se a um corpo objetivo num espaço
objetivo, o artista concreto racionalista, com seus quadros, apenas solicita de
si e do espectador uma reação de estímulo e reflexo: fala ao olho como instrumento
e não olho como um modo humano de ter o mundo e se dar a ele; fala ao olho-máquina
e não ao olho-corpo. É
porque a obra de arte transcende o espaço mecânico que, nela, as noções de causa
e efeito perdem qualquer validez, e as noções de tempo, espaço, forma, cor
estão de tal modo integradas - pelo fato mesmo de que não preexistiam, como
noções, à obra - que seria impossível falar delas como de termos decomponíveis.
A arte neoconcreta, afirmando a integração absoluta desses elementos, acredita
que o vocabulário “geométrico” que utiliza pode assumir a expressão de realidades
humanas complexas, tal como o provam muitas das obras de Mondrian, Malevitch, Pevsner,
Gabo, Sofia Taueber-Arp etc. Se mesmo esses artistas às vezes confundiam o
conceito de forma-mecânica com o de forma-expressiva, urge esclarecer que, na
linguagem da arte, as formas ditas geométricas perdem o caráter objetivo da
geometria para se fazerem veículo da imaginação. [...] Trecho
do Manifesto Neoconcreto (1959), assinado por Ferreira
Gullar, Amílcar de Castro, Franz Weissmann, Lygia Clark, Lygia
Pape, Reynaldo Jardim & Theon Spanúdis.
MAS
ANTES QUE SE ACABE – Mas antes que se
acabe / toda essa felicidade, perde-a, detendo-a, / toma-lhe a medida, antes
que ela ultrapasse o teu gesto; / ultrapassa-a, / ver se ela cabe estendida em
tua extensão. / Bem lhe sei pela chave, / conquanto não saiba, às vezes, se
esta felicidade / anda só, apoiada em teu infortúnio, / ou se vibra, só para te
dar gosto, em tuas falanges. / Bem a sei única, sozinha, / de uma sabedoria solitária.
/ Em tua orelha a cartilagem está bela / e te escrevo por isso, te medito: /
não te esqueças, em teu sonho, de pensar que és feliz, / que a felicidade é uma
coisa profunda, quando acaba, / mas quando começa, assume / um católico aroma
de haste morta. / Mofando de tua morte, / o chapéu até as orelhas, / alvo, te
desvias ao ganhar tua batalha de escadas, / soldado do talo, filosofo do grão,
mecânico do sonho. / (Me percebes, animal?) / me deixo comparar por meu
tamanho? / Não respondes e me olhas silencioso / através da idade da tua
palavra.) / Desviando assim tua felicidade, tua língua / voltará a chamá-la, a
despedi-la, ; felicidade tão desgraçada de durar. / Antes, se acabará
violentamente, / dentada, pedernalina estampa, / e então ouvirás como medito, /
e então saberás, ao tocá-la, como a tua sombra / é esta minha sombra desvestida
/ e então farejarás como eu sofri. Poema Mas antes que se acabe dos Poemas
Humanos (1932-1937), extraídos da Poesia
completa (Philobiblion, 1984), do poeta
vanguardista e dramaturgo peruano César Vallejo (1892-1938). Veja mais
aqui.
AS PENAS
DO MUNDO - [...] A poesia, sempre
arraigada na dor que subjaz aos enganos da clarividência, pode surgir, de
repente, da simples alteração do sentido comum de uma palavra ou de uma imagem
e gerar desordens consideráveis em qualquer tipo de situação, porque, no fundo,
a poesia sempre foi uma arma eficaz para desmantelar a pasmaceira semântica que
se instala, com excessiva freqüência, no cérebro humano quando este se defronta
com qualquer evento que não se encaixa no habitar da normalidade. Os atentados poéticos,
contudo, não têm o objetivo de aniquilar pessoas nem demolir edifícios. Mesmo
sendo agressivos, eles afetam exclusivamente o engessamento das linguagens, a
rigidez e a intransigência dos códigos fortes inventados pelos seres ditos
racionais para fixar fronteiras em arrogantes cartografias. As rupturas
poéticas, por conseguinte, rumam na direção dessa inteireza planetária que se
vislumbra, desde o tempo em que nossos mais remotos ancestrais escreviam signos
rudimentares, nos sentimentos limpos que se moldavam nos favos da colméia de
uma identidade primordial. Desfeita tal colméia e rotulados os restos que dela
ficaram com as palavras “teu” e “meu”, os processos de comunicação se tornaram
cada vez mais complexos e neles se presevaram resíduos de certas hecatombes que
se opõem à poesia deixando amargo sabor de que a dor, como confessa César
Vallejo em Poemas Humanos, cresce no mundo a cada instante, cresce em
velocidade de trinta minutos por segundos [...]. Trechos do artigo As penas do mundo (Bravo, nov-2001), de Eduardo Peñuela Canizal.
O TERROR
DAS FÁBULAS - [...] Se observarmos o uso
comum das palavras, logo nos damos conta de que a palavra mito sobrevive
principalmente em duas acepções. De um lado, a que remete a um absoluto, a algo
de prodigioso além do qual não se pode ir. É nisso que pensa o publicitário
quanto escolhe a expressão “O mito integral” para designar o carro a ser
glorificado. “Mítico”, aqui, é portanto algo envolto pela aura do extremo. O
segundo significado é bem o oposto: por todos os lados vemos cercados por
pessoas que declaram não acreditar no “mito” de alguma coisa, que combatem e o
condenam ao desprezo publico. Aqui mito assume simplesmente o significado de
“mentira”: uma mentira geralmente imaginosa, acompanhada de algo pathos, que a
mente livre deve afastar e derrotar. Por trás da banalidade desoladora dessas
duas acepções da palavra mito, creio que se oculte uma longa história, tudo
menos banal. Melhor, diria que nela se escancara a própria voragem da história.
[...] o mito é justamente um conhecimento
do simulacro através do simulacro. O relato mítico não só não se opõe ao
“oceano infinito da dessemelhança”, mas parece exaltá-lo, como se pudesse
ultrapassar a barreira variada do aparecer. [...] O primeiro sintoma do terror das fábulas foi assim a elaboração de uma
certa reconstrução teórica de sua origem. A função de tal pratica exorcista era
primeiramente obliterar o fato de que o próprio mito nascia como uma teoria
omnicompreensiva e auto-suficiente. [...] os perigos da imitação: as histórias míticas, por sua natureza, induzem
a alma a imitá0las, como se pertencessem inevitavelmente à circulação dos
simulacros. [...] os gestos dos mitos
sejam modelos para as ações humanas nos é assegurado, pela primeira vez, na Ilíada.
[...] quando observamos ao nosso redor o
espetáculo do mundo, já nos encontramos dentro de um mito. [...] Aquelas histórias são uma paisagem, são a
nossa paisagem, simulacros hostis e convidativos que ninguém inventou, que
continuamos a encontrar, que de nós esperam somente serem reconhecidos. Assim,
agora podemos confessar-nos o que era, o que é aquele antigo terror que as
fabulas continuam a incutir. Não é nada diferente do terror que é o primeiro
dentre todos: o terror do mundo, o terror perante seu enigma mudo, enganador,
opressivo. Terror diante deste lugar da metamorfose perene, da epifania, que
inclui primeiro nossa mente, onde assistimos sem trégua à dança dos simulacros.
[...] é o próprio mito que já nos
interpreta [...]. Trechos
de O terror das fábulas, extraída da
obra Os 49 degraus (Companhia das
Letras, 1997) do
escritor e ensaísta italiano Roberto Calasso. Veja mais aqui.
OS VIVOS
E OS MORTOS – Uma vez, passando Jesus por
um campo de sepulturas, encontrou um jovem estava de joelhos e chorava junto a
uma delas. Ao vê-lo, Jesus se compadeceu da sua dor e, aproximando-se,
disse-lhe: - Jovem, por que choras? Voltando-se, o jovem estendeu a mão e respondeu:
- Minha mãe está aqui há três dias. – Não, meu filho – disse-lhe Jesus – tua
mãe não está aqui. aqui só estão depositados todos os despojos últimos que ela
abandonou. Por que choras, pois, sobre esses despojos? Levanta-te, caminha, que
tua mãe te espera. O desesperado jovem moveu tristemente a cabeça e disse: -
Não, esperarei aqui até que venha a morte, e ela virá. Então, eu o sei, irei
reunir-me à minha mãe. Replicou Jesus: - A morte espera a morte e a vida vai em
busca da vida! Não entristeças com uma dor egoísta e estéril a alma daquela que
te precedeu; não retardes a sua marcha para com Deus com teu desespero e com a
tua inércia. O amor de tua mãe vive ainda em seu coração e tu não o perderás
nunca se o fizerdes viver dignamente em ti. Jovem, em vez de chorares a tua
mãe, ressuscita-a! não me olhes com admiração, nem julgues que me divirto com
tua dor. Aquela cuja perda lamentas, está sempre perto de ti; um dos véus que
separava as vossas almas acaba de cair; ficou ainda um, entretanto. E estais separado
hoje unicamente por este véu, deveis viver um para o outro. Tu trabalharás para
ela, e ela rogará por tu. – Como trabalharei para ela? – perguntou o órfão. –
Agora que ela está debaixo da terra, não tem mais necessidade de coisa alguma.
– Enganas-te, meu filho – disse Jesus. Tu confundes a alma com o vestuário. Por
isso digo-te: levanta-te e caminha, porque a alma de tua mãe se levantará e
caminhará contigo, e tu a ressuscitará em ti, frutificando o seu pensamento e o
seu amor. Ela tem um corpo na Terra – é o teu. Tu tens uma alma no Céu – é a
dela. Se este corpo e esta alma caminharem juntos, tua mãe reviverá.
Acredita-me, filho, o pensamento e o amor não morrem nunca e aqueles que tu
supões mortos, vivem mais do que pensas e cada vez mais se amam. Filho, os
verdadeiros mortos são aqueles que não pensam e não amam, pois trabalham para a
corrupção, e a corrupção por sua vez os consumirá. O jovem, então, levantou-se,
suas lágrimas cessaram de correr e ele contemplou a face do Cristo, cujos olhos
eram resplandecentes de imortalidade. Tomando o jovem pela mão, disse Jesus: -
Vem. O Cristo conduziu o jovem ao alto de uma colina, que dominava a cidade e
de onde esta podia ser vista. E disse: - Contempla, filho, a verdade cidade das
sepulturas. Lá, nesses palácios que entristecem os horizontes é que estão os
mortos que necessitam ser chorados. Moço que choravas e cujas lagrimas
secaram-se ante as minhas palavras, chora e sofre agora por esses mortos. Sofre
por aqueles que se julgam vivos e que não passam de cadáveres atormentados.
Jovem, mantém-te disposto e cuida para não morrer da verdadeira morte, que hoje
te mostro! Vive para aqueles a quem amas e não chores por aqueles que tenham
alcançado mais um grau na escala da vida. Choras, antes, pelos que não pensam
em ti e não te amam. Em verdade te digo, que a humanidade não tem mais do que
um corpo e uma alma. Um membro que há não é sensível ao bem-estar e à dor dos
outros membros, está em verdade morto, e será suprimido em breve. Texto Os vivos e os mortos (Lótus Branco, 1917), do escritor e ocultista francês Eliphas Lévi
(1810-1875).
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A LITERATURA DE SOCORO DURÁN
Para amar uma terra,
É preciso conhecer suas raízes,
Ver com o olhar do coração
E enxergar com a alma
Os tesouros ao seu lado,
Às vezes despercebidos.
Sobretudo respeitar seu povo,
Sua identidade,
Valores e tradições.
Extraído
da obra O casamento da Doida do Bambu com
o Neguinho do Tibungo (Autor, 2016), da escritora e professora Maria do Socorro Barros y Durán. Veja
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