UM PASSO & A VIDA – Imagem: Peacock Garden, do pintor inglês Walter Crane (1845-1915).- Um passo e o
passado fez destino pra lugar nenhum. Minha vida salta algibeira afora voo solto
do tronco familiar, na marcha agitada e veloz das inquietações: chegada ou
partida? Cada passada, novas charadas; e a execução de tarefas fossem parábolas
incompreensíveis que alertavam não poder parar no meio do caminho. As
divagações levam pra fuga pelo asfalto paralelo das trilhas e das linhas
férreas, rotas estelares, marítimas, pegadas nas ruas com seus aclives e
declives que se bifurcam pra tantos que vão longe e eu sem saber ao certo com
nenhuma premonição, a me ver sozinho restando telhados, lembranças, memórias de
ontem. Uma cobra morde o rabo, uma corda sem fim e não resignei ao dobrar a
esquina, o vaivém de labirintos pelos cursos d’águas e ferrugem nas mãos pelas
horas, minutos, segundos e ziguezague: é a vida. Sigo sem direção até o jardim
da morada tão calma e tão luminosa de Epicuro, na deidade de Lucrécio a me
dizer que os espartanos preferiam ser sacrificados porque sabiam da liberdade e
eu vox clamantis in deserto. Vejo
tudo ao redor e de volta um passo a mais e o tropeço no insólito esfuziante,
olhos grandes pra tudo, sem tédio, culpa ou angústia. Uma topada e o ourives
Josse aconselhava uma guarnição de diamantes enquanto o tapeceiro Guillaume
sugeria a compra de tapetes novos pra Sganarelle que lamentava ver sua filha
Lucinda definhando de amores por Clitandro, um reles que não valia um tostão
furado aos olhos dele, ah, sussurrava entre dentes, da Eneida de Virgilio, varium et mutable semper femina,
arremedando da Ifigênia da Táurida de Eurípedes, a inconstância delas que eu
quero pra mim bem fundo no coração. É que estou sozinho de tudo, um passo a
mais e outro na corda bamba o fio condutor pela teia pra cair no mundo, On the road, com todas as vitórias do
rei Pirro: outra dessa e estaria perdido! Um passo em falso e tudo desmorona
até Alice me chamar, perguntando pro Gato de Cheshire: qual a estrada correta a
se tomar? E ele: pra onde que ir? Qualquer lugar, ah, qualquer caminho serve
para quem não sabe aonde quer ir. Quantas direções pra pular no escuro como
quem mergulha no imprevisível, sequer sabia eu se pronto pra aventura, se corda
no pescoço pelo cadafalso, se camisa de força no meio da lucidez, se passarela
insegura, aprendi do provérbio chinês: uma jornada de mil quilômetros começa
com um único passo! Pronde tu vai, menino? Qual Sandburg: Não sei aonde estou indo, mas estou caminhando. Vai com Deus. Vou. Onde
me abrigar? Se delirando esperas setentrionais acompanhando o ritmo fenomenal
dos acontecimentos, como quem espreita o perigo iminente na beira da rodovia, o
acostamento escorregadio. Eu livrava a queda sem ter a menor ideia do que
estava prestes a ocorrer, sem escala, deslizando, sem cogitar de nada ou
qualquer fala alta noite pelas quebradas, avante, tochas acesas na silhueta do
arrabalde e de carona pelos redemoinhos nas pegadas das estrelas e a trepidação
do vento na linha do horizonte. Mãos esfregando as vistas pra enxergar faróis
pelas chapadas e o barranco, vou de carona pelo tráfego até o retorno dos
redemoinhos, corre-corre pelo capim verde a segurar o feixe de sonhos, zum!
Portas abertas da clausura e a rua escura, roda mundo a bola rola peão e empina
papagaio que o peixe é bom e barato, zás! Pernas pra que te quero! Quantos
desvios, atalhos, infatigável andarilho se dando ao trabalho de buscar
vestígios ao meio dia, interstícios da tarde, incansável peregrino entre
trajetórias e torvelinhos com intrincados enigmas com seus fedores de mofo,
inextricáveis estigmas das terras dilatadas na gaveta aberta, diversas e todas
as alternativas, todas de uma vez, uma só escolha, apenas uma e agora, a opção,
uni, duni, tê, todas ou nenhuma, ah, vai chupar dedo, só descaminhos, qual
desfecho? Desenlaces. E um passo, já voltou, foi? Outro passo e a eternidade. Ouvi
Krishnamurti: o primeiro passo é o único
passo! Deus nos abençoe, porque quando a morte sobrevém, nenhum passo a
mais, todas as direções e os pés no chão. De lugar nenhum qualquer caminho e
aprender a lição de cada chegada e novo recomeço, caminhar é viver. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados.
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Ilustration
from the faerie queene, do pintor inglês Walter Crane (1845-1915)
MÁXIMAS
PRINCIPAIS DAS OITENTA SENTENÇAS DE EPICURO – [...] Antes de mais, nada provém do nada, pois que então tudo nasceria sem
necessidade de sementes. E, se te dissolvesse no nada tudo o que desaparece,
todas as coisas seriam destruídas, anulando-se as partes nas quais se
decompunham. E também é certo que o todo foi sempre tal como é agora e será
sempre assim, pois nada existe nele que possa mudar-se. Com efeito, mais além
do todo não existe nada que penetrando nele produza a sua transformação. [...]
Então quem obedece à natureza e não às
vãs opiniões a si próprio se basta em todos os casos. Com efeito, para o que é
suficiente por natureza, toda a aquisição é riqueza, mas por comparação com o
infinito dos desejos, até a maior riqueza é pobreza. [...] Não são os convites e as festas contínuas,
nem a posse de meninos ou de mulheres, nem de peixes, nem de todas as outras
coisas que pode oferecer uma suntuosa mesa, que tornam agradável a vida, mas
sim o sóbrio raciocínio que procura as causas de toda a escolha e de toda a
repulsa e põe de lado as opiniões que motivam que a maior perturbação se
apodere dos espíritos. De todas estas coisas, o princípio e o maior bem é a
prudência, da qual nascem todas as outras virtudes; ela nos ensina que não é
possível viver agradavelmente sem sabedoria, beleza e justiça, nem possuir
sabedoria, beleza e justiça sem doçura. As virtudes encontram-se por sua
natureza ligadas à vida feliz, e a vida feliz é inseparável delas. A justiça
não tem existência por si própria, mas sempre se encontra nas relações
recíprocas, em qualquer tempo e lugar em que exista um pacto de não produzir
nem sofrer dano. [...] As leis
existem para os sábios, não para impedir que cometam, mas para impedir que
recebam injustiça. [...] A natureza,
única para todos os seres, não fez os homens nobres ou ignóbeis, mas sim a suas
ações e as disposições de espírito. [...] O sábio que se pôs à prova nas necessidades da vida, melhor sabe dar
generosamente que receber: tão grande é o tesouro da íntima segurança e
independência dos desejos que em si possui. [...]. Trechos extraídos da
obra Máximas principais (Abril,
1980), do filósofo grego Epicuro de Samos (341-271aC). Veja mais aqui.
CONSCIÊNCIA
PELO MOVIMENTO
– [...] Nós agimos de acordo com a nossa
autoimagem. Esta, que por sua vez governa todos os nossos atos, é condicionada
em graus diferentes por três fatores: hereditariedade, educação e autoeducação.
[...] Trecho extraído da obra Consciência
pelo movimento (Summus, 1977), do engenheiro israelense Moshé
Feldenkrais (1904-1984),
fundador do método que visa a melhoria do funcionamento humano, aumentando a
autoconsciência através do movimento, defendendo que o pensamento, o sentimento, a
percepção e o movimento estão estreitamente inter-relacionados e influenciam-se.
DIREITOS
DA MULHER
– [...] os direitos reprodutivos parecem
realmente constituir-se numa quarta geração de direitos – ao lado dos direitos
civis, politicos e sociais – a partir do momento em que se resolve adotar uma
visão paritária da sociedade. Com efeito, a integração da perspectiva de gênero
na análise do social nos leva, tanto do ponto de vista epistemológico quanto
democrático, a considerar uma cidadania que seria modulável, a depender dos
sujeitos que a assumissem, particularmente em matéria de direitos reprodutivos.
Tratar-se-ia, então, de uma cidadania que fugiria ao atual quadro
“assimilacionista” para entrar em outro quadro, no qual a essência particularista
da universalidade seria do interesse e da responsabilidade de todos. Mas, antes
que essa cidadania tenha condições de se tornar efetiva, é preciso garantir
suas condições de existência. [...] Pois
o alastramento da pobreza – em particular daquela que está marginalizando um
numero cada vez maior de mulheres – é revelador de uma sociedade em que parecem
permanecer as representações culturais de uma tradição hierárquica, formando um
modelo de sociabilidade que torna difícil a construção de um princípio de
reciprocidade, principio que atribui ao outro o status de sujeito com
interesses reconhecidos e direitos legítimos. Essas representações, que
confortam uma pobreza hoje despojada de qualquer dimensão ética, engendram uma
incivilidade que permeia toda a vida social brasileira e está enraizada num
imaginário tenas, na qual a pobreza representa igualmente uma marca de
inferioridade e um modo de ser que parece tornar os indivíduos incapazes de
exercerem suas responsabilidades e direitos. O paradoxo reside, com efeito, num
modelo de cidadania que considera a justiça como um dever do Estado, porém
elimina, ao mesmo tempo, os efeitos igualitários de certos direitos,
reproduzindo na esfera social as desigualdades, hierarquias e outras exclusões,
em particular das mulheres. [...]. Trechos extraídos do artigo Os direitos reprodutivos: rumo a uma quarta
geração de direitos (SOS Corpo, Gênero e Cidadania, 1997), de Bérengére
Marques-Pereira
e Alain Carrier. Veja mais aqui.
PESQUISA
CIENTÍFICA
– A pesquisa científica objetiva
fundamentalmente contribuir para a evolução do conhecimento em todos os
setores, da ciência pura, ou aplicada; da matemática ou da agricultura, da
tecnologia ou da literatura. Ora, tais pesquisas são sistematicamente
planejadas e levadas a efeito segundo critérios rigorosos de processamento das
informações. Será chamada de pesquisa se sua realização for objeto de
investigação planejada, desenvolvida e redigida conforme normas metodológicas
consagradas pela ciência. [...] Objetivamente,
a pesquisa científica divide-se em pura e aplicada, e sua finalidade principal
é concorrer para o progresso da ciência. [...].Trechos extraídos do livro Redação científica: a prática de
fichamentos, resumos, resenhas (Atlas, 2007), de João
Bosco Medeiros.
Veja mais aqui e aqui.
HAVERES DE RUFFATO - [...]
Na passagem de ano do milênio, o telefone
soou onze da noite, o coração aos murros, Uma desgraça, meu deus, do outro lado
a voz sufocada pelos estrondos, Feliz Ano Novo! Feliz Ano Novo!, Mas, minha
filha, ainda nem é meia-noite, Aqui já é, mãe, aqui já é, Onde você está, minha
nossa senhora? Nova Iorque, mãe, Nova Iorque! Um dia ainda levo a senhora pra
ver o mar... Um dia ainda levo a senhora pra andar de avião... Um dia ainda
levo a senhora pra conhecer o meu apartamentinho em Brasília.... promessas...
coitadinha... que não podia talvez cumprir... mas entendia, ah, entendia... E
casar, minha filha? Casar?, eu?, de jeito maneira, mãe... homem só serve pra
trepar... mais nada, Quê isso, minha filha”, e gargalhava. Trecho de Haveres, extraído da obra Vista parcial da noite (Record, 2006), do
escritor Luiz Ruffato. Veja mais
aqui e aqui.
Veja mais sobre:
&
EM NOME
DA PAZ
Em
nome da paz
Fizemos
grandes guerras
Fizemos
muralhas
Bomba
atômica, míssil
Metralhadora
e canhão.
Em
tempo de paz
Estratégia
de guerra
Em
tempo de guerra
Projetos
de paz.
Matamos
crianças
Que
viviam em paz
E
que ainda não conheciam
A
guerra que veio em nome da paz.
Incendiamos
cidades
Impérios
Torres
Escolas
E
hospitais.
O
que falta fazer mais?
Poema extraído do livro Para nunca mais dizer adeus (Bagaço,
2006), do poeta e professor Admmauro Gomes, autor de Poemas do manancial de
luz (Bagaço, 2002), Luta dentro de mim (1998), Mares (Bagaço, 2001), Síntese da
Literatura Brasileira (Ideia, 2013), organizador da obra Estudos literários e
sociolingüísticos: artigos em língua e literatura (Bagaço, 2007), e co-autor em
Cinco poetas e um luar (Burarema, 2009), entre outras obras.