ELOGIO AO CONTRIBUINTE - Pra
se livrar das broncas, cada um dos brasileiros e brasileiras desse nosso
Brasilzão véio, arrevirado e de porteira escancarada, tem que pagar o pato. O
dele e o dos outros. Sim, exatamente. E isso é compulsório, inescapável. Paga
pra nascer, pra viver e até pra morrer – se morrer, menos um apenas, quem ficar
que lasque, né? Tudo é ilegal se favorável pra gente; do contrário, tudo é
ilegal. Afinal, lei, na vera, é só um pedaço de papel arrodiado de sanções por
todo lado só pra foder a vida da gente. Pode conferir: a gente é engalobado a
pagar até o que não se deve, quanto mais o dos outros que foram contemplados
com as benesses de verbas públicas em empréstimos ou concessões do tipo 0800,
frete FOB e a fundo perdido. Sim, isso e muito mais! Por exemplo: para azeitar
engrenagens e disfuncionalidades burocráticas do serviço público ou privado,
ôia pra quem for o birozado, senão a coisa emperra de quase desaparecer pra
nunca mais o que era tido por direito adquirido e findou prescrito. Pra
descongestionar o direito de ir e vir no trânsito ou rodovia qualquer, bola pro
guarda ou patrulheiro, senão de um nada a gente vira de simples infrator com
tudo nos trinques pra contraventor de todas as previsões penais na horinha. Duvida?
Ah, não pague pra ver! Pois é, pra manter o negócio que seja, mantido pelos
sacrifícios e tinos empreendedores, lembre-se: tocos pros fiscais de renda, da
prefeitura e do que for do Fisco e afins, afora oficial de justiça e outras
trepeças, senão a gente se vê lavrado em autos de infrações ou mandados de
execução com penhora ou arresto, prontos para sermos incursos nas penas do
desacato à autoridade com formação de quadrilha, sonegação e o diabo a quatro.
Ué? Isso mesmo! Eles nos chantageiam e a gente que é o infrator. Isso sem falar
nas suspeitas de gato na eletricidade, jacaré na água e toda fauna ilegal pra
nos levar pro cúmulo das condenações, aí o troço embica de vira bundacanasca,
porque tem de contar com honorários pros advogados que comem dos dois lados,
agrado pras visitas policiais, doações para manutenção dos políticos nos
cargos, afora impostos de toda sorte, todos nomeados de tributos como taxas,
emolumentos, custas, guias de recolhimento, etc e tal, tudo a mesma coisa e só
pra chamar a gente de besta e ficar caladinho, senão, senão. Fique logo
carequinha de saber de cor e salteado: pra ser atendido pra saúde ou qualquer
coisa do interesse da gente, propina a granel. Não se esqueça da gorjeta pro
garçom. Pague-se por baixo dos panos, viu? Não teime, ou será aquela de mãos
pro alto, sacou? Nem insista, senão verá o sol quadrado por desobediência
civil. Tenha logo a ciência de que se for contra a gente, serão ágeis,
meticulosos, inexoráveis, pronto a gente fodido por e por mil. Se for a favor,
ah, tenha esperança, ela nunca morre mesmo que a gente bata as botas e deixe
tudo pra arenga dos herdeiros ou pro erário público assim de graça. Não
reclame, oh, pelamordedeus, não reclame! Procure do jeitinho e, se não der,
valha-se de agiotas e livre-se o mais depressa deles. Oh, praga dessa, não é só
mais uma. Ah, mas não se ofenda, oh, não se ofenda, nem adianta sair de
armadura pela insegurança, pela crueldade, grosseria, aspereza, escárnio,
violência institucional – esse é grosso que só papel de enrolar pregos, meu!
Seja razoável, não seja pão-duro, há sempre quem se ache perversamente superior
ali, a nos ver tão insignificante quanto indesejáveis, mesmo que passem por amáveis
fora do trabalho ou invisível pomba-lesa no lar, mas ali, no cargo, no trono
dele, ah, se transformam no maior algoz da humanidade, vez que entendem que são
pagos para atrapalhar nossa vida, subjugando ao poder de ferrar com a gente
arrebentando tudo com toda impostura. Ah, não se desaponte, saiba que só haverá
facilidade pros que fazem parte da panelinha. Está dentro? Uma vez do lado de
fora, nunca haverá lado de dentro pra privilégios, só pros a favor, os que se
humilharam reduzidos a insetos, passaram no teste da goma e da fidelidade –
mesmo que no dia seguinte troquem de chefe como quem tira a ceroula pro
enrabamento e faça da gente penicos pras suas excreções. Mantenha a calma, não
se inflame, oh não se aborreça, tente manter a sua vida decorosa e aprovada
pela sociedade, sem nunca ter de pensar que não viveu como devia, mesmo que não
tenha gordos salários nem amigos importantes, pelo menos assim a mordida do
Leão é maior para torná-lo hipossuficiente! Não é bom? Pois é, já dizia Mateus
13:13, console-se, por isso quanto mais se ganha, menos se paga; e se for ricão
é isento. Já imaginou? Pense assim: a vida não pode ficar melhor do que está,
mesmo que se veja impotente em mudar ou vulnerável a qualquer ameaça miúda, ou
mesmo vítima de estratagemas inimagináveis, que ao redor seja uma só
catástrofe, que se ache passando pro provações que não são justas, privações
medonhas e com a impressão de que tudo é surrupiado com práticas pouco
honestas, ah, nem ligue, é tudo corrupção mesmo, abuso de autoridade, desvio de
poder, se estivesse lá você faria o mesmo, não acha? Calma, não fique furioso,
oh, não vire bicho, tente aprender a lidar com isso. Uma vez vencido, perdedor até
morrer. Quem mandou? Mantenha-se na ilusão da estabilidade – a vida dá voltas.
E como dá, hem? Leve em conta que a gente contribui para que tudo funcione, por
bem ou mal, ou ao contrário do que se espera, o que fica de mesmo é a honradez
de contribuir pra tudo isso que está aí, já pensou? Você também é responsável. E
viva o contribuinte que somos todos nós! © Luiz Alberto Machado. Veja mais aqui.
APESAR DE TUDO DE GEORGES DIDI-HUBERMAN
[...] Não
se pode falar do contato entre a imagem e o real sem falar de uma espécie de
incêndio. Portanto, não se pode falar de imagens sem falar de cinzas. As
imagens tomam parte do que os pobres mortais inventam para registrar seus
tremores (de desejo e de temor) e suas próprias consumações. Portanto é
absurdo, a partir de um ponto de vista antropológico, opor as imagens e as
palavras, os livros de imagens e os livros a seco. Todos
juntos formam, para cada um, um tesouro ou uma tumba da memória, seja esse tesouro
um simples floco de neve ou essa memória esteja traçada sobre a areia antes que
uma onda a dissolva. Sabemos que cada memória está sempre ameaçada pelo
esquecimento, cada tesouro ameaçado pela pilhagem, cada tumba ameaçada pela
profanação. Assim, cada vez que abrimos um livro — pouco importa que seja o Gênesis ou
Os Cento e Vinte
Dias de Sodoma —, talvez
devêssemos nos reservar uns minutos para pensar nas condições que tenham
tornado possível o simples milagre de que esse texto esteja aqui, diante de
nós, que tenha chegado até nós. Há tantos obstáculos. Queimaram-se tantos
livros e tantas bibliotecas12. E mesmo assim, cada vez que depomos nosso olhar
sobre uma imagem, deveríamos pensar nas condições que impediram sua destruição,
sua desaparição. Destruir imagens é tão fácil, têm sido sempre tão habitual [...] Nisto, pois, a imagem arde.
Arde com o real do que, em um dado momento, se acercou (como se costuma dizer,
nos jogos de adivinhações, “quente” quando “alguém se acerca do objeto escondido).
Arde pelo desejo que a anima, pela intencionalidade que a estrutura, pela
enunciação, inclusive a urgência que manifesta (como se costuma dizer “ardo de
amor por você” ou “me consome a impaciência”). Arde pela destruição,
pelo incêndio que quase a pulveriza, do qual escapou e cujo arquivo e possível
imaginação é, por conseguinte, capaz de oferecer hoje. Arde pelo resplendor,
isto é, pela possibilidade visual aberta por sua própria consumação: verdade
valiosa mas passageira, posto que está destinada a apagar-se (como uma vela que
nos ilumina mas que ao arder destrói a si mesma). Arde por seu intempestivo movimento,
incapaz como é de deter-se no caminho (como se costuma dizer “queimar etapas”),
capaz como é de bifurcar sempre, de ir bruscamente a outra parte (como se
costuma dizer “queimar a cortesia”; despedir-se à francesa). Arde por sua
audácia, quando faz com que todo retrocesso, toda retirada sejam impossíveis
(como se costuma dizer queimar os navios”). Arde pela dor da
qual provém e que procura todo aquele que dedica tempo para que se importe.
Finalmente, a imagem arde pela memória,
quer
dizer que de todo modo arde , quando já não é mais que cinza: uma forma de
dizer sua essencial vocação para a sobrevivência, apesar de tudo. Mas, para
sabê-lo, para senti-lo, é preciso atrever-se, é preciso acercar o rosto à
cinza. E soprar suavemente para que a brasa, sob as cinzas, volte a emitir seu
calor, seu resplendor, seu perigo. Como se, da imagem cinza, elevara-se uma
voz: “Não vês que ardo?”.
Trechos
de Quando as imagens tocam o real (Eba/UFMG, 2012), do filósofo, historiador, crítico
de arte e professor francês Georges
Didi-Huberman, autor da obra Imagens apesar de tudo (KKYM,
2012), tratando sobre a ação de fotógrafos durante o processo de extermínio em
Auschwitz-Birkenau, da qual destaco os trechos seguintes: [...] Para saber, há que imaginar [...] “Foi aqui”. O “foi” nos impede de esquecer o
Outrora terrível dos campos, ele nos impede de acreditar que o presente só tem
contas a prestar com o futuro. O “aqui” nos impede de mitificar ou sacralizar
esse Outrora dos campos, o que significa distanciar e, de certo modo, se livrar
dele. [...] Esta expressão denota a
dilaceração: o tudo reenvia
para o poder de condições históricas para as quais ainda não conseguimos
encontrar resposta; o apesar resiste
a esse poder unicamente pela potência heurística do singular. É um ‘clarão’ que
rasga o céu quando tudo parece perdido [...] um cineasta que conhece melhor que ninguém – e não cessa de demonstrar,
de desmontar – a manipulação e o ‘tratamento’ que as imagens técnicas fazem
padecer o real? Isso é possível, isso é justamente necessário como o apesar de tudo é necessário para
objetar algo – uma exceção – ao tudo. [...]. Veja mais aqui e aqui.
Veja
mais sobre:
Juramento,
O passado e o futuro de Hannah Arendt, a
poesia de Federico Garcia Lorca, Memorável
viagem ao Brasil de Johan Nieuhof, a música de Gabriel Pareyon, a pintura de Leonid
Afremov & Vera Rockline, a fotografia de Lionel Wendt, a arte de Rufino Tamayo
& Sergio Ramirez aqui.
E mais:
Vamos
aprumar a conversa, A Divina comédia de Dante Alighieri, Ensaios de Ralf Waldo Emerson, a música de Mikko Härkin, o teatro de Luigi
Pirandello, Macunaíma de Mário de
Andrade, a pintura de Mark
Gertler & a arte de Guido Crepax aqui.
Os
amores de Edneimar, a viúva negra, o cinema de Edward Yang
& Elaine Jin, A pintura de Pino Daen & Norman
Lindsay, a música de Iara Rennó & Tudo quanto
pode o sonho, pode o amor provar aqui.
Se essa
rua fosse minha, Manuscrito de Felipa de Adélia Prado, a música de Chiquinha
Gonzaga & Clara Sverner, a arte
de Luciah Lopez & Quem sabe a vida o amor que nos faz vivo aqui.
Quem vê
cara, não vê coração, a música
de Fany Solter, a fotografia de Jack Mitchell, a pintura de Fabien Clesse, a
arte de Valmir Singh & Entre tombos & topadas a gente leva a vida aqui.
Erotismo
& pornografria, o tamanho da hipocrisia, O Sartor Resartus de Thomas Carlyle, a
poesia de Ferreira Gullar, a música de Maria Gadú, a gravura de Edmund Joseph
Sullivan, a arte de Nadir Afonso & A alegria imensa para um, dois, ou mais,
todos aqui.
A
ansiedade, a depressão & a medicalização, a literatura de José Cândido de Carvalho, a música de Schuman & Maria Clodes
Jaguaribe, a arte de Shirley Paes Leme & Aldemir
Martins, Na festa das vitrines, tudo é do umbigo e o bolso furado no
âmago aqui.
E se vem
ou vai, eu voou, a música de Jehane Saade, a arte de Manuel
Pereira da Silva & Paula Rego aqui.
Festa do
dia 8 de dezembro, lavando a jega, a poesia de Florbela Espanca, a escultura de Camille
Claudel, a música de Alaíde Costa, a arte de Militão
dos Santos & Tatiana Grinberg, Quando tudo se
desapruma a farra é só pro desgoverno aqui.
O fulgor
do amor, Caminhos cruzados de Érico Veríssimo, a música de Jorge
Drexler, a arte de Luciah Lopez & O amor premia o final de semana aqui.
Fecamepa:
quando o Brasil dá uma demonstração de que deve mesmo ser levado a sério aqui.
Cordel
Tataritaritatá &
livros infantis aqui.
Palestras:
Psicologia, Direito & Educação aqui.
A
croniqueta de antemão aqui.
Livros
Infantis do Nitolino aqui.
&
Agenda
de Eventos aqui.
QUASE TUDO & A ARTE KÊNIA BASTOS
Seu perfume
é
energia eminente,
sutileza
e conseqüência
dos seus traços
marcantes
Sua presença
inebria meus olhos
intensidade e ternura
emoção e milagre
a soma e a mistura
de uma louca
miragem
quase sonho
quase realidade
um pouco de tudo
até saudade
sutileza
e conseqüência
dos seus traços
marcantes
Sua presença
inebria meus olhos
intensidade e ternura
emoção e milagre
a soma e a mistura
de uma louca
miragem
quase sonho
quase realidade
um pouco de tudo
até saudade
Quase
tudo, poema da poeta, professora e artista visual/virtual Kênia Bastos.
CANTARAU:
VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na Terra:
Imagens:
arte do escultor inglês Edward
Hodges Baily (1788-1867).
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.