quinta-feira, maio 18, 2017

PEDRO DEMO, GRAVURAS DE RODIN, UQBAR & CAMILA ANTONELLI, SONHOS & PESADELOS DE XIMÊNIA


DOS SONHOS AOS PESADELOS DE XIMÊNIA - Era meio dia e Ximênia não tivera a sorte de ter um príncipe parrudo e lindão, que ordenasse aos serviçais do palácio, servir-lhe suntuoso almoço naquele momento. Bem que ela merecia outra sorte, pensava. Ao contrário, restou-lhe a promessa de sapo beberrão e rabugento, a coaxar futebol, cachaça e conversa mole pelos botecos, quando não umas umbigadas dentro da noite, das quais nada sentia nem guardava. Ninguém merece e era meio dia. Nessa hora perdia-se nas lembranças dos tempos da província, menina cheia de sonhos e esperanças que acordou no pesadelo de se mudar pra cidade grande, à procura de melhoras de vida pro marido que não encontrava mais colocação no lugar. Sim, demorou quase uma eternidade, mas ele arranjou emprego – aquilo mais parece escravidão! -, dava pra ajeitar o modesto sustento, encolhendo aqui, espichando ali. Ainda sonhava tudo aquilo mudar, mas era meio dia e tinha de aproveitar o intervalo pro almoço e resolver na companhia gestora de energia, a conta da luz do seu lar – um quarto alugado bem longe depois do fim do mundo, era o que dava pra pagar. – Porra! O marido bem que podia resolver isso! -, reclamava. Não dava e pegou a bolsa e os documentos, depôs o avental e a touca no cabide, e avexada saiu a toda pra pegar a condução. O Sol pesando quente à cabeça, ao primeiro psiu atrevido ela desconcertou o andar. – Enxeridos safados! -, desnorteada com a insolência dos metidos, misturada com a barulheira e o movimento louco do trânsito, às pressas procurando se safar dos galanteios e, depois de muito andar, chegar ao ponto do ônibus, onde pôde delicadamente se espremer com outros pedestres, tentando palmo a palmo espaço embaixo da guarita, pra se refrescar do mormaço e que, apesar de tudo, ventava ainda mais um calor imenso. Mal se aliviara daquilo, a condução estacionou bruscamente e todos como uma boiada solta, invadiram duma só vez a porta estreita do ônibus já lotadíssimo, não cabendo nem meio, quanto mais os tantos que se acotovelavam para conseguir entrar. Sem saber como, ela foi levada aos empurrões pela multidão, sentindo-se esquartejada de não saber onde estavam as suas mãos, corpo, pernas e pés, comprimida no meio da compactação de gente que ocupavam o mesmo espaço e lugar. Sentia-se invadida por mãos que não eram suas e por todo seu corpo, saliências, encostos, enquanto exalava o perfume de sua vitalidade sedutora, tudo em cima e apetitoso embaixo do vestido, era como se estivesse expostas às apalpadelas, encoxadas, alisados, esfregões nela, seios, sexo, glúteos – Meu Deus, acho que me tiraram a roupa e não sei o que fazer! Na confusão dava pra se distinguir lá do fundo um evangélico rezando alto, quando alguém berrou: - Tá amarrado em nome de Jesus! É o cu da mãe! Da sua, seu fresco! E o empurra-empurra, ela inquita no meio do aperto, uma curva aqui, uma freada ali, quebra-molas, catabis, haja catombos pela buraqueira, aos solavancos a coisa ia se organizando, dela tomar pé da situação e sentir-se inteira, se recompondo, até chegar ao ponto de descida e ainda estar entalada no meio da aglomeração. Depois de muito esforço, conseguiu descer no ponto seguinte, quase desnuda e completamente atordoada. Olhou pros lados, não sabia onde estava: - Ô moça, onde fica a companhia de energia elétrica? Ah, descendo por ali, lá no final dobre a esquerda e uns dois quilômetro mais, chega lá. Vixe! Pela dobra do beiço da moça devia ser longe mesmo. E era. Andou que só a má notícia, mas chegou. Pegou a senha na portaria e depois de uns quarenta minutos afinando os cambitos no canto de uma sala, foi atendida pro interrogatório: tem ar condicionado? Não. Máquina de lavar? Não. Chuveiro elétrico? Não. Forno microondas? Não. Ué, na sua casa não tem nada? É só um quarto, banheiro e mais nada. Tem alguém roubando energia da sua casa! Pronto, foi o fim do mundo. Nada resolvido, havia de pagar e pronto. Nem ganho isso, ora! Se vira! Na saída, completamente desapontada, um funcionário aproximou-se dela e disse: Dona, me dê duzentos reais que eu boto um gato e resolve isso! Ela abriu os olhos aos boticões e saiu sem nada dizer, estava já atrasada pra volta ao trabalho, preocupada com os esporros do chefe. E o pior: sem comer nada, não dera tempo, e ter de passar de novo por tudo que passou na condução, maior vexame, chegar lavada de suor e atrasada, embaixo do maior esculacho, ter fôlego de correr para colocar as coisas ordem, sem descanso, maior correria de perder completamente a noção do tempo, já de noite, a hora de largar com afazeres na jornada e ter de voltar pra casa, exausta, a ventania levantando a saia e ela inutilmente tentando conter a nudez, enquanto a rapazeada delirava: - Essa é boa, meu! Ela só queria chegar em casa pro segundo tempo de seus afazeres: limpeza, lavagem de roupa, comida no fogão pra marmita do marido pro dia seguinte, um outro sufoco, melhor que esse, pelo menos. O marido bem que podia ajudar, culpa da mãe dele que dizia: - Filho meu não era viado pra fazer serviços de piniqueira! Segure seu marido e dê conta de deixar tudo nos trinques prele reinar! Megera! Bruaca! Teria de se virar sozinha mesmo! Que raiva! E quando menos esperava, sem mais caber em si, chegava ao ponto de casa, ufa! Até que enfim! Não menos trabalhosa descida, conseguiu respirar fundo o ar puro depois de horas que nem sabia, nem adiantava saber, restava comer algo pra tapiar a barriga e pegar logo na lavanderia com a roupa, a vassoura pela casa, a comida no fogão, os pratos na pia, até desmaiar na cama e ser surpreendida com a barba mal feita e o bafo intragável de cigarro e cachaça, tornando novo pesadelo na sua vida: - Amor, a obrigação, hem? O papai aqui quer lavar a jega! Isso que é vida, resmungava, e do jeito que estava, ele a revirava e se servia, ela nada via até o dia amanhecer toda lambuzada, peguenta, e tudo recomeçar num novo dia. Ah, quem sabe, um dia será diferente. © Luiz Alberto Machado. Veja mais aqui, aqui & aqui.

CONHECIMENTO, TEORIA & PRÁTICA
[...] É importante para a prática saber lidar com teorias, sem fazer delas uma ideia fixa; não são para serem adotadas, mas usadas e abusadas. Estudamos autores para nos tornarmos autores, não porta-vozes ou papagaios. Se, filiar-se, todo professor precisa saber ordenar sua cabeça e ideias das quais é autor, mantendo sua teorização sempre aberta. [...] (In: Conhecimento moderno).
[...] Professor é, na essência, pesquisador, ou seja, profissional da reconstrução do conhecimento, tanto no horizonte da pesquisa como princípio científico, quanto sobretudo no da pesquisa como princípio educativo. O estudante que queremos formar não é apenas técnico, mas fundamentalmente cidadão, que encontra na competência reconstrutiva de conhecimento seu perfil decisivo. [...] Professor precisa ser formulador de proposta própria, ou seja, precisa saber elaborar com autonomia. Enquanto sua função de socializador do conhecimento decresce e será substituída em grande parte, aumenta o desafio formativo, tipicamente educativo, de fundamentar a emancipação própria e dos alunos. [...] Professor atualizado não valoriza apenas o legado teórico, mas sabe fazer da prática trajetória de reconstrução do conhecimento, desde que a saiba teorizar. Teorizar a prática significa não separar a produção do conhecimento frente à realidade, como se, para estudar fosse mister deixar o mundo e ir para a universidade. Na verdade, a aprendizagem sempre começa com a prática, que logo é teoricamente confrontada. [...] Professor precisa compor-se com a atualização permanente, porquanto, se o conhecimento, de um lado, é aquilo que a tudo inova, do outro lado da mesma moeda é aquilo que a tudo envelhece. Nada envelhece mais rápido que o conhecimento inovador. Como regra, quando os alunos se formam, já estão encanecidos, seja porque foram apenas “ensinados” ou só viram “café velho”, seja porque não possuem formação básica propedêutica adequada que os leve sempre a pesquisar e a elaborar com mão própria. Sem desprezar o domínio dos conteúdos, necessário para o exercício profissional, o conhecimento moderno valoriza mais o domínio metodológico, representado no saber pensar e no aprender a aprender. [...] Não se trata de fazer de cada estudante um pesquisador profissional, mas um profissional pesquisador, quer dizer, que sabe manejar as virtudes metodológicas e sobretudo pedagógicas da pesquisa. Para renovar adequadamente os reptos profissionais num mercado escorregadio e submetido a processos violentes e geralmente muito dúbios de inovação, é fundamental saber reconstruir a proposta profissional. Os conteúdos se consomem no tempo, enquanto a habilidade de saber pensar necessita manter-se viva, mais que nunca. Se não sabe pesquisar, não sabe questionar. Não sabendo questionar, não sabe ultrapassar os impasses inevitáveis que toda profissão encontra em sua prática. Assim, o mais importante hoje na pesquisa não é o manejo de instrumentos metodológicos, mas o manejo dos desafios inovadores e por vezes surpreendentes da vida. [...] Como regra, não se aprende a pesquisar, embora quase sempre se estudem “métodos e técnicas de pesquisa”. Este estudo quase sempre é feito sem pesquisa, ou seja, estudam-se métodos e técnicas de pesquisa sem pesquisar. Uma contradição performativa lancinante. Pesa muito a tradição da aula reprodutiva, considerada pela maioria ainda como pedagogia fundamental. (In: Professor/Conhecimento)
Trecho da obra Conhecimento moderno: sobre ética e intervenção do conhecimento (Vozes, 1997) e trechos do artigo Professor/conhecimento (UnB, 2001), do sociólogo e professor Pedro Demo. Veja mais aqui e aqui.

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Rua do Sol, Anatomia da destrutividade humana de Erich Fromm, Museu de Tudo de João Cabral de Melo Neto, Confissões de Narciso de Autran Dourado, a música de Dawn Upshaw, a pintura de Ivan Serpa & a fotografia de Larry Clark aqui.

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Vamos aprumar a conversa: violência sexual, Tornar-se pessoa de Carl Rogers, Por que não sou cristão de Bertrand Russel, Medeia de Eurípedes, Horizonte perdido de James Hilton, a música de Rick Wakeman, Pelé, A pintura de Eugène Delacroix & Francis Bacon, o cinema de Frank Capra, Jornal Movimento & Luta Antimanicomial aqui.
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CAMILA CORRÊA ANTONELLI & GRUPO UQBAR
A arte de Camila Corrêa Antonelli & Grupo Uqbar que realizou a ópera rock O mágico: uma ode a Orfeu. O grupo de teatro se apresenta com música erudita e rock dramatizados pelos atores e cantores, contando uma história sobre o surgimento da música no mundo.

CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na Terra:
A arte do pintor e escultor francês Auguste Rodin (1840-1917).
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PATRICIA CHURCHLAND, VÉRONIQUE OVALDÉ, WIDAD BENMOUSSA & PERIFERIAS INDÍGENAS DE GIVA SILVA

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