PALAVRA, PALAVRINHA & PALAVRÃO! - Lembro-me
bem, aos dez anos de idade, montando num precoce bigodinho ralo embaixo da
venta, quando fui promovido de carimbador ad
hoc a copista, habilitado ao exclusivíssimo universo do Tombo do Registro
de Sentenças. Lá estava eu com meus garranchos registrando a lavratura das
sentenças cíveis e penais. Por conta das garatujas disgráficas e cacográficas,
fui obrigado ao exercício permanente no caderno de caligrafia. Quando mais ou
menos quase aprumei os rabiscos, surgiu um outro problema: precisava de um
dicionário. Havia muitos lá em casa, até coleções com volumes com todo tipo de sinônimos,
antônimos e vocábulos acentuados, flexão e classificação das palavras, conjugação
de verbos, substantivos e pronomes, funções da palavra “que”, coletivos, bem
como noções de redação, fonética, morfologia, radicais gregos e latinos,
sintaxe, estilística, semântica, até de ideias afins e termos literários, dos
provérbios, locuções e ditos curiosos, afora os poliglotas com os significados
dos termos em espanhol, inglês, italiano, francês e alemão. A-rá! Sempre estive
bem servido, pena não conseguir amarrar as coisas direito no quengo. Não
desistia e quando intrigado com a descoberta do significado que era mais
estranho que a própria busca, recorria às enciclopédias, tudo pra me abonar à
conformidade das etiquetas, como mandava o figurino. Só fazia distinção entre
palavras, palavrinhas e palavrões, desde as monossilábicas, dissilábicas,
trissilábicas e polissilábicas, até o exagero daquela extravagante “insconstitucionalissimamente”,
ou outros vocábulos pra satisfação dos doutores marca-bosta, oriundas do
juridiquês, do economês e outras porranês que, às vezes, nem aparecem nos
usuais dicionários ou são catadas a dedo nos glossários especializados só pra
impressionar o freguês, hem? Avalie o cientificismo com cada palavra
estrambólica, eita! Isso sim, verdadeiros palavrões no pior sentido, atentando
contra os iletrados de anel no dedo, os intelectuais de sovaco que nem eu e o
decoro público. De pé, pá, cu, cá, para casa, mesa, tapa, ou cavalo, furico, ou
relâmpago, calabouço, clarividência, arregimentação ou Alagoinhanduba, ou o
caralho a quatro, palavra é tanto palavrinha, como palavrão, considerando a sua
extensão. Não é bem assim não, entendi que havia duas línguas numa só: a da
norma culta, carrancuda e caga-raio, toda engravatada pra solenidade, e a das
ruas, alegre, viva, coloquial, despudorada e chula, cheia de gírias e formas
contractas que se diferenciam de região pra região desse imenso Brasilzão! Além
dessa, tem aquela que é pros maiores de dezoito ou dezesseis anos, tanto faz,
das piadas cabeludas e todo tipo de licenciosidade, recomendável só para
maiores; enquanto outra, pras crianças e virgens donzelas, eita! Coitadas,
eufemista e embusteira pra manutenção do faz-de-conta e do respeito que não
sabia bem lá como é que era. Só via: tirem as crianças e as moças da sala. Era
a hora da risadagem e eu que não era besta coisa nenhuma, me escondia, sacando
pra repetir tudo que diziam, até praticava, principalmente quando descobria
revistas pornográficas, coisas que diziam do baixo calão. Havia hora que eu não
entendia direito a relação entre o Alto do Lenhador e o baixo meretrício, hem?
Sim um é alto e outro baixo, como é que podem ser a mesma coisa? Cabeça de dez
anos, ora, vá entender os adultos: faça o que eu digo, não faça o que faço. Tanto
fazia eu no meio duma conversa formal ou jogando pilhéria, soltando frases
doctilóquias pinçadas das decisões judiciais e sapecar petulante um chiste, ou
um cara de priquito ou boba-torreiro, desmoralizado no mais impertinente
vanilóquio de cara lisa. As reprimendas me levaram a quase entender os diversos
sentidos conotativos ou denotativos, afora os figurados com as metáforas
hiperbólicas que findam em maiores interrogações. Como é que é mesmo? Vamos
organizar as ideias, doido! Era exatamente isso que eu não sabia, conteúdos
soltos ministrados de qualquer jeito na sala de aula, tive de correr atrás pra entender
o quebra-cabeça, enquanto o juízo só martelava palavras, palavrinhas e
palavrões. Como é mesmo? Por conta disso, quando terminei o colegial ainda
adolescente, não deu outra: fui cursar Letras, latim, língua, literatura, linguística,
Saussure, Jakobson, Chomsky, semiologia, até o verbivocovisual e o escambau
adentro tampão afora. Olhava pros outros: quanta hipocrisia! Uma coisa os
recursos linguísticos da riqueza vocabular, outra é a masturbação intelectual
do pedante pseudobeletrista que tudo que sabe só dá pra si mesmo. Parece mais
que não serviu pra nada tanto estudo. Mesmo assim, administrava mais ou menos
as ideias e os intentos. Fui então pro Jornalismo, quatro períodos tentando
aprender a redigir, aí no meio do curso, para ironia de tudo, passei em
Direito, o sonho da família de um dia ser gente, fui atrapalhado e, o pior, a
minha perdição. Mas que papo é esse, maluco? Aonde quer chegar, afinal? O desejo
de ser escrito nessa, já era, só na outra, só aprendiz punheteiro das
caramilholas para não morrer de tédio. Admito que minha competência para lidar
com as palavras, palavrinhas e palavrões seja de satisfatório para sofrível,
prova disso meus recorrentes solecismos e anfibologias tantas, afora desplantes
atentatórios ao léxico e à gramática, além de outros tropicões etimológicos
desabonando minha capacidade de domínio da língua pátria, isso porque irresponsável
qual Policarpo Quaresma, lá vou eu: cadê o Tupi-Guarani? Coisa de
irresponsável, maior molecagem. Duma coisa fiquei certo: a gente é que tem uma
cabecinha tola e maldosa, sobrecarregada de preconceitos e hipocrisia desde
nascença, porque, tudo que foi ensinado pela família, escola e a vida, no frigir
dos ovos e no calor da intimidade, só foi uma coisa: a gente é porca até a
alma, mas só com coragem de fazer às escondidas, ora. E ainda tem quem nem
descobriu isso, achando tudo divino e maravilhoso no nosso lamaçal ético,
achando tudo certo na moral das tantas ideologias desaprumadas. A gente
aprendeu disso tudo mesmo foi a pintar de pudico, timorato e falso-moralista, só
pra falar bonito, se amostrar e mangar dos bestas! © Luiz Alberto Machado. Veja
mais aqui.
DISCURSO & MUDANÇA SOCIAL
[...] Alguns textos (entrevistas oficiais, grandes
poemas) são registrados, transcritos, preservados, relidos [...]; alguns textos (discursos políticos,
livros-texto) são transformados em outros textos. As instituições possuem
rotinas específicas para o “processamento” de textos: uma consulta médica é
transformada em um registro médico que pode ser usado para compilar
estatísticas médicas. Além disso, os textos apresentam resultados variáveis de
natureza extradiscusiva, como também discursiva. Alguns textos conduzem a guerra
ou à destruição de armas nucleares; outros levam as pessoas a perder o emprego
ou a obtê-lo; outros ainda modificam as atitudes, as crenças ou as práticas das
pessoas. [...]
Trecho
extraído da obra Discurso e mudança
social (UnB, 2001), do professor de lingüística e fundador da análise
crítica do discurso (ACD), Norman
Fairclought.
Veja
mais sobre:
À
procura da paternidade, A trombeta do anjo vingador de Dalton Trevisan, Vivendo com as estrelas de Duília de Mello,
Lenda & Arte de Ernst Kris & Otto Kurz, a música
de Cristina Braga & a pintura de Ernest Descals aqui.
E mais:
Brincarte
do Nitolino, a literatura de Hermilo Borba Filho, Estética da criação verbal de Mikhail Bakhtin, Estado de sítio de Albert
Camus, a música de Luis Gonzaga & Guerra Peixe, a poesia de Stella Leonardos, o cinema de Ettore Scola & Sophia Loren, a arte de
Léon Bakst & a pintura
de Patrice Murciano aqui.
A música
de Nando Lauria aqui.
Sonetos
de Meditação de John Donne, Justine de
Marquês de Sade, Ética a Nicomaco de Aristóteles, Casa de bonecas de Henrik Ibsen, a música de Antonio Carlos Nóbrega, O anjo exterminador
de Luis Buñuel, a pintura de Darel
Valença Lins & Hieronymus Bosch, Ética & A maneira de ser de Marilene Alagia Azevedo aqui.
O amor
de Naipi & Tarobá, Arte e percepção visual de Rudolf Arnheim, a literatura de Luiz
Ruffato.Improvisação para o teatro de Viola Spolin, a música de Vivaldi & Max Richter, a fotografia de Fernand Fonssagrives, a pintura de Fernand Léger,
a arte de Regina Kotaka & Eugénia Silva aqui.
Penedo,
às margens do São Francisco, O princípio da hipocrisia de Georges Bataille, a literatura de Adonias Filho, História da
formação social do Brasil de Manoel Maurício de Albuquerque, a música de Bach
& Rachel Podger, a arte de Marcel
Duchamp, a pintura de Jaroslav Zamazal, a fotografia de Karin van der Broocke Zine Vanguard,& a arte de Kéfera
Buchmann aqui.
Ela,
marés de sizígia, Tratado da argumentação de Chaïm Perelman
& Lucie Olbrechts-Tyteca, a poesia de Yone Giannetti Fonseca, Pensamento
crítico de Walter Carnielli & Richard Epstein, Privatte Coletion de James Halperin, a música de Guilherme Arantes, Derek Van Barham & Vaudezilla, a pintura de Tom Pks
Malucelli & Luciah Lopez aqui.
As
olimpíadas do Big Shit Bôbras – O Big Bode, Os dragões
do éden de Carl Sagan, A arte de
furtar de Affonso Ávila, a música de Peter
Machajdik, Microbiologia dos alimentos, Casa do Contador de História, a pintura
de Brian Keeler & Gray Artus aqui.
Só a
poesia torna a vida suportável, Vanguarda nordestina de Anchieta Fernandes,
A arte poética de Walmir Ayala,
Vanguarda e subdesenvolvimento de Ferreira Gullar, a música de Ira Losco, o cinema de Anna Muylaert, a
arte de Michael Mapes, a pintura de Károly
Lotz & Jean Dubuffet aqui.
&
ITALIANI & MARIA-GRAZIA
CUCINOTTA
Um belíssimo drama/comédia, Italiani
(1996), dirigido por Maurizio Ponzi, contra a história que se passa em um trem
que se dirige para o norte da Itália, levando muitos personagens e histórias,
entre eles uma mãe de família que precisa escolher entre dois pretendentes, um
homem de negócios que tenta esconder do filho a amante, uma mulher desiludida
que encontra consolo nos braços de um romancista, entre outras, tudo observado
por Ulisses, que é um guarda a bordo, contando o triste estado da Itália
moderna. O destaque fica por conta da bela atriz e produtora italiana Maria Grazia Cucinotta.
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na
Terra: arte do pintor e artista visual holandês Edwin IJpeij.
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.