Artistas de Pernambuco (Recife, 1982), publicação organizada por José Cláudio,
reunindo artistas como Abelardo da Hora, Wellington Virgolino, Silvia Pontual, Guita
Charifker, Corbiniano, Bajado, Lula Cardoso Aires, Murillo La Greca, João
Câmara, Cicero Dias, Vicente do Rego Monteiro, Tereza Costa Rego, Samico, Wandeckson,
Pauo Brusky, entre outros.
A MORA DE FERRO – Essa é do tempo do ronca, meu avô me contou, sentado
num tamborete, no meio de uma roda de camponês em Badalejo. Ouvi atentamente
que chega decorei. Era a história de um sujeito que ele conheceu e não mais
lembrava o nome dele, mas que era medonho de ganancioso, tão firme no que
queria que arengava com todo mundo para conseguir seus objetivos. Aí teve um
dia, contaram a ele, que ele chegou numa encruzilhada na escuridão da estrada,
ajoelhou-se no meio com a Oração da Cabra Preta. Foi aí que apareceu um vulto com fedor de enxofre, aquela
coisa toda agoniada ao redor e foi logo falando: Você quer riqueza num é?
Quero! Eu lhe dou os poderes e você ficará rico. Mas terá que pegar a pedra
branca da serpente no meio do mar! No meio do mar? Sim. E tem mais uma coisa: dentro
dela tem um segredo, ele não pode sair voando senão você perde a parada, viu?
Tem que pegar e sustentar de verdade para que todos os seus desejos se
realizem. Como é que eu faço? Com os poderes que eu lhe dei, se vire! Nenhuma pista?
Você tem o poder que quiser, convoque o Rei de Todas as Coisas e logo saberá. Eita!
Saiu por ali meio desolado e parou na beira do rio. Rei dos Peixes! Apareceram muitos.
Quero falar com o Rei dos Peixes. Foram chamá-lo. Logo lá vinha: O que é que
há, cunhado? Sabe onde fica a pedra branca da serpente no meio do mar? Ah, sei
sim, estava comendo agorinha mesmo no pé dela. Toca para lá! E foram. Chegando lá.
Rei dos Peixes, quero essa pedra fora! Os peixes se juntaram e nada de
conseguir mexer nem um dedinho. Cadê a Rainha Baleia? Vou chamá-la. Lá vinha a
Rainha Baleia: O que é que há, cunhado? Quero essa pedra fora. Oxe, é pra já! E
a baleia deu uma, duas, três tacadas boas e viu que a coisa era ruim pra se
mexer. Aí ela juntou outras baleias do seu séquito e mandaram ver na função, que
findou a pedra jogada lá na beira do mar. Obrigado, Rainha das Baleias,
obrigado Rei dos Peixes, agora é comigo. Aí olhou, pensou e gritou: Cadê o Rei
dos Carneiros? Apareceu uma tuia de carneiro. Quero falar com o Rei! Foram
chamá-lo. Lá vinha ele: O que é que há, cunhado? Quero essa pedra esfarelada. É
pra já, cunhado. O Rei dos Carneiros juntou uma tropa e danou marrada na pedra,
tei tei tei. É forte, cunhado, só com o Rei dos Rinocerontes. Oxe, onde eu vou
buscar rinoceronte que não tem aqui. Só sendo, cunhado. Oxe, vocês vão ter que
esfarelar a pedra senão deixo tudinho cotó. Aí os carneiros, cabras, bodes e
cabritos meteram a marrada na pedra, dela abrir-se no meio e paft! E foi tanto
tum tum tum que aí findou esfarelada, expondo o centro onde uma caixinha com o
segredo de todas as coisas estava acomodada. Era de ferro. Oxe, como vou abrir
essa danasca? Armou-se de todo tipo de martelo, porrete, bigorna e pei pei pei,
até que rachou-la no meio. Ao abri-la surgiu uma rolinha que saiu voando e
foi-se embora. Pronto, agora lascou tudo. Cadê o Rei Gavião? Diga, cunhado.
Pega a rolinha que saiu voando senão a desgraça pega tudo. O gavião foi e pegou
a rolinha e trouxe pro cunhado. Pronto. Aí ele pegou a faca, rasgou o bucho da
rolinha e de lá tirou dois ovos, quando ouviu a grande serpente fazer o maior
reboliço no mar. Com os dois ovos na mão disse: Quero a Mora de Ferro! Acendeu-se
uma vela dos ovinhos e ele repetiu: Me bota na Mora de Ferro, vai! De repente
ele se viu diante da serpente que foi logo atacá-lo. Ele fez um gesto e logo
uma espada enorme surgi de sua mão e desferiu um golpe certeiro de cortá-la em
bandas. Pronto: quebrei a pedra, rasguei a rolinha e matei a serpente, agora
quero toda riqueza do mundo! Oxe! Parece mentira, mas foi da noite pro dia, o
cabra enriqueceu de comprar fazendas, carros e coisas, até comprar uma bonitona
de uma mulher que chega doía na vista de tão formosa que ela era. Ele tinha de
tudo, avião, navio e o escambau. Pense no tanto de coisa que ele tinha e nem
sabia o quanto acumulou. Sumiu do mapa viajando pelo mundo, comprando e
usufruindo das coisas da Terra, do Ar e das Águas, parece que só não detinha o
poder sobre o fogo. Foi por isso que só se soube um dia desses que ele havia
morrido no incêndio da mansão dele, de não sobrar nada, nem lembrança, nem
retrato. É fogo na roupa, meu filho. © Luiz Alberto
Machado. Direitos reservados.
DITOS & DESDITOS - Vi hostes inumeráveis, condenadas à escuridão, à sujeira, à pestilência,
à obscenidade, ao sofrimento e à morte precoce. Pensamento do
escritor inglês Charles Dickens
(1812-1870). Veja mais aqui.
ALGUÉM FALOU: Na arte, a concisão é
uma necessidade e um luxo; um homem conciso provoca pensamento, um homem
prolixo provoca tédio; sempre se mova em direção à concisão. Na figura, procure
a luz principal e a sombra principal, o resto virá por si só: muitas vezes, é
muito pouco. Pensamento do pintor e artista gráfico francês Édouard
Manet (1832-1883). Veja mais aqui & aqui.
TROTULA DE SALERMO – É igualmente
fequente que a concepção seja impedida por um defeito do homem como da mulher.
Frase extraída da obra Trotulae curandurum aegritúdinem mulierorium
ante et post partum, da médica italiana medieval Trotula de Salermo (1050-1097), a qual
é composta de sessenta capítulos que tratam sobre a menstruação, concepção,
parto, controle da natalidade, enfermidades ginecológicas, anatomia e
fisiologia, entre outros remédios. Foi uma das mais importantes mulheres da
história da medicina, estudou doenças das mulheres e vários escritos a
respeito, enquanto professora permitiu o livre acesso da mulher ao ensino. Um monge
modificou seu nome para Trótula, para que parecesse obra de homem, enquanto um
historiador do século XX a reduziu a simples parteira. Toda a sua obra foi atribuídas
a autores homens após a sua morte, negando-se, inclusive, a sua existência. Ela
foi a primeira ginecologista da história que já considerava a prevenção com o
principal aspecto médico e seu nome é relacionado com um compêndio de três
textos em latim, muito difundido na França e Inglaterra nos séculos XII e XIII.
Veja mais aqui e aqui.
QUANTO MAIS ELES VÊM – [...] A montanha de lixo parecia estender-se até muito
longe e então, aos poucos, sem demarcação nem fronteira visível, virava outra
coisa. Mas o quê? Uma coleção de estruturas, confusa e sem caminhos. Caixas de
papelão, compensado e tábuas podres, carcaças de carros enferrujadas e sem
vidros tinham sido amontoados para formar habitações. […]. Trecho da obra The harder they
come: a novel (1980), do escritor
e professor jamaicano Michael Thelwell.
LEDA - O cisne na sombra parece
neve; o bico é âmbar, do amanhecer à luz; o crepúsculo suave que passa tão brevemente as asas francas da luz.
/ E então, nas ondas do lago azulado, após o amanhecer perder a forma, as asas
abertas e o pescoço levantado, o cisne é prateado banhado pelo sol. / É
assim que, quando ele bate as penas de seda, um pássaro olímpico ferido pelo
amor e estupra Leda em sua linfa sonora, seus lábios acenando em flor. /
Suspira a beleza nua e derrotada e, enquanto o ar passa por suas queixas, os
olhos de Pan brilham perturbados pelo fundo esverdeado da folhagem densa. Poema do
escritor do Modernismo nicaraguense Rubén
Darío (1867-1916). Veja mais aqui.
DIREITO:
TEORIAS, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO – O direito é um fenômeno social e, assim sendo, deve ser
reflexo da sociedade e acompanhar a constante evolução desta. O direito entra
em ação com seus postulados, regras de interpretação e poder coercitivo, não
como mero solucionador de conflitos de interesses, tampouco o Poder Judiciário,
Poder Constituído, exerce função restrita ao conhecimento, interpretação e
aplicação das normas jurídicas aos casos concretos, através de um juízo
racional, imparcial e axiológico. É mais, o Direito tem um papel social
relevante, como instrumento de desenvolvimento humano. Instrumento de controle
é uma de suas finalidades, entretanto, revela-se também como fator
condicionante do meio, exercendo papel educativo e transformador. Investigar a
problemática da interpretação e da aplicação do Direito proporciona uma revisão
dos conceitos hoje predominantes na doutrina, na jurisprudência e na Teoria do
Direito, tornando primordial o estudo da Jurisdição, da Mediação e dos seus
vínculos com as diversas áreas do Direito Material e Processual, com ênfase na
constitucionalização. Com isso, o direito não é somente uma técnica de
organização social, nem somente uma ciência normativa, mas é também axiologia,
já que os valores fundamentais são a própria razão de ser do homem em
sociedade. Imprescindível, destarte, que se conecte a interpretação do Direito
com as práticas jurídicas. Este processo de discussão envolve, necessariamente,
também, uma investigação da efetividade do sistema jurídico e da aplicabilidade
das normas pelos tribunais. Quando se fala em aplicação do direito, no caso a
aplicação feita pelo Estado-Juiz, surge um delicado problema, qual seja, o
confronto entre uma norma geral e abstrata e um fato específico e concreto. Ao
sentenciar, cabe ao juiz de direito adequar uma ou mais normas jurídicas a um
ou mais fatos particulares, observando a situação de incidência, interpretando
e, posteriormente, aplicando o direito. A aplicação do direito consiste,
segundo Carlos Maximiliano, em "(...) enquadrar
um caso concreto na norma jurídica adequada. Submete às prescrições da lei uma
relação da vida real; procura e indica o dispositivo adaptável a um fato
determinado. Por outras palavras: tem por objeto descobrir o modo e os meios de
amparar juridicamente um interesse humano". Para ele, então, para se
aplicar o direito é preciso examinar: a
norma em sua essência, conteúdo e alcance; passando pela análise do sistema
jurídico ao qual está inserida, e também pela hermenêutica e pela
interpretação; o caso concreto e suas circunstâncias; e a adaptação do preceito
à hipótese em apreço. Já para Karl Engish, a aplicação do direito é a
determinação in concreto daquilo que
é realmente devido ou permitido, o que é feito de um modo autoritário pelos
órgãos aplicadores do direito, pelo direito mesmo instituídos, isto é,
"(...) através dos tribunais e das
autoridades administrativas, sob a forma de decisões jurisdicionais e actos de
administração". Entende Miguel Reale que "(...) o termo aplicação do direito reserva-se,
entretanto, à forma de aplicação feita por força da competência de que se acha
investido um órgão, ou autoridade". Desta forma, afirma, ainda, que a
"(...) aplicação do direito é a
imposição de uma diretriz como decorrência da competência legal. Assim,
segundo ele, aplicação do direito "(...) é antes uma questão complexa na qual fatores lógicos, axiológicos e
fáticos se correlacionam, segundo exigência de uma unidade dialética,
desenvolvida ao nível da experiência, à luz dos fatos e de sua prova, e
continua o jurista, donde podemos
concluir que o ato de subordinação ou subsunção do fato à norma não é um ato
reflexo e passivo, mas antes um ato de participação criadora do juiz, com a sua
sensibilidade e tato, sua intuição e prudência, operando a norma como substrato
condicionador de suas indagações teóricas e técnicas. Segundo Vicente Rao,
a "(...) aplicação das normas
jurídicas consiste na técnica de adaptação dos preceitos nelas contidos e assim
interpretados, às situações de fato que se lhes subordinam". Assim,
para este autor, o juiz deve em primeiro lugar considerar a situação de fato em
sua individualidade completa, segundo o seu conteúdo de espírito e pensamento,
e de conformidade com o sentido que recebe no ambiente social em que se
verifica, despindo-a de qualquer definição jurídica. Quanto aos princípios
gerais de direito, cuja definição oferece campo a controvérsias, Vicente Rao,
na sua conhecida obra "O Direito e a Vida dos Direitos", observa que
"o intérprete, a quem também incumbe
realizar a restauração orgânica do direito, deve percorrer os seguintes graus
progressivos de investigação, até alcançar o princípio que procura, capaz de
resolver o caso concreto: o sistema jurídico da legislação de que se trate; as
leis científicas do direito; e a filosofia do direito, que nos ensina os
princípios fundamentaais, os mais amplos, inspiradores de todos os ramos da
ciência jurídica e constitutivos da unidade do conhecimento do direito".
Por sua vez, em sua obra Tratado de Direito Privado, Pontes de Miranda
conceitua o tema como sendo a aplicação do direito aos fatos sobre os quais a
regra jurídica incidiu, traçando um paralelo ou uma distinção entre os vocábulos
aplicação e incidência. Em sua obra Comentários à Constituição de 1946, o autor
chega a mencionar que a aplicação nada
mais é do que a declaração de uma incidência. Mediante isso, pela própria
característica de generalidade e abstração da norma jurídica, tem-se a
incidência como característica marcante dela decorrente, uma vez considerada
esta como a atuação da norma aos casos e fatos específicos e concretos da vida.
Na diretriz dos dizeres de Pontes de Miranda, a eficácia da norma é mesmo
incidir, e justamente sobre fatos específicos e concretos é que ela incide. Vale,
aqui, destacar que incidência independe da vontade dos indivíduos; a estes cabe
respeitá-la, e assim, aplicá-la. Assim, tem-se que a incidência começa antes da
aplicação, sendo a aplicação nada mais do que a declaração de uma incidência.
Então, somente depois da incidência é que se pode cogitar da aplicabilidade da
lei. Assim, para compreender o Direito com precisão e direcionado à realização
da justiça, deve-se perquirir o objetivo das suas prescrições, suas razões
coletivas e a base social que ampara a ordem jurídica estatal. As pessoas
encarregadas da missão específica de conhecer, interpretar e aplicar o Direito
possuem um papel importante na permanência e desenvolvimento da sociedade, pois
cabem a elas as tarefas de sentir os novos valores sociais e preservar aqueles
que são essenciais à dignidade humana e coesão do grupo social. A propósito, a
decisão do juiz denomina-se sentença e, com isso, o juiz como agente social que
ao julgar, realiza atividade valorativa, sempre tendo como norte o critério da
imparcialidade e da realidade social, integrando o direito que por natureza é
estático à sociedade que é dinâmica. Essa interpretação valorativa do direito
busca uma melhor aplicação e integração do jurídico no social. Assim, o direito
como um sistema aberto, de controle e também de desenvolvimento social precisa
ser visto como uma manifestação da sociedade, devendo ser interpretado e
aplicado segundo os anseios da coletividade e com base nos valores que
preservem a dignidade humana.
AS TEORIAS SUBJETIVAS E OBJETIVA E A INDETERMINAÇÃO DO
DIREITO - As principais teorias influenciadoras das legislações modernas são a
Teoria Subjetiva de Savigny e a Teoria Objetiva de Ihering. A primeira aceita
dois elementos: o corpus e o animus. Para Savigny, o corpus, ou elemento material da posse,
caracteriza-se como a faculdade real e imediata de dispor fisicamente da coisa,
e de defendê-la das agressões de quem quer que seja; o corpus não é a coisa em si, mas o poder físico da pessoa sobre a
coisa; o fato exterior, em oposição ao fato interior. O outro elemento,
interior ou psíquico, animus,
considera-o Savigny a intenção de ter a coisa como sua. Não é a convicção de
ser dono – opinio seu cogitatio domini
- mas a vontade de tê-la como sua – animus
donimi. A concepção exige, pois, para que o estado de fato da pessoa em
relação à coisa se constitua em posse, que o elemento físico (corpus) venha juntar-se a vontade de
proceder em relação à coisa como procede o proprietário (affectio tenendi), mais a intenção de tê-la como dono (animus). Se faltar esta vontade
interior, esta intenção de proprietário (animus
domini), existirá simples detenção e não posse. A teoria se diz subjetiva
em razão deste último elemento. Contrapondo-se a Savigny, temos Ihering.
Analisa ele a posse nos seus elementos. Para ele, corpus é a relação exterior que há normalmente entre o proprietário
e a coisa ou a aparência da propriedade. O elemento material da posse a conduta
externa da pessoa, que se apresenta numa relação semelhante ao procedimento
normal de proprietário. Não há a necessidade de que exerça a pessoa o poder
físico sobre a coisa, pois que nem sempre este poder é presente sem que com
isto se destrua a posse. O elemento psíquico, animus, na teoria objetivista de Ihering não se situa na intenção
de dono, mas tão-somente na vontade de proceder como procede habitualmente o
proprietário – affectio tenendi –
independentemente de querer ser dono. A teoria de Ihering é chamada de objetiva
por ignorar essa intenção. Partindo de que, normalmente, o proprietário é
possuidor, Ihering entendeu que é possuidor quem procede com a aparência de
dono, o que permite definir, como já se tem feito: posse é a visibilidade
(exteriorização) do domínio. Com a dispensa da intenção, podemos, dentro da
teoria objetiva de Von Ihering, caracterizar como relação possessória o esta de
fato do locador em relação à coisa locada, do comodatário em relação à coisa
comodada, etc. e isso não é mera abstração. Verdadeiramente dotado de efeitos
práticos, permitirá a qualquer deles defender-se por via das ações possesórias
ou interditos, não apenas contra os terceiros que tragam turbações, mas até
mesmo contra o proprietário da coisa, que eventualmente moleste aquele que
tenha a utilização dela. Assim, para Savingy, o corpus e o animi domini são
elementos indispensáveis na posse, faltando o animi domini, há tão somente detenção e, assim, a vontade de ter a
coisa para si, torna a detenção em posse. Nessa teoria o elemento subjetivo
"ânimo" ganha ênfase em relação ao poder físico, por isso, tem ela o
nome de teoria subjetiva da posse. Na teoria subjetivista o animus perde a sua importância, pois,
para Ihering, a noção de animus é
inerente a do corpus. O simples poder
físico sobre a coisa, com intenção de permanência já é suficiente para a posse.
Para Ihering, a posse é a condição do exercício da propriedade. Assim a noção
de animus já se encontra na de corpus, sendo a maneira como o
proprietário age em face da coisa de que é possuidor. A posse se revela na
maneira em que o proprietário agem em face da coisa, tendo em vista a sua
finalidade econômica. Em suma, na teoria objetiva, para que a posse se
constitua é necessário apenas o poder físico sobre a coisa com a intenção de
manter uma permanência, não há, dessa forma, a necessidade de haver uma
intenção isolada em manter a posse da coisa, pois, aqui, o animus já está incluso no corpus.
Para Savigny o direito subjetivo seria sempre uma expressão da vontade,
entendido este termo, a princípio de maneira empírica, como uma faculdade
psicológica. O homem sabe, quer e age. Enquanto o homem quer e age, ele se
situa invariavelmente no âmbito de regras de direito. O direito subjetivo,
portanto, é a vontade juridicamente protegida. Esta teoria foi veementemente
contestada, entre outros, por Ihering, já que o direito subjetivo existe e
continua existindo a despeito da vontade do titular ou mesmo contra sua
vontade. Sendo assim, na visão deste autor, a essência do direito subjetivo não
é a vontade, mas sim o interesse, entendido este num sentido lato, (concreto ou
abstrato); daí dizer ele que direito subjetivo é o interesse juridicamente
protegido. Contudo, também o posicionamento de Ihering não escapou ileso de
críticas, na medida em que seus opositores consideravam extremamente vaga e
imprecisa a definição de interesse, o que poderia prejudicar a segurança das
relações jurídicas. Por outro lado, uma nova característica do Direito sugere
uma outra interpretação apontada por Teubner. Primeiramente, a auto-referência
sugere uma indeterminação por parte do Direito, como algo insuscetível de
qualquer controle ou determinação externa, não sendo determinada por
autoridades terrestres ou dos textos, pelo Direito Natural ou revelação divina.
São as decisões anteriores que estabelecem a validade do Direito e este
determina a si próprio por sua auto-referência, baseando-se em sua própria
positividade. O Direito retira sua validade desta auto-referência pura, segundo
a qual o Direito é o que o Direito diz ser Direito, isto é, qualquer operação
jurídica reenvia ao resultado de operações jurídicas. A validade não pode ser
importada do ambiente do sistema jurídico, porque o Direito é válido, então, em razão de decisões
que estabelecem sua validade, assim, a única racionalidade possível é a que
consiste numa configuração interna possibilitadora de redução de complexidade
do meio, o que incompatibiliza-se com as noções de “input” e “output”. Outra
interpretação salienta a relação entre auto-referência e imprevisibilidade do
Direito. Segundo esta interpretação, o dogma da segurança jurídica
(previsibilidade da aplicação do Direito aos casos concretos) seria
incompatível com a auto-referência. Conforme a própria idéia de contingência
afasta a idéia de segurança jurídica e vislumbra-se a indeterminação
diretamente vinculada a autonomia do Sistema do Direito. O Direito apresenta
uma contínua mutação estrutural, no sentido de satisfação de sua funcionalidade
específica. Existe a certeza de que haverá Direito, porém incerteza quanto ao
seu conteúdo. A terceira interpretação proposta por Teubner é no sentido de
salientar a circularidade essencial ao Direito. Tal perspectiva parte da
constatação de que ao atingir os níveis hierarquicamente superiores há a
impossibilidade de seguir, sendo remetido diretamente ao nível hierárquico mais
inferior, num estranho círculo, onde geralmente, uma norma processual tenderá a
decidir o conflito posto ao sistema jurídico. O Sistema do Direito é um sistema
social parcial que, a fim de reduzir a complexidade apresentada por seu
ambiente, através de uma comunicação específica (codificação binária:
Direito/Não-Direito),atua mediante uma distinção, a qual faz emergir sempre
auto-referência com o escopo de apreender situações do mundo real20 (meio
envolvente) para o sistema parcial funcionalmente diferenciado que é o Direito.
O Direito apresenta-se, assim, como um código comunicativo (a unidade da
diferença entre Direito e Não Direito), no sentido manter sua estabilidade e
autonomia - mesmo diante de uma imensa complexidade (excesso de possibilidades
comunicativas) - através da aplicação de um código binário. Isto ocorre, pois a
partir do circuito comunicativo geral (sistema social), novos e específicos
circuitos comunicativos vão sendo gerados e desenvolvidos até o ponto de
atingirem uma complexidade e perficiência tal, na sua própria organização
auto-reprodutiva (através de um código binário específico), que autonomizam-se
do sistema social geral, formando subsistemas sociais autopoiéticos de segundo
grau/sistemas parciais. Cada Sistema Parcial passa a constituir o Sistema
Social Geral mediante uma perspectiva própria. Com isto tem-se um acréscimo no
potencial do sistema social para poder enfrentar e reduzir a complexidade que,
paradoxalmente, devido esta especialização funcional, é aumentada. O problema
surge, quando, irresistivelmente, tende-se a aplicar a distinção
Direito/Não-Direito (a qual possibilita a clausura operacional) à própria
distinção, o que repercutiria em conclusões do tipo: “não é Direito dizer o que
é Direito/Não-Direito”. Isto causaria um bloqueio no processo de tomada de
decisões. Estes bloqueios denominam-se “paradoxos da auto-referência.”, a
partir de onde apresenta-se a quarta interpretação da auto-referencialidade do
Direito, a qual constata que a realidade da prática do Direito é uma realidade
circularmente estruturada. Esta interação auto-referencial dos elementos
internos mediante articulações circulares acarretam em tautologias que
bloqueiam a operação interna.
TEORIA DA
ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA DOGMÁTICA E RETÓRICA - A Teoria da Argumentação Jurídica,
defendida por Warat fornece a possibilidade de uma análise do significado da
norma jurídica e seu significado individual de justiça. Segundo essa teoria,
nenhum discurso jurídico será considerado significativamente legítimo se
contradizer as formas axiológicas predominantes. Os argumentos são persuasivos
no direito, quando não contradizem à ideologia de seus destinatários, isto é, a
ideologia dos Tribunais. Isto quer dizer que a racionalidade comunicativa que
vem sendo tão difundida na contemporaneidade tem o sentido de expandir, exteriorizar
o conhecimento, a fim de permitir a sua elucidação e aprimoramento. Contudo,
para que se obtenha êxito nesse processo de conhecimento, mister se faz a
utilização de técnicas argumentativas capazes de articular a linguagem, de modo
a livrá-la de quaisquer ambigüidades ou distorções de sentido. Tais técnicas
constituem aos operadores do mundo jurídico e político ferramenta indispensável
para a condução lógica do raciocínio. Todavia, para que se adquira o domínio da
argumentação é de fundamental importância o treinamento e aperfeiçoamento de
suas técnicas. Para tanto, as prática argumentativas viabilizam a difusão da pesquisa. É fundamental que o
argumentador aplique o estudo teórico realizado acerca das técnicas
argumentativas na prática, uma vez que assim terá a oportunidade de trabalhar
com os argumentos em conjunto. Dentro de um processo de argumentação, assim
como numa partida de xadrez, os argumentos – lances - concatenados se completam
para traçar uma linha de raciocínio matemática e artisticamente suficiente para
conduzir o adversário à derrota. É o que Perelman chama de interação dos
argumentos. O estudo acerca da arte de argumentar tem origem já na Grécia
Antiga, quando os cidadãos atenienses costumavam se reunir na Ágora para
deliberar sobre os mais variados assuntos, como política, filosofia,
astrologia, matemática. A argumentação, naquele tempo, era observada através da
oratória, portanto só argumentavam com êxito aqueles que dominavam a arte de
falar bem em público. Pode-se afirmar que o espaço que a argumentação
encontrava na antigüidade era uma dádiva da idéia de democracia, muito
difundida na paidéia grega. Ao longo dos séculos, o espaço democrático começou
a diminuir em virtude de autoritarismos, seja por parte da Igreja na Idade Média,
dos Estados Absolutos da monarquia moderna, da burguesia que desumanizava o
proletariado ou do totalitarismo sangüinário das posições políticas
extremistas. A partir da metade do século XX, a humanidade tem tentado resgatar
e até mesmo estabelecer certos valores societais (como os Direitos Humanos) que
estavam se perdendo no meio de tanta atrocidade. Dentre esses valores, a
democracia foi a que encontrou terreno fértil para se firmar e se estender para
vários povos, tratando de tornar a vida em sociedade um espaço em que todos os
cidadãos teriam o direito de argumentar sobre suas idéias. Com a evolução da
sociedade, a democracia tem cada vez mais firmado a sua função como a melhor
forma de organização de Estado já desenvolvida pelo homem. Os países mais
desenvolvidos, atualmente, são os que utilizam um método democrático para a
escolha dos seus dirigentes. O reflexo da democracia no Direito está justamente
nessa escolha. Quando o povo atribui poderes a um cidadão que se compromete a
representá-lo através do Poder Legislativo, por exemplo, o caráter democrático
do Direito está sendo evidenciado. Ora, é justamente nesse momento que surge um
dos principais instrumentos democráticos do Direito: a norma jurídica. E
novamente é preciso dispor de um discurso argumentativo, convincente e
persuasivo, para que seja viável submeter o povo às normas criadas pelos seus
representantes, ou seja, para que a norma jurídica tenha eficácia e,
conseqüentemente, seja reafirmada a credibilidade da cidadania no sistema jurídico.
A democracia se faz pelo amplo debate, no qual o pleno exercício da
argumentação é fundamental. Hoje, a argumentação é, indubitavelmente, um
instrumento do qual os cidadãos têm necessitado cada vez mais amiúde. E é
justamente por isso que um estudo capaz de introduzir-nos a essa técnica chega
a ser indispensável, uma vez que tem utilidade na vida social, política e
profissional de todo o cidadão. Concebida como nova retórica, lógica, arte ou
ciência, a argumentação tem o caráter de instrumentalidade, ou seja, por mais
que seja teorizada, sua função é eminentemente prática. Para que uma
argumentação não se limite à mera eloqüência, vazia de conteúdo, ela vai
depender: do tema enfocado pelo argumentador, bem como do contexto em que se
insere; dos interlocutores; do domínio e experiência que o argumentador tem
acerca do assunto; e do espaço que é aberto para o desenvolvimento de uma
discussão dialética, no sentido de possibilitar o contra-argumento (no caso,
uma antítese), o que geralmente resulta na solidificação da discussão com uma
síntese. O raciocínio jurídico, porquanto eminentemente vinculado ao caso
concreto, ao contexto social, espacial e temporal em que está inserido, depende
antes de uma demonstração argumentativa para ser comprovado que de uma demonstração
lógica (nos moldes da lógica tradicional), de caráter puramente matemático,
abstrato, genérico e objetivo. Da mesma forma, uma retórica que seja baseada
principalmente na arte de persuadir a partir de construções frasais rebuscadas
e ornamentadas – a famigerada retórica típica, de conotação até mesmo
pejorativa – vem perdendo espaço para a crescente necessidade de praticidade e
clareza nos discursos argumentativos atuais. Destarte, a Teoria da Argumentação
é capaz de se adaptar mais facilmente à realidade jurídica atual, conferindo
aos operadores do Direto um instrumento de trabalho útil e eficaz. Dentre os
argumentos jurídicos mais comuns podemos citar: analogia; argumento histórico;
a fortiori (por mais forte razão); a contrario sensu (pela razão contrária); ab
absurdo; ab inutile sensu; a rubrica; a priori; a posteriori; a exempla;
indução; dilema; à definição; de ordem; exceptione ad regulam; a majori ad
minus; a miniori ad maius; cessante ratione; pro subjecta materia; ab
impossibili; ab autorictate. A ciência formal do direito ou dogmática jurídica
é entendida como: parte da ciência do direito que tem por objetivo o direito
positivo vigente, tendo por finalidade construir conceitos interprodutivos da
norma sob o ponto de vista lógico-formal, tomando-se útil a aplicação do
direito, que através de sua técnica proporciona uma aplicação uniforme aos
casos semelhantes, garantindo desta forma a segurança jurídica. A aplicação do
direito seguindo a dogmática jurídica é neutra, demonstrando não levar em conta
os valores econômicos, políticos ou sociais, pois seu objetivo é aplicar ao
caso concreto independente de quem esteja sendo julgado a lei/legislação. A
dogmática, tendo como principal objetivo a aplicação da lei ao caso concreto
sem qualquer valoração, permite a demonstração de seus principais pressupostos
ideológicos: a positividade e a estabilidade que estão ligados a idéia de um
direito positivo. Esses pressupostos caracterizam a idéia de um direito único,
de um princípio monista, ou seja, o direito positivo é visto como um fenômeno
social por excelência, e o pressuposto da estabilidade enfatiza o Estado como
órgão próprio, criador do direito. Conforme Luiz Fernando Coelho, o direito
positivo visto como fenômeno social foi se afirmando e se consolidou com a
formação do Estado moderno, eis que o Estado moderno é construção da classe
dominante no mundo ocidental, organizado burocraticamente para servir seus
próprios interesses de proprietários e, sendo assim, as normas de conduta,
elaboradas e garantidas através dessa organização, deveriam impor-se a todos os
grupos microssociais, absorvendo as normas de outra gênese e, valendo o único
direito, o direito em si. A validade de um direito em si, único, monista, é
reflexo de um direito positivo representado por uma sociedade que não precisava
e nem permitia alterações significativas, porque atendia aos anseios daquele
povo, naquela época histórica, em que o princípio da estabilidade, através do
Estado, as condições necessárias para a existência de tal direito, pois
continha o elemento lógico da “autoridade competente”. Observamos, até então, a
predominância de um direito fechado em si, isento de qualquer influência de
outras formas de conhecimento (social, político, econômico), a não ser o
lógico-formal previsto pela dogmática jurídica, ou seja, pré-estabelecido e
garantido por uma ordem jurídica estatal. Ainda sobre a questão da ciência
formal ou dogmática jurídica, temos as colocações de Viehweg a respeito da
dicotomia entre a dogmática e zetética, variando-se o enfoque conforme
acentuássemos o aspecto resposta ou o aspecto pergunta, respectivamente. Aqui,
a integração, ou a interdisciplinaridade entre os “saberes jurídicos”,
dar-se-ia ao nível da combinação entre necessidade da decisão (dogmática) e
aperfeiçoamento do sistema (zetéticas). Tércio Ferraz Júnior explica que: do
ângulo zetético, o fenômeno comporta pesquisas de ordem sociológica, política,
econômica, filosófica, histórica, etc. Nesta perspectiva, o investidor
preocupa-se em ampliar as dimensões do fenômeno, estudando-o em profundidade,
sem limitar-se aos problemas relativos à decisão dos conflitos sociais,
políticos, econômicos. Esse descompromissamento com a solução de conflitos
torna a investigação infinita, liberando-a para a especulação. Sintetizando
estas colocações, poderíamos entender que a possibilidade de um saber crítico e
interdisciplinar do Direito só pode ser pensada no interior da ciência jurídica
dogmática, resgatando seu aspecto zetético, ou seja, o direito se caracterizaria
por aspectos de idealidade e realidade. Todavia, é por estas questões que
constata-se uma aceitação generalizada, sobretudo do enfoque dogmático, pois há
uma formação conservadora e lógico-formal que garante a idéia de segurança, mas
não permite a discussão crítica e interdisciplinar.
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