A arte da premiada compositora estadunidense Ellen Taaffe Zwilich.
VALUNA: AMBULANTES DA VIDA
- Era ela o que era de mim e nela tudo
era eu e ela: a vida furiosas ondas, trovões e relâmpagos. Dela o prazer, a
vida: rebotalho de águas mansas. Alguns dias e tudo era calmaria, serenidade.
Eu e ela na correnteza quase sem pressa. Ninguém precisava nem de nada, ao se
tocar, presença real, amanhecia de nem saber de tarde, nem de noite, nem na
madrugada, companhia do tempo e do espaço. Éramos nós dois o rio e nada mais. Eu
nela, nem me lembrava mais do chão esturricado além das margens lá fora, folhas
secas, pedras expostas, mato, cadê peixe, vida... só o que restou... morto. Agora
o rio era o que sempre foi: uma companhia invisível, ignorada, só lembrada
quando a carestia reinava e se buscava saciar a fome e a sede dos que sequer agradeciam.
Noutros dias, quando dava a invernada abundante, era a irrefreável fúria
inundando segredos e adjacências citadinas, lavando tudo: as paixões, as
misérias e a fé. Marcava sempre presença indomável. Esse o rio que sou e fui. De
repente, uma nesguinha de nada, menor que o menor dos brejos, menor que as
valetas miúdas, fiapinho tênue se valendo do encontro dos pedregulhos para
chacota dos incólumes que não se atreviam desafiá-lo, coitado, que riem de seu
assoreamento até findar insepulto. Nada não, passa. Ainda é a essência de
algumas experiências exclusivas, inuptas, verdadeiramente ímpares, na
oportunidade de remontar memórias: peixe, ou pedra funda, ou alga, ou
redemoinho, ou carreirão pro mar. Fizera-se pelo escoamento dos dias e noites
nas corredeiras, levando a correnteza até onde pudesse dar, desconhecendo se um
caudaloso Amazonas, um movimentado Reno, um sinistro Mississipi, um avexado
Volga, só testemunhando a vida, alegrias e revertérios, despropósitos e
pusilanimidades, afogamentos e navegações alheias. De certeza, não seria nenhum
Tâmisa, nem Sena, nem Tejo, era a minha sina pelas turbulências menores, nos
redemoinhos perto do areial, na sede da nascente, na distância do leito, na
entrega da foz. Era lá que todos os fantasmas de doidos, desvalidos e
autóctones emergiam das entranhas mais profundas para mostrar-se que a beleza
maior escorria pelos cabelos de Iemanjá, descia como estrelas cadentes por seus
belos seios, deslizava por seu ventre e alcançava o feliz idôneo que
mergulhasse a coragem de viver no meio de um Nilo que testemunhara toda
abastança e toda decadência dos dali. Era como se pudesse ser um São Francisco
descendo de São Bento, atravessando Catendes, alagando Palmares com Águas
Pretas pelos Barreiros até alcançar nas Várzeas o Atlântico de seu chegar,
carregando por séculos ou milênios, quem sabe, reminiscências de embarcações
furtivas de origem francesa, holandesa, portuguesa; refugiando negros
quilombolas, assistindo caetés e carregando a verdadeira história dos fatos nas
mensagens de suicidas com cartas de amor no interior de garrafas; nos acaris,
nos caritos, nas cundundas; no jangadeiro que saía de uma margem à outra sem a
menor pressa de ver que o tempo passou e já ficou quase tarde para viver; no
voluntário que timbungasse com as nojeiras de antanho e se safasse são e salvo,
pronto e invulnerável; na lágrima dos que sofreram com as lâminas do passado e
não sabiam do presente e muito menos enxergavam futuro algum; na manchete
estampada num jornal velho que repisava o momento presente que não conseguia
sair do mesmo lugar de sempre, boiando; no remorso mantido à custa de tanta
ignomínia; no fedor da nobreza brega que se arrastava energúmena; no urinol
repositário de todas as maledicências; nos adultérios consentidos, nas bancarrotas
escandalosas, nas reputações arranhadas, riscadas e borradas que andavam com o
pau da venta em pé de empáfias nas lufadas das infâmias e de astuciosos ardis
nas adiposidades de rapapés fingidos; na demência de ver que a vida era outra
coisa além deste marasmo que judiava ao lado do chocante das banalidades e
trafegavam nas catacumbas da honra; na ferrugem da coragem que se expressava no
legado pobretão; de herdeiros acéfalos e indigentes nos saques dos famintos,
das ticoqueiras, dos bóias-frias nômades, dos calungas, do mané-gostoso, do
nego-bom, dos cardumes, dos lixeiros, dos desejos não correspondidos nos
esgotos, nas fotos do lambe-lambe, nas molduras encardidas, nas gavetas
cabalísticas, nas jantes inexoráveis da erosão descabida e na demência dos que
não conseguiam viver de solidariedade. © Luiz Alberto Machado. Direitos
reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS - Só é
artista aquele que é capaz de transformar a solução num enigma. Pensamento
do dramaturgo, jornalista e escritor austríaco Karl Kraus (1874-1936). Veja
mais aqui.
ALGUÉM FALOU: A matemática começa a se
parecer resolvendo cada vez mais um quebra-cabeça. Física também,
mas são quebra-cabeças criados pela natureza, não pela mente do homem. Pensamento da
física teórica alemã Maria Göppert-Mayer (1906-1972),
Nobel de Física em 1963, por propor um novo modelo do envoltório do núcleo
atômico. Foi a segunda mulher a ser laureada nesta categoria do Nobel. Apesar
da importância do seu trabalho na Universidade de Chicago, onde desenvolveu sua
pesquisa no período de 1947 a 1949, ela era considerada uma professora
“voluntária” não remunerada, e mesmo com seu currículo e reputação, teve
dificuldade de conseguir ser contratada como professora na Alemanha e nos
Estados Unidos. Veja mais aqui e aqui.
O MENINO DO PIJAMA LISTRADO – [...] Ele
foi vagarosamente até as escadas, segurando o corrimão com uma das mãos, e se
perguntou se a casa nova, onde seria o novo trabalho, tinha um corrimão tão bom
de escorregar quanto aquela. Pois o corrimão daquela casa vinha desde o andar
mais alto - começava do lado de fora do pequeno quarto onde, se ele ficasse na
ponta dos pés e segurasse firme no parapeito da janela, era possível ver até o
outro lado de Berlim - até o piso térreo, bem diante das duas enormes portas de
carvalho. E o que Bruno mais gostava de fazer era subir a bordo do corrimão no
andar de cima e escorregar pela casa toda, fazendo barulho de vento ao longo do
caminho. Descia do andar de cima até o próximo, onde estavam o quarto do pai e
da mãe e o grande banheiro, e onde ele não deveria ficar de maneira nenhuma. Descia
até o próximo andar, onde ficavam o seu próprio quarto e o de Gretel e o
banheiro menor, que ele deveria utilizar com freqüência maior do que de fato
fazia. Descia até o térreo, onde caía do final do corrimão e tinha de
aterrissar equilibrado nos dois pés, ou então perdia cinco pontos e tinha de
começar tudo outra vez. O corrimão era a melhor coisa da casa - além do fato de
vovô e vovó morarem tão perto -, e quando pensou nisso ele se perguntou se eles
também viriam até o emprego novo e acreditou que sim, pois seria impossível
deixá-los para trás. Ninguém precisava muito de Gretel, porque ela era um Caso
Perdido - seria bem mais fácil se ela ficasse para tomar conta da casa -, mas
vovô e vovó? Aí já era outra história. Bruno subiu devagar as escadas até seu
quarto; porém, antes de entrar, olhou para trás e para baixo na direção do piso
térreo e viu a mãe entrando no escritório do pai, que dava de frente para a sala
de jantar - e onde era Proibido Entrar em Todos os Momentos Sem Exceção -, e
escutou-a falando alto com ele, até que o pai falou mais alto do que a mãe era
capaz, e isso terminou com a conversa entre eles. Então a porta do escritório
se fechou, e, como Bruno não conseguiu mais ouvir nada, pensou que seria boa
idéia voltar ao seu quarto e assumir a tarefa de fazer as malas, porque senão
Maria era capaz de retirar todos os seus pertences do guarda-roupa sem o devido
cuidado e consideração, até mesmo as coisas que ele escondera no fundo e que
pertenciam somente a ele e não eram da conta de mais ninguém. [...]. Trecho
da obra O menino do pijama listrado (Companhia
das Letras, 2007), do escritor irlandês John
Boyne, uma fábula de guerra poderosa e encantadora.
Francisco Diniz
Salve, salve minha gente
Em cordel quero mostrar
A história de uma tradição
Que devemos preservar,
É a quadrilha matuta,
Um festejo popular.
Dançada no mês de junho
No Brasil e especialmente
Nos estados do Nordeste
Onde permanentemente
O povo se esforça para
Viver sempre alegremente.
A quadrilha é um misto
De teatro, música e dança
Onde aquilo que é cantado
A platéia embalança
E agrada do mais velho
À mais nova criança.
Baião, xote, xaxado,
Nosso forró pé-de-serra
São tocados por sanfona,
Só quem sabe é quem não erra,
O triângulo, a zabumba
Fazem o som da nossa terra.
Uns dizem que foi na França,
Outros que na Inglaterra
Onde a quadrilha surgiu,
Mas aqui em nossa terra
Fora bem assimilada
Pelo homem do pé da serra,
Do sítio, vila, cidade
E a mulherada adorou,
Foi uma festividade
Que no Brasil se espalhou
E por resistir ao tempo
É sinal que tem valor.
Em 1808,
Fugindo de Portugal,
Navegando em caravela,
Chegou a Corte Real
Portuguesa ao Brasil,
O motivo, nada banal:
Napoleão Bonaparte
Ameaçou invadir
Portugal e quem tentasse
O comércio insistir
Com o povo da Inglaterra,
Era ordem a se cumprir.
Dom João, rei de Portugal
Manteve com a Inglaterra
O comércio, mas depois
Viu que ia dá em guerra,
Temendo Napoleão,
Aportou em nossa terra.
Com ele, além da corte,
Veio desenvolvimento,
A divulgação da arte,
Um certo investimento
Em cultura, educação
E festa a todo o momento,
Como as danças em palácios,
Lá da Europa trazidas,
Nos salões iam pessoas,
Só ricas e bem vestidas
Em seus trajes luxuosos,
Retratos de boas vidas.
Com o tempo o povo simples
Estas danças conheceu,
Mas não gostou do que viu
E por isso resolveu
Fazer uma adaptação,
Veja o que se sucedeu:
A música lenta e suave
Foi logo modificada,
Entrou um ritmo mais forte,
Mais alegre e foi usada
Uma orquestra diferente
Da que era apresentada.
O piano deu lugar
À sanfona e também
À zabumba e ao triângulo,
Trio que sabemos que vem
Do nosso e bom forró,
Som bonito que entretém.
Foi o povo do interior,
O primeiro a dançar
A quadrilha desse jeito
E logo passou a usar
As roupas que eram então
Típicas do seu lugar.
Assim veio o chapéu de palha,
Vestido ou saia de chita,
A calça bem remendada,
Florada, mas bem bonita,
A camisa de xadrez,
Gravata e laço de fita.
A sandália currulepe,
Alpercata ou botina,
O lenço branco de seda,
Um toque de gente fina,
E também o xale de renda
No pescoço da menina.
Outros tantos adereços
Enfeitam o povo a dançar
A quadrilha, que em pares
Passa a se apresentar
Festejando um casamento
E a colheita do lugar.
Celebra-se um casório
Que o noivo nunca quer,
Não importa se ele é feio,
Se ela uma bela mulher,
O noivo sem compromisso
No meio do arrasta-pé.
Geralmente o pai da noiva
É o coronel do salão,
É quem comanda a quadrilha
Festejando São João,
São Pedro e Santo Antônio,
O colher milho e feijão.
Monta-se o arraial
Repleto de bandeirinhas,
De balão, fita e palhas,
De coqueiro, corda e linha,
Com palha de bananeira,
Soltam-se traque e chuvinha...
Soltam-se bombas e fogos,
Mas com o devido cuidado.
A fogueira já acesa
Aquece os namorados.
Faz-se adivinhação,
Come-se milho assado.
Do matuto lá da roça
Mantém-se o linguajar:
Coroné, malino, sô,
Muié, paioça, trepá,
Traquino, besta, cagado,
Vixe Maria, lascar!
Enquanto a quadrilha ensaia
Sua apresentação
São preparadas comidas
Especiais à ocasião:
Pamonha, bolo, canjica,
Mungunzá, milho, baião.
Bebe-se pinga ou quentão,
É bom não exagerar,
Uma é suficiente,
Não é pra se embriagar
E em frente a fogueira
É fácil se encontrar...
Inda hoje as pessoas
Que uma tradição mantêm
Ao escolherem padrinhos
E as madrinhas também,
Pedem bençãos, cantam, rezam,
Pulam o fogo, dizem amém.
É este o clima que envolve
Nossa quadrilha junina
Que no meio do pavilhão,
O coronel bem ensina
Os passos para a criança,
Pro adulto, jovem e à menina.
O idoso também dança,
Só quem não quer, fica fora,
Anavantur, Anarriê,
Balancê a toda hora
E no caminho da roça,
Meia volta e "vamo" embora!
E as duplas vão dançando,
As damas, os cavalheiros,
A noiva, o noivo, o padre,
A cigana, o seu parceiro,
Soldado, trabalhador
E a mulher do roceiro.
Tem criança, cangaceiro,
Tem príncipe e tem princesa,
Juiz, rainha do milho,
Sinhá-moça, camponesa,
Marinheiro e o coronel
Falando a la francesa.
Forma-se uma grande roda,
O povo todo a gritar,
Olha a chuva, olha a cobra,
Vamos nos cumprimentar,
Fazer túnel e serrote
E o bom baião dançar.
Olha-se o balão subindo
E as estrelas do céu,
Agradecemos a Deus
Por não vivermos ao léu
E vez em quando se ouve
Um poeta de cordel.
Meu sonho é que a quadrilha
Nunca venha a se acabar,
Que haja festival, concursos,
Que todos possam dançar,
Mas com a preocupação
Pra não mais adulterar...
Os passos, as vestimentas,
A música que é tocada,
Pois tradição que se preza
Não gosta de ser mudada
E eu acho muito feia
Tradição estilizada.
FRANCISCO DINIZ – O cordelista Francisco Diniz teve este cordel premiado com o primeiro lugar no concurso “Novos autores paraibanos”, , em outubro de 2006, promovido pela Universidade Federal da Paraiba.
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