Ao som dos álbuns Refúgio (2000), Duas
Madrugadas (2005), Eyin Okan (2011), Andata e Ritorno (2014),
Retalhos do Brasil (2019), Noite e dias (2022) e Abertura das
Águas (2024), da pianista, compositora, arranjadora e diretora musical Christianne
Neves, que é Mestre em Música pela Unicamp e integrou a Orquestra
Heartbreakers (1994-2000) e Havana Brasil (2000 a 2009).
PEQUENA FUZARCA DELIRIOSA... - Eternizar o momento e
cada um dos que sucedem é o que faz cada ser pensante ascender ou desmontar a
todo instante na vida, a ponto de assuntar acerca de um tanto de hipóteses
agora tão exóticas. O certo é que a gente não diria tanta besteira se
sacássemos a similaridade entre a teia cósmica e a rede neural. Afinal, a gente
destrói tudo que é integração. E se chegamos ao ponto crítico da interconexão,
outras interrogações nos assolam do absurdo pro que é conveniente, e o possível
do que não é. Não fossem os paradoxos, a gente parava e ria à toa. Tome tento!
Quem aparece no espelho pode ser outro e é preciso botar o lixo pra fora, dar
fé da bússola e fazer o que precisa ser feito. Quem tem garrafa pra vender que
se safe; quem não tem, que dê seus saltos soltos. O que foi de ontem não é mais,
o de amanhã é pragora. Pois bem, uma situação dessa na esquina da hora, sem
muxiba no moquem, nem ponto cardeal por direção, assim do nada, dei de cara com
uma distinta jovem - coisa tão desmantelada que ouvia rufarem os tambores de Alagoinhanduba
pelo que se parecia com a queda do Bennu. Tei bei. Pra se ter uma ideia, logo
de sopetão, ela se achegou Annie Vivanti: Nasci com paixão pelas
distâncias... Eu sou mulher, quero te ver... Precavido com o sopapo tentei
dar um passo atrás, o que foi inútil, ela segurou-me pelo braço e desfiou o
rosário: Sou Margarida Gretchen, filha do imperador da grande ilha de Nimpatan
do Holmesby! Onde? Vamos. Oxe! Nem pisquei os olhos e já chegávamos à Kelso,
que nem eu nem ela nunca tínhamos visto. Caminhamos por suas ruas estreitas e
sujas, até adentrarmos ao palácio que se tornou um amontoado de barracas
imundas. Ali ela assumiu o trono e não sabia o que fazer no meio daquela
desordem total. Levou-me com alvoroço ao Repositório do Conhecimento e, entre
os objetos nem tão valiosos ali expostos, estavam o enxoval do bebê que nunca
fora, seu berço e urinol, brinquedos e utensílios infantis. Comovida saiu dali me
puxando para gormarksees, o asilo dos lunáticos. Hem? Ah, era o recinto
mais luxuoso daquelas paragens, ao que ela furiosamente desalojou os ocupantes
para servir-lhe de morada com o futuro marido. Como? Explicou-me: ao nascer seus
pais mandaram-na para um convento, no qual ficou enclausurada por muitos anos. Uma
das freiras confidenciou reservadamente que ela era cobiçada pela paixão e luta
fratricida entre dois irmãos apaixonados. Mesmo? Nem se animara direito e logo soube
da causa perdida: ambos se mataram no confronto. Ah! Ao desanimar foi, então,
avisada que o pior ainda estaria por vir. Seu pai acabava de falecer e, como
princesa, precisava assumir o trono. E sua mãe? Ela olvidou e abria portas, até
sumir corredor adentro, deixando-me no salão por algum tempo. Nada admirável nem
pra se ver, mãos abanando por entretenimento. Pensei em dar no pé e ela logo retornou
com as faces abusivamente cobertas por ruge, colares enormes e pesados ao
pescoço, sufocando-se com os seios comprimidos por cotas de malha que se
alargavam na cintura, a tropeçar na barra duma saia estendida por vários
metros, dando-lhe a aparência de sinos, dizendo-me que assim se vestia em
conformidade com os costumes femininos do lugar. Estou bonita? Ah, tá. Uma coisa
me chamou a atenção: à cintura trazia uma corda enrolada, na qual aparecia uma
garrafinha pendurada, com algo vivo se mexendo dentro, parecia. Ao flagrar minha
olhadela no frasco considerou que eu não comiserasse, pois se tratava do Fausto de Goethe, um desgraçado que se aproveitou dela anos atrás. O farsante
havia feito juras de amor e, no afã de ficar a sós com ela, propositalmente
conduzindo-a a dar uma poção do sono para a vigilante mãe dela. Foi iludida
pelo tal e assim procedeu inocentemente. Na verdade, ele queria só se
aproveitar dela e partiu para abusá-la. Pior: não deu certo mesmo porque a
coitada da genitora bateu as botas ali na hora, aos estertores e envenenada. Um
escarcéu. Foi assim que ela engravidou dele sem saber como, fato que levou o
seu irmão a amaldiçoá-la e, por isso, foi pelo desalmado devidamente
assassinado. Dois crimes sem ter nem pra quê. Em sua fuga ela retornou
atormentada para o convento, perseguida noites e dias pelo espírito maligno. De
repente viu-se grávida e, pouco tempo depois, deu à luz. Uma bronca! Então, secretamente
afogou o filho recém-nascido e livrou-se como podia, até ser capturada e condenada
à morte por seu ato insano, aprisionada para cumprir a sentença em dia e
horário marcados. A revogação da sua pena fora dada por Mefistófelis:
Salvou-se! E ao mesmo tempo vingou-se dele transformando-o num diabinho coxo de
Guevara, devidamente arrolhado nesta garrafinha e, finalmente, o desgraçado
ainda foi salvo por ela mesma ao impedir que fosse dizimado no lago Vitória da
Tanzânia, complicando ainda mais o Pesadelo do Darwin de Sauper. Fechou a
narrativa com Sue Townsend: Sentimos as coisas mais do que outras
pessoas. Sabemos que o mundo está podre e que os queixos estão arruinados por
manchas... Após discorrer pela a espiral de seus ressentimentos,
perguntou-me: Sabe quem sou, afinal? Depois de tudo ela foi abrigada por um Mestre
que se esquecera do próprio nome e sequer lembrava-se de ter estuprado várias de
suas alunas e fugido sem paradeiro. Caiu noutra? Não tendo opção na vida foi
feita amante dele, porque estava entre a cruz e a espada: era a única forma de se
desvencilhar das astúcias do malfeitor endiabrado. Acontece que no meio da perseguição
implacável, conseguiu que muitas pessoas se deixassem iludir que ela seria a fugitiva
noiva de Messina do Schiller. Não era e cadê saída? Aí segurou o soluço
e aproximou-se quiromante a me segredar que recebera minha carta desesperada. O
quê? Tomou-me as mãos e conferiu as linhas nas palmas: Sabia, o diabo coxo havia
dito a verdade daquela vez! Quer se explicar? Para ela eu era um enviado dos
deuses. Deneguei, reiteradamente. Dissimuladamente me presenteou o símbolo fulgurante
dos adoradores crallilah, um indubitável suborno: uma pesada barra de
ouro. E desesperou que não queria envelhecer, precisava manter-se a cada dia vindouro
mais viva e fresca, era o que parecia e o que eu tinha a ver com isso, ora. Não
era fácil precisar: propôs um pacto que era o meu desafio ao plenilúnio - teria
eu de seguir o êxtase para obter o sucesso com as minhas escrevivências. Como
assim? Chantageava aos dengos. Incrédulo, deu-me por prova que Jesus voltou e estava
escondido no paradoxo de Spinoza, para jamais tornar-se cristão, nem nunca
ser a adoração de nenhuma empresa do negócio religioso, muito menos símbolo do poder
que usa, mata, estupra e violenta os sobreviventes de qualquer lixão. Ameaçou apontando-me
pras as cabeças vivas de Hidra no alto da parede e o fim do mundo, caso eu não
aceitasse. Escolha. Será louca? Só sendo. Franziu o cenho e raivosa desbocou: estamos
todos enredados na trama de Bulgakov. Não entendi nada e já anoitecia,
quando ela se saiu com Leonora Carrington: Nasce-se, vive-se, morre-se. O que é a morte, eu
não sei... Provavelmente sinto falta do passado... E eu tive que pagar o pato, por bem ou por mal. No
dia seguinte, o lugar mais limpo. Ufa! Não sei se foi um sonho ou se passei por
uma escotomização: um sopro mágico e tudo sumiu ou esqueci. Até mais ver.
PLEURA
Imagem: Acervo ArtLAM.
1 - couraças abertas no primeiro do último século. órgão cimentado
rubro. como no princípio: a dor era parte inferior. criaram um nome para tapar
os buracos: chamaram-no coração. veio o tempo que é enganador. soprou sob os
rostos das mulheres primeiro: fez delas coisas impraticáveis. e depois foi no
olho esquerdo dos homens: os fez secretos. foi para as crianças criou a
eternidade dentro. o coração verga – disse o X. era preciso um órgão que fosse
seguro. atento aos delírios da visão.
2 - olharam-se:
os únicos feitos para a sorte. caminharam endireitados sem saber onde se tinham
escondido os ouvidos. os pés alados sofreram a pressa do sopro vindo das
pedras. - para que servem os dedos? o mundo é um espelho centrado, ofusca as
mãos. (uma voz diz): entras na porta transfigurada, força vulcânica. pulmões no
clarão agudo da morte. entras na destreza das coisas com as glândulas por fora:
invasão surda. imóvel. entras na carne da razão com a luz apagada. sabes e
sabes que a luz apagada é a mais acesa. pela pálpebra entras no interior do
redemoinho ou na ferida hermética.
3 - foi
naquele dia em que o céu caiu para receber o poema da ditadura. as vozes dos
homens amanheceram, quem podia cantar cantou. continuam eles à procura do
órgão. – façam o que quiserem, dei-vos a liberdade. os cegos inundaram as
vísceras. os surdos enlouqueceram. o mistério deambula no órgão primário. ossos
do órgão podem se ver no firmamento.
4 - o
mundo faz barulho à procura desse animal. ele que sobe e desce nas alturas
supostas pelas grandes tempestades. deus vê as caras brutas dos sentimentos,
perdoa e continua….o animal geme de fome. na nuca tem água violenta. sede mais
antiga que o corpo com todas distâncias da terra. esse animal universal
concentrado na insónia, arrasta para fora a estação circular das poças. veda a
treva e a luz no mesmo saco. belo clarão o que se faz por cima das entoações
secretas.
5 - uma
fotografia guiada por uma criança, - dizem a única que pode ver o animal: “era
uma árvore rosada, com ramos magros altos oblíquos, em cada ramo havia um livro
fechado na parte superior e noutros menores livros abertos. dificultavam o
tórax, traziam abelhas nas flores rasas. como a árvore tinha olhos, o peso não
se aguentava sob as pálpebras. por isso surgiram as membranas revestidas de
leveza, pareciam esponjas. pareciam algodões.”
Poema da
escritora e jurista moçambicana Hirondina Joshua, integrante da Associação dos Escritores
Moçambicanos e autora dos livros Os ângulos da casa (2016), Córtex
(2021) e Câmara de Ar (2023), entre outros livros.
BINTI - [...] Preferimos explorar o universo viajando para dentro, em vez de para fora. [...] só porque algo não é surpreendente não
significa que seja fácil lidar com isso. [...] Dizem que quando se
depara com uma luta que você não pode vencer, você nunca pode prever o que fará
a seguir. Mas eu sempre soube que lutaria até ser morto. [...] Meu pai não acreditava em guerra. Ele
disse que a guerra era um mal, mas se acontecesse, ele se deleitaria com ela
como areia em uma tempestade. [...]
Eu acreditava que só poderia ser grande se tivesse curiosidade suficiente
para buscar a grandeza. [...] Não importa qual escolha eu fizesse, eu
nunca teria uma vida normal, na verdade. Olhei em volta e
imediatamente soube o que fazer a seguir [...]. Trechos da obra Binti (Tordotcom, 2015), da
premiada escritora e educadora nigeriana-americana Nnedi Okorafor. Veja
mais aqui.
ANIMAL SOCIAL - [...] A pessoa mais fácil de fazer lavagem cerebral é aquela cujas crenças são
baseadas em slogans que nunca foram seriamente desafiados. [...] quanto mais semelhante uma pessoa lhe parece
em atitudes, opiniões e interesses, mais você gosta dela. Os
opostos podem se atrair, mas não permanecem. [...] Assim, se o amor apaixonado é como a cocaína,
então o companheiro é mais como uma taça de bom vinho – algo delicioso e
prazeroso, mas com menos palpitações de saúde e menos mania. [...] Notícias
são uma forma de entretenimento. [...] Uma apreciação do poder da
auto-estima ajuda-nos a compreender porque é que as pessoas que têm baixa auto-estima
ou que simplesmente acreditam que são incompetentes em algum domínio não ficam
totalmente felizes quando fazem algo bem, porque pelo contrário muitas vezes
sentem-se como fraudes [...] Talvez mais pessoas estivessem inclinadas a
agir se, tal como o estereótipo do terrorista, o aquecimento global tivesse
bigode [...] alguns psicólogos evolucionistas sustentam que os sistemas
de crenças ideológicas podem ter evoluído nas sociedades humanas para serem
organizados ao longo de uma dimensão esquerda-direita, consistindo em dois
conjuntos centrais de atitudes: (1) se uma pessoa defende a mudança social ou
apoia o sistema como ele é, e (2) se uma pessoa pensa que a
desigualdade é resultado de políticas humanas e pode ser superada ou é inevitável
e deve ser aceita como parte da ordem natural. Os psicólogos evolucionistas
apontam que ambos os conjuntos de atitudes seriam tiveram
benefícios adaptativos ao longo dos milénios: o conservadorismo teria promovido
a estabilidade, a tradição, a ordem e os benefícios da hierarquia, enquanto o
liberalismo teria promovido a rebeldia, a mudança, a flexibilidade e os
benefícios da igualdade. Os conservadores preferem o familiar; os
liberais preferem o incomum. Todas as sociedades,
para sobreviver, teriam feito melhor com ambos os tipos de cidadãos, mas
podemos ver porque é que liberais e conservadores discutem de forma tão
emocional sobre questões como a desigualdade de rendimentos e o casamento
homossexual. Eles não estão apenas discutindo sobre a questão
específica, mas também sobre suposições e valores subjacentes que emergem de
seus traços de personalidade. É importante ressaltar
que estas são tendências gerais. A maioria das pessoas
desfruta de estabilidade e de mudanças nas suas vidas, talvez em proporções
diferentes em idades diferentes; muitas pessoas mudarão
de ideias em resposta a novas situações e experiências, como foi o caso da
aceitação do casamento gay; e até há relativamente
pouco tempo, na sociedade americana, a maioria dos membros de ambos os partidos
políticos estavam dispostos a comprometer-se e a procurar um terreno comum na
aprovação de legislação. Ainda assim, tais diferenças na orientação básica ajudam
a explicar o facto frustrante de que liberais e conservadores tão raramente
conseguem ouvir-se uns aos outros, e muito menos conseguir mudar a opinião uns
dos outros. [...]. Trechos extraídos
da obra The Social Animal (Worth Publishers, 2011),
do psicólogo estadunidense Elliot Aronson. Veja mais aqui.
MARACATU DE BAQUE SOLTO
[...] essa gente das terras da cana espera
ansiosa pelo Carnaval. Só então a cidade, transfigurada, voltará para eles de
novo a brilhar. É o tempo do Maracatu. [...] Até onde a memória alcança,
sempre foram gente da cana ou de emprego humilde do pequeno comércio das vilas
e povoados. [...].
Trechos extraídos da publicação Maracatu do
baque solto (Quatro Imagens, 1998), do fotógrafo Pedro Ribeiro e da socióloga
e pesquisadora Maria Lúcia Montes. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e
aqui.
UM OFERECIMENTO: SANTOS MELO LICITAÇÕES
Veja detalhes aqui.
&
Tem mais:
Livros Infantis Brincarte do Nitolino aqui.
Curso: Arte supera timidez aqui.
Poemagens & outras versagens aqui.
Diário TTTTT aqui.
Cantarau Tataritaritatá aqui.
Teatro Infantil: O lobisomem Zonzo aqui.
Faça seu TCC sem traumas – consultas e curso aqui.
VALUNA – Vale do Rio Una aqui.
&
Crônica de amor por ela aqui.