TRÍPTICO DQC: Filosofia, Ciência & Arte -
No último sábado, 27 de fevereiro,
atendi o convite do parceiramigo, José
Carlos Calheiros, diretor da Escola
de Filosofia, Ciência & Política, para desenvolver uma exposição acerca
da temática Filosofia, Ciência & Artes no dia a dia das pessoas. Na
ocasião iniciei com apresentação com a definição dos termos e uma abordagem
histórica e conceitual acerca das três áreas compreendidas, desde a Antiguidade
antes e pós gregos, o advento do cartesianismo e o mecanicismo, o dualismo
psicofísico, o holismo de Smuts e a
holística contemporânea, a quântica,
a teoria da relatividade de Einstein
e as teorias consequentes, o papel das artes no desenvolvimento humano, a
psicanálise de Freud e Carl Jung, a fenomenologia e a pós-modernidade,
as neurociências, a hipernormalização e a estupidologia, e as perspectivas humanas
diante da pandemia e contexto socioeconômico, confrontando ideias para o
dia-a-dia em debates sobre as ocorrências dos dias atuais. Foi um encontro
proveitoso por oportunizar que reiterasse as conduções adotadas durante a
entrevista que concedi na sexta, dia 26 de fevereiro, ao radialista e advogado
Mavio Alves, no programa Falando Sério da Cultura FM, sobre tema similar.
DOIS: A rainha de Candaules & O Anel de Giges - Ao som do
álbum Gattaca (Virgin, 1997), do
compositor minimalista, pianista e musicologista britânico Michael Nyman. - Ao despertar no domingo, meio rouco e indisposto, levantei
meio alquebrado e fui depositar os braços cruzados sobre a janela para
contemplar a paisagem. Era de descanso e merecido. Logo alguém apareceu e, para
meu espanto, era o rei Candaules me saudando: Giges! Quem? Ah, meu predileto,
hoje você verá a rainha nua e poderá comprovar tudo que eu disse até hoje sobre
a beleza dela. Hum? Sabemos todos que se confia menos nos ouvidos do que nos
olhos, então você comprovará o quão estonteantemente bela é a sua rainha e só
você terá esse privilégio porque é o único em quem deposito minha total e
irrestrita confiança. Você verá: ela é a mais bela, não há outra. Já tenho tudo
pronto, venha. Nossa! Sabia que o rei era apaixonadíssimo por ela e a mim
confiava os seus mais íntimos pensamentos e confissões. Diante desta situação, não
sabia o que fazer. Há tempos ele vinha me provocando para que eu desse um jeito
de vê-la nua para confirmar sua formosura. Sabia eu que quando uma mulher se
despe não são somente as vestimentas que são removidas, desaparece também o
pudor. Precaução nunca seria demais. Resisti o mais que pude, tinha de escapar
e não foi possível. Ele insistente então me levou pelo castelo e me escondeu atrás
da porta do seu quarto: Fique aí e cuide para que ela não o veja, ouviu? Sim. Ali
fiquei quieto, preocupado: em que fui me meter, ora bolas! Ele logo se deitou. Algum
tempo se passou e em seguida ouvi passos. Era ela e se aproximou do trono,
retirou uma a uma de suas vestes e as depositou sobre ele, ficou completamente
despida. Ao afastar-se, desfilou em direção à cama e lá ia a beldade de costas,
um espetáculo do universo! Acompanhei cada gesto, cada passo. Deitou-se. Pude ver
tudo e esperei um tempo para poder sair. Com a quietude no recinto,
antecipei-me e escapuli de fininho, ufa! Nunca mais! E dei-me por livre de tal situação,
limpando tudo na mente e esquecendo que um dia ali estive e que nunca a vira. Fiz
o que pude para não encontrar o rei com suas perguntas a respeito e tanto me
esquivei o quanto pude. Porém, no dia seguinte, lá ia com os meus afazeres para
lá e para cá e logo a rainha mandou-me chamar. Já me aprontava para
atender-lhe, mas havia alvoroços nas proximidades: notei que ela se aproximava.
Mantive a calma e ao vê-la chegar, empurrou-me contra a parede: Ou mata o
soberano ou morre. Como? Isso mesmo: ou mata o rei, se apodera de mim e do
governo dos lídios, ou terá de morrer agora para nunca mais obedecer ao rei e
ver o que não deve. E agora? Assustado só me restava dizer: Majestade. Ela irredutível.
Desse momento em diante, todos os dias ela em riste com a ameaça. Vendo-me sem
saída, eis que me presenteou o Anel:
tome! Sim, exatamente o Gýgou Daktýlios, aquele cobiçado artefato mágico
que recebeu menção na História (Nova
Fronteira, 2019), de Heródoto e n’ A República (UnB, 1996), de Platão, e que concedia ao possuidor o
poder de tornar-se invisível para aprontar, traduzindo a ideia de que a pessoa
inteligente, para o filósofo grego, era aquela que seria considerada justa por
não temer qualquer má reputação ao cometer injustiças. Sim, sim, aquele mesmo
do De Officiis (Clarendon, 1994), de Cícero e também d’O homem invisível (Zahar, 2017), de H. G. Wells. E, mais recentemente, da obra O anel de Giges: uma fantasia ética (Companhia das Letras, 2020),
de Eduardo Giannetti: Desde
que nos damos por gente, a vida em sociedade nos faz atores; ela nos educa e
afia, em atos e palavras, na arte de expor e ocultar. Imagine a existência de
um anel que faculte ao seu dono o privilégio de ficar invisível ao olhar
alheio: ao simples girar do engaste no dedo a pessoa desaparece e, ao retorná-lo
à posição normal, ela volta a ficar visível aos olhos de todos. O anel de Giges
é o salvo-conduto da invisibilidade: transparência física, nudez moral. Sim, era a
rainha linda&nua, a aliança noitedia e o que será de mim não sei.
TRÊS: O cisne & ela - Imagem: a arte da bailarina francesa Agnès Letestu, ao som de O Lago dos Cisnes (1877- Movie Play, 2006), de
Tchaikovski, com o Ballet da Ópera
Nacional de Paris, regente Vello Pahn. - Ao
despertar estava à beira de um lago paradisíaco e do outro lado um belo cisne
voava sobre as águas. Fiquei entre surpreso e admirado: uma rara beleza daquela
ave. Acompanhei todo o seu percurso e ao contornar, veio pela margem em que me
encontrava, dando-me a impressão de que me vira e vinha em minha direção. Ao se
encontrar bem próximo a mim, pousando no chão, de repente: não mais cisne, era
uma bela mulher nua e assustada com a minha presença. Não vou lhe fazer mal, o
que houve? Sou Odette, fui vítima dos horrores de um feiticeiro e tenho apenas
algumas horas neste estado, logo tornarei a ser cisne, essa a minha maldição
pela eternidade. Este lago foi formado com as lágrimas da minha mãe, é nele que
vivo, só me libertarei no dia em que um corajoso me salvar. Vivo a fugir do meu
algoz, mas ele me captura e me mantem sob seu jugo. Como? Nem abrira a boca e
logo aparecera o feiticeiro Rothbart ao seu encalço. Procuro protegê-la sem nem
saber como, abracei seu corpo frágil e forcei a um mergulho comigo. Ela nem teve
forças para resistir, desejava livrar-se daquele que a aprisionara. Jogamo-nos
às águas e fiz o que pude para nos distanciar daquele asqueroso perseguidor. Não
sabíamos nadar, mas consegui arrastá-la segurando um tronco que boiava,
alcançamos o rio e descemos pela correnteza até sermos jogados contra a pedraria
e sairmos a salvos sem nem saber onde estávamos àquela altura. Recuperamos o
fôlego e caminhamos pelo matagal à procura de algum caminho que desse para
algum lugar hospedeiro. A certa altura da caminhada, ela procurou descansar em
alguma raiz de mangueira exposta. Sentou-se, tocou seu corpo como se
interrogasse o que havia acontecido a ela, foi aí que levantou as vistas para
mim e disse: Estou desencantada! Abriu um sorriso largo e pulou sobre mim
abraçando-me: Ah, Siegfried, meu príncipe! Como foi bom vê-lo à beira do lago
para me salvar. E fez dançar ao seu ritmo. Não sabia o que dizer nem fazer,
apenas envolvê-la com meus braços e ouvi-la do filósofo francês Émile-Auguste Chartier (1868-1951): Amar é descobrirmos a nossa riqueza fora de
nós. É preciso querer ser feliz e contribuir para isso. Se ficarmos na posição
do espectador impassível, deixando para a felicidade apenas a entrada livre e
as portas abertas, será a tristeza que entrará. E falava
e bailava e sorria e me beijava levitando ave solta. Foi então que me beijou
novamente as faces e fez um gesto como se livrasse de todos os seus véus para
ser minha, e eu comigo, observando aquela beleza toda, como se eu fosse o
escritor britânico Arthur Machen
(1863-1947): Você pode achar que tudo isso é um absurdo estranho; pode ser estranho, mas é verdade, e os antigos sabiam o
que significava levantar o véu. Eles chamaram isso de ver o deus Pan. Sim, era
ela agora a amada náiade Sírinx com o presente do Siringe, para que eu possa
tocá-la inteira e encantar a vida com um verso do escritor sul-africano Peter Abrahams (1919-2017): Cada homem está deitado sobre o seu povo,
sua história, sua cultura e valores. Foi assim que ela tornou-se a minha
vida. Até mais ver.
TERÇA NEGRA NO RECIFE
A obra Terça Negra no Recife: música, dança, espiritualidade e sagrado (Cepe,
2020), da pesquisadora em Ciências da Religião na Unicap, Lúcia dos Prazeres, reúne histórias
sobre o fortalecimento da identidade, cultura e espiritualidade de
afro-pernambucanos, vividos a partir da Terça Negra – evento que acontece às
terças-feiras à noite no Pátio de São Pedro há 20 anos, iniciada em 2000 e já
recebeu mais de 300 grupos, entre afoxés, maracatus, grupos de samba, dança, hip
hop, coco, bandas de samba reggae e manguebeat. Na pesquisa destaca
a representação dos valores e a cultura africana, em cinco capítulos com as
narrativas de 12 personagens que transformaram a experiência do povo negro no
Recife e tiveram suas próprias histórias fortalecidas pelos encontros de música
e dança no Pátio de São Pedro. São nomes como Vera Baroni, militante do
movimento negro e integrante da Casa de Religião de Matriz Africana, Ylê Obá
Aganju Ocoloiá; Marta Almeida, militante negra, coordenadora do Movimento Negro
Unificado de Pernambuco; Frei Tito, Doutor em Antropologia, com experiência em
Antropologia da Religião; e Elza Maria Torres da Silva, sacerdotisa de matriz
africana conhecida como Mãe Elza. Veja mais aqui e aqui.