TRÍPTICO DQC: SOS Brasil! - Ao som do álbum Amazônia (Carmo, 1990), de Egberto Gismonti. - Salve toda gente de
Pindorama! Os dias não estão tão simpáticos assim, não mesmo. É que aqui a
coisa vai de mal a pior já faz um bom tempo. Pudera, já se vão uns cinco anos desandando
e empiorando a cada amanhecer. Nunca me passou pela cabeça que a gente, depois
de tanta luta de décadas pela plenitude democrática, de uma hora para outra, ao
invés de seguir adiante, o Brasil deu marcha à ré de ficar só nisso: dirigindo
pelo retrovisor. Ainda me pergunto como é que pode na última eleição, entre tantos candidatos, o pior foi escolhido. Isso sem
contar com golpes, um atrás do outro: roubaram nossos sonhos. Como é que pode? Pois
foi, para completar o Kid Coisonário
com a sua tresloucada trupe sentou-se em Brasília, patrocinado pela elite
infame dos seculares sátrapas do nepotismo oligarca, imprensa vendida e salafrários
trampolineiros da mão invisível a serviço da opressiva dominação das
transnacionais corporações e lá tome voto regido a mentiras e orações. Queria mais?
Sabia eu lá que haveria tantos Fabos,
Cafos & similares ilegíveis do Mobral
onipresente e do bestiário da Planolândia
daqui (tão tóxicos e corrosivos da peçonha e as suas nada brilhantes
inteligências que precisam de tratamento psiquiátrico por seus desequilíbrios mentais
e estupidez à flor da pele, nenhum inimputável, diga-se de passagem), e aboletados
com suas tronchuras tão levianas quanto ressentidas na Operação da Praga
Duradoura e que se multiplicaram a cada ninhada, dando cria aos montes, não
havendo direito qualquer perspectiva de erradicá-los no moribundo Brasil que
virou o Corcunda Recalcitrante das Mil e Uma Noites: quem não suspeito? De quem a culpa, ora essa, tantas vidas
perdidas e todo mundo ligado no Big Shit Bôbras, voyeurs e ególatras umbigocentristas,
que não tem quem seja capaz de dar um breque na desabalada descida: Êêêêêê, boi
do cu-cagado! Fico cá comigo pensando quem poderá sobreviver aos bregues detratores
e aos esbarrões das ameaças furiosas das cabeçadas e patrioteiras carteiradas
deles, como se isso fosse possível, digo logo, longe disso, são desumanos
porque indiferentes, o que já é meio caminho andado para a barbárie. Meio caminho
nada, já é. Quem conseguiria persistir humano se tudo virou como se fosse aqueles
suntuosos casarões de outrora demolidos pela especulação imobiliária, o que me
dá a impressão de pegar no sono e, de um dia pro outro, o país deixar de existir
de tão esturricado no abismo e tragado pelo sensacionalismo do noticiário. Eita,
pau! Já dizia acertadamente Sérgio Augusto: Nesta terra em que se
corrompendo tudo dá! Parece mesmo um nó cego, senão insolúvel. Pois é, eu
mesmo fico com a cara daquele escritor britânico, Kenneth Grahame (1859-1932): É o meu mundo e não desejo nenhum outro. Sim,
mas ele alerta no seu The Reluctant
Dragon (Egmont, 2008): A fera terrível deve ser exterminada, o interior deve ser
libertado dessa praga, desse terror, desse flagelo destruidor. Mas são muitos e tantos, um exército de acéfalos com as
fileiras engrossadas não sei como. Otimista por natureza, lá vou enfrentando a
destruição como posso e não é nada, a desgraça com efeito em cadeia parece
indestrutível, valha-me! Como sair do Fecamepa,
SOS Brasil! Salve-se quem puder!
DOIS: Escapar da tirada de fino e bala perdida - Imagem:
a arte da artista visual, escritora e professora Teresinha Soares, ao som do Canticum Naturale, per
soprano e orchestra (1972), de Edino Krieger, com a soprano Evi Zeller
& Philharmonisches Orchester Südwestfalen. – Por conta disso, lembrei-me
que minha vó dizia insistentemente que a mãe havia jogado meu umbigo no rio,
coisa que me levou a me afeiçoar tanto por água. Lá no quintal dos meus avós
havia um brejo e eu menino só vivia pela beirada. E ela: Menino sai daí, tu
ainda morre afogado, desgraçado! Um bocado de década se passou e nem morri de
mesmo, exceto duas ou três vezes que fui do outro lado e voltei mais
compenetrado que nunca, não me passando por aquele do Dente quebrado, do escritor venezuelano Pedro Emílio Coll (1972-1947), nem me aventurando por rios
caudalosos ou mares tempestuosos. Ao contrário, me peguei muitas vezes naquela
do escritor estadunidense Michael Hart
(1947-2011): Muitas vezes foi dito que se Jesus voltasse à terra, ele
ficaria chocado com muitas das coisas que foram feitas em seu nome e
horrorizado com as lutas sangrentas entre diferentes seitas de pessoas que se
dizem seus seguidores. Aí sim: quantos não vejo em nome dele tramar
falcatruas, enrolar fieis e mandar na ver ajeitado no pé do cipa, pois é. Nem
polícia, nem Justiça nem ninguém dá cabo deles: estão todos enrolados até o
pescoço e em nome de Jesus, cruz-credo! Bem, olho pros lados e vejo: verdadeira
perdição. Então, pensei na minha vó: de que poderia mesmo eu morrer, com tantos
meteoros passando e tirando fino, tantos satélites pendurados, aeronaves para
cima e para baixo, afora outras tantas ameaças, sobretudo do monstro invisível
com a morte rondando aqui e acolá, ora, ora. Bem, dum sopapo da vida ou duma
disfuncionalidade orgânica qualquer, não sei, vou escapando: passam triscando
por mim, alguns arranhões e rugas, apenas. No mais, ileso e resiliente.
TRÊS: A VÊNUS DO QUINTAL - Imagens:
arte da artista multimídia argentina Teresa
Nazar (1936-2001), ao som de Cismas para trio de cordas, contrabaixo
e piano (1997), da compositora Marisa Rezende, na interpretação da pianista Thais Nicolau & Quarteto Radamés
Gnattali, no Festival de Música Contemporânea Brasileira (2018) – Ah, sim, pois foi exatamente pelo periodo em que era eu
menino lá da beira do brejo, que se deu a descoberta duma estátua enterrada no
quintal. Foi isso mesmo, verdade. Uma estátua enorme de Vênus, acho. Fiquei tão
excitado com aquilo de querer ficar ao seu lado o tempo todo – ora, desde
menino eu conversava com plantas, paredes e amigos invisíveis, ela seria real e
em tamanho natural, muito melhor. Não deu, logo me tomaram e esconderam não sei
onde, a ponto de, com o passar do tempo, esquecê-la, não antes chorar de sonhar
dias, meses, anos. Pois bem, agora, depois de todos mortos, lá vou eu com questões
de inventário, formais de partilha e me deparo com o quarto dos pertences dos
meus antepassados. Nunca que poderia adivinhar que a família pudesse guardar
tanta tranqueira. Tudo amontoado num dependência duma casa que sequer sabia
existir. Pois bem, lá fui eu ver o que sobrara do espólio: meio mundo de coisa empoeirada
e coberta por teias de aranha, nada mais. Um verdadeiro monturo. Quase desisti
da conferência, não fosse na mínima vasculhada rápida, lá escondida estava ela,
tal e qual a La Vénus d'Ille (1837), de Prosper Merimée: Apenas
devemos fazer as tolices que nos agradam. E, talqualmente aquela do
poeta francês Jules Barbier
(1825-1901): E afinal era só uma boneca de olhos de esmalte. Isso mesmo quando se repetia no intervalo entre
o primeiro e o segundo ato do seu texto operístico Les contes d'Hoffmann
(1881), musicado por Jacques Offenbach:
É ridículo: ninguém se apaixona por uma
boneca! Tudo baseado na história da boneca de Hoffmann, que até virou filme dirigido por Michael Powell e Emeric
Pressburger: Olympia não passava de uma enorme boneca mecânica. Pois sim,
depois de remover todas as catrevagens, quase tudo direto pro lixo de imprestável,
exceto a estátua que guardei no meu quarto. Ficou lá, encardida mas limpinha,
como se fosse um troféu. Dia vai, dia vem, eu chegava, olhava para ela e ali
ficava por horas até adormecer. Um dia lá, cheguei tão cansado que só deu tempo
de me banhar e me recolher, nem olhei para ela, nem nada, tratei de dormir, mas
o sono foi interrompido, ouvi alguém falar Juana de Ibarborou: O amor é fragrante como
um ramo de rosas. Amoroso, todas as fontes são possuídas. A minha surpresa? Era ela, a Vênus Galateia do meu quintal, viva nudez no meu quarto. Como pode?
Disse-me Jeffrey Eugenides: Essa
obrigação de ser feliz paradoxalmente nos deixa cada vez mais infelizes. No
final, não foi a morte que a surpreendeu, mas a teimosia da vida. Como é?
Não entendi! Ela fitou-me firme e decididamente, abraçou-me deitando-se em
minha cama como se fosse Maria Bonita
governando Lampião, afinal, todo dia é Dia da Mulher e eu atravessasse com ela
toda primavera. Era verão quando ela saiu e não mais voltou, nem disse adeus.
Hibernei, só voltarei ao final do outono. Até mais ver.
A ARTE DE CLÓVIS PEREIRA
A arte
do compositor, arranjador, pianista e regente Clóvis Pereira, autor de frevos, caboclinhos, maracatus e obras
para coro e orquestra e de peças sinfônicas. Em sua homenagem a obra Clóvis Pereira: no reino da pedra verde (Cepe,
2016), do jornalista, pesquisador e crítico musical Carlos Eduardo Amaral,
abordando a vida e uma coletânea importante para a música erudita pernambucana,
além de informações sobre o lançamento das composições, formação instrumental, bem
como iconografia e dados coletados com o próprio músico. Na primeira parte da
obra é contada a trajetória do garoto pobre de Caruaru, apaixonado por música e
cinema, ao respeitado professor universitário, com cursos na Berklee College of
Music, em Boston, Massachussets, nos EUA, hoje gozando de uma confortável
aposentadoria, e finalmente podendo conviver no dia a dia com a família,
mulher, filhos, netos. A segunda parte é um catálogo da sua obra, envolvendo
uma listagem e classificação das partituras e discos; consultas presenciais e online
a bibliotecas do Recife, do Rio de Janeiro e de João Pessoa; entrevistas
com músicos que interpretaram peças do compositor ou tiveram peças arranjadas
por ele; e redação final. Veja mais aqui e aqui.