domingo, março 07, 2021

MARISA REZENDE, TERESA NAZAR, JUANA DE IBARBOROU, JEFFREY EUGENIDES & CLÓVIS PEREIRA

 

 

TRÍPTICO DQC: SOS Brasil! - Ao som do álbum Amazônia (Carmo, 1990), de Egberto Gismonti. - Salve toda gente de Pindorama! Os dias não estão tão simpáticos assim, não mesmo. É que aqui a coisa vai de mal a pior já faz um bom tempo. Pudera, já se vão uns cinco anos desandando e empiorando a cada amanhecer. Nunca me passou pela cabeça que a gente, depois de tanta luta de décadas pela plenitude democrática, de uma hora para outra, ao invés de seguir adiante, o Brasil deu marcha à ré de ficar só nisso: dirigindo pelo retrovisor. Ainda me pergunto como é que pode na última eleição, entre tantos candidatos, o pior foi escolhido. Isso sem contar com golpes, um atrás do outro: roubaram nossos sonhos. Como é que pode? Pois foi, para completar o Kid Coisonário com a sua tresloucada trupe sentou-se em Brasília, patrocinado pela elite infame dos seculares sátrapas do nepotismo oligarca, imprensa vendida e salafrários trampolineiros da mão invisível a serviço da opressiva dominação das transnacionais corporações e lá tome voto regido a mentiras e orações. Queria mais? Sabia eu lá que haveria tantos Fabos, Cafos & similares ilegíveis do Mobral onipresente e do bestiário da Planolândia daqui (tão tóxicos e corrosivos da peçonha e as suas nada brilhantes inteligências que precisam de tratamento psiquiátrico por seus desequilíbrios mentais e estupidez à flor da pele, nenhum inimputável, diga-se de passagem), e aboletados com suas tronchuras tão levianas quanto ressentidas na Operação da Praga Duradoura e que se multiplicaram a cada ninhada, dando cria aos montes, não havendo direito qualquer perspectiva de erradicá-los no moribundo Brasil que virou o Corcunda Recalcitrante das Mil e Uma Noites: quem não suspeito? De quem a culpa, ora essa, tantas vidas perdidas e todo mundo ligado no Big Shit Bôbras, voyeurs e ególatras umbigocentristas, que não tem quem seja capaz de dar um breque na desabalada descida: Êêêêêê, boi do cu-cagado! Fico cá comigo pensando quem poderá sobreviver aos bregues detratores e aos esbarrões das ameaças furiosas das cabeçadas e patrioteiras carteiradas deles, como se isso fosse possível, digo logo, longe disso, são desumanos porque indiferentes, o que já é meio caminho andado para a barbárie. Meio caminho nada, já é. Quem conseguiria persistir humano se tudo virou como se fosse aqueles suntuosos casarões de outrora demolidos pela especulação imobiliária, o que me dá a impressão de pegar no sono e, de um dia pro outro, o país deixar de existir de tão esturricado no abismo e tragado pelo sensacionalismo do noticiário. Eita, pau! Já dizia acertadamente Sérgio Augusto: Nesta terra em que se corrompendo tudo dá! Parece mesmo um nó cego, senão insolúvel. Pois é, eu mesmo fico com a cara daquele escritor britânico, Kenneth Grahame (1859-1932): É o meu mundo e não desejo nenhum outro. Sim, mas ele alerta no seu The Reluctant Dragon (Egmont, 2008): A fera terrível deve ser exterminada, o interior deve ser libertado dessa praga, desse terror, desse flagelo destruidor. Mas são muitos e tantos, um exército de acéfalos com as fileiras engrossadas não sei como. Otimista por natureza, lá vou enfrentando a destruição como posso e não é nada, a desgraça com efeito em cadeia parece indestrutível, valha-me! Como sair do Fecamepa, SOS Brasil! Salve-se quem puder!

 


DOIS: Escapar da tirada de fino e bala perdida - Imagem: a arte da artista visual, escritora e professora Teresinha Soares, ao som do Canticum Naturale, per soprano e orchestra (1972), de Edino Krieger, com a soprano Evi Zeller & Philharmonisches Orchester Südwestfalen. – Por conta disso, lembrei-me que minha vó dizia insistentemente que a mãe havia jogado meu umbigo no rio, coisa que me levou a me afeiçoar tanto por água. Lá no quintal dos meus avós havia um brejo e eu menino só vivia pela beirada. E ela: Menino sai daí, tu ainda morre afogado, desgraçado! Um bocado de década se passou e nem morri de mesmo, exceto duas ou três vezes que fui do outro lado e voltei mais compenetrado que nunca, não me passando por aquele do Dente quebrado, do escritor venezuelano Pedro Emílio Coll (1972-1947), nem me aventurando por rios caudalosos ou mares tempestuosos. Ao contrário, me peguei muitas vezes naquela do escritor estadunidense Michael Hart (1947-2011): Muitas vezes foi dito que se Jesus voltasse à terra, ele ficaria chocado com muitas das coisas que foram feitas em seu nome e horrorizado com as lutas sangrentas entre diferentes seitas de pessoas que se dizem seus seguidores. Aí sim: quantos não vejo em nome dele tramar falcatruas, enrolar fieis e mandar na ver ajeitado no pé do cipa, pois é. Nem polícia, nem Justiça nem ninguém dá cabo deles: estão todos enrolados até o pescoço e em nome de Jesus, cruz-credo! Bem, olho pros lados e vejo: verdadeira perdição. Então, pensei na minha vó: de que poderia mesmo eu morrer, com tantos meteoros passando e tirando fino, tantos satélites pendurados, aeronaves para cima e para baixo, afora outras tantas ameaças, sobretudo do monstro invisível com a morte rondando aqui e acolá, ora, ora. Bem, dum sopapo da vida ou duma disfuncionalidade orgânica qualquer, não sei, vou escapando: passam triscando por mim, alguns arranhões e rugas, apenas. No mais, ileso e resiliente.

 


TRÊS: A VÊNUS DO QUINTAL - Imagens: arte da artista multimídia argentina Teresa Nazar (1936-2001), ao som de Cismas para trio de cordas, contrabaixo e piano (1997), da compositora Marisa Rezende, na interpretação da pianista Thais Nicolau & Quarteto Radamés Gnattali, no Festival de Música Contemporânea Brasileira (2018) – Ah, sim, pois foi exatamente pelo periodo em que era eu menino lá da beira do brejo, que se deu a descoberta duma estátua enterrada no quintal. Foi isso mesmo, verdade. Uma estátua enorme de Vênus, acho. Fiquei tão excitado com aquilo de querer ficar ao seu lado o tempo todo – ora, desde menino eu conversava com plantas, paredes e amigos invisíveis, ela seria real e em tamanho natural, muito melhor. Não deu, logo me tomaram e esconderam não sei onde, a ponto de, com o passar do tempo, esquecê-la, não antes chorar de sonhar dias, meses, anos. Pois bem, agora, depois de todos mortos, lá vou eu com questões de inventário, formais de partilha e me deparo com o quarto dos pertences dos meus antepassados. Nunca que poderia adivinhar que a família pudesse guardar tanta tranqueira. Tudo amontoado num dependência duma casa que sequer sabia existir. Pois bem, lá fui eu ver o que sobrara do espólio: meio mundo de coisa empoeirada e coberta por teias de aranha, nada mais. Um verdadeiro monturo. Quase desisti da conferência, não fosse na mínima vasculhada rápida, lá escondida estava ela, tal e qual a La Vénus d'Ille (1837), de Prosper Merimée: Apenas devemos fazer as tolices que nos agradam. E, talqualmente aquela do poeta francês Jules Barbier (1825-1901): E afinal era só uma boneca de olhos de esmalte. Isso mesmo quando se repetia no intervalo entre o primeiro e o segundo ato do seu texto operístico Les contes d'Hoffmann (1881), musicado por Jacques Offenbach: É ridículo: ninguém se apaixona por uma boneca! Tudo baseado na história da boneca de Hoffmann, que até virou filme dirigido por Michael Powell e Emeric Pressburger: Olympia não passava de uma enorme boneca mecânica. Pois sim, depois de remover todas as catrevagens, quase tudo direto pro lixo de imprestável, exceto a estátua que guardei no meu quarto. Ficou lá, encardida mas limpinha, como se fosse um troféu. Dia vai, dia vem, eu chegava, olhava para ela e ali ficava por horas até adormecer. Um dia lá, cheguei tão cansado que só deu tempo de me banhar e me recolher, nem olhei para ela, nem nada, tratei de dormir, mas o sono foi interrompido, ouvi alguém falar Juana de Ibarborou: O amor é fragrante como um ramo de rosas. Amoroso, todas as fontes são possuídas. A minha surpresa? Era ela, a Vênus Galateia do meu quintal, viva nudez no meu quarto. Como pode? Disse-me Jeffrey Eugenides: Essa obrigação de ser feliz paradoxalmente nos deixa cada vez mais infelizes. No final, não foi a morte que a surpreendeu, mas a teimosia da vida. Como é? Não entendi! Ela fitou-me firme e decididamente, abraçou-me deitando-se em minha cama como se fosse Maria Bonita governando Lampião, afinal, todo dia é Dia da Mulher e eu atravessasse com ela toda primavera. Era verão quando ela saiu e não mais voltou, nem disse adeus. Hibernei, só voltarei ao final do outono. Até mais ver.

 

A ARTE DE CLÓVIS PEREIRA



A arte do compositor, arranjador, pianista e regente Clóvis Pereira, autor de frevos, caboclinhos, maracatus e obras para coro e orquestra e de peças sinfônicas. Em sua homenagem a obra Clóvis Pereira: no reino da pedra verde (Cepe, 2016), do jornalista, pesquisador e crítico musical Carlos Eduardo Amaral, abordando a vida e uma coletânea importante para a música erudita pernambucana, além de informações sobre o lançamento das composições, formação instrumental, bem como iconografia e dados coletados com o próprio músico. Na primeira parte da obra é contada a trajetória do garoto pobre de Caruaru, apaixonado por música e cinema, ao respeitado professor universitário, com cursos na Berklee College of Music, em Boston, Massachussets, nos EUA, hoje gozando de uma confortável aposentadoria, e finalmente podendo conviver no dia a dia com a família, mulher, filhos, netos. A segunda parte é um catálogo da sua obra, envolvendo uma listagem e classificação das partituras e discos; consultas presenciais e online a bibliotecas do Recife, do Rio de Janeiro e de João Pessoa; entrevistas com músicos que interpretaram peças do compositor ou tiveram peças arranjadas por ele; e redação final. Veja mais aqui e aqui.