sexta-feira, março 05, 2021

BYUNG-CHUL HAN, MARK DANIELEWSKI, LACEY LEWIS, SIMON BISLEY & CÍCERO DIAS

 

 

TRÍPTICO DQC: Janelavai... – Ao som do álbum Études, preludes, choros (RRMR, 1986), de Heitor Villa-Lobos, na interpretação do violonista Turíbio Santos. Da janela a hora e já vou: a indiferença grassa, o morticínio tornou-se insuportável e a mordaça da negação ousa coibir a gritaria dos que sucumbiram e dos que escaparam aflitos. Recolho todos os meus mortos: os da convivência, os que se foram das mais longínquas plagas e todas as vítimas do irresponsável Genocídio do Fecamepa, que Mario Sergio Cortella flagra na tragédia: ... tem levado a população a uma situação de agonia cada vez mais forte. Na educação, na saúde, na cultura e na economia, a gestão federal tem sido desastrosa. E vem levando algumas instituições, como as Forças Armadas, à total desmoralização. Sensação das cinzas, dói demais e quem culatreia ou acuado na condução persecutória, salve-se quem puder ao deus dará. É o que se pode fazer pregados olhos no artigo O coronavírus de hoje e o mundo de amanhã, do filósofo Byung-Chul Han: Precisamos acreditar que após o vírus virá uma revolução humana. Somos nós, pessoas dotadas de razão, que precisamos repensar e restringir radicalmente o capitalismo destrutivo, e nossa ilimitada e destrutiva mobilidade, para nos salvar, para salvar o clima e nosso belo planeta. É o que nos resta depois de uma espiada aguda na sua obra Sociedade do cansaço (Vozes, 2015), na qual assevera: A sociedade do século XXI não é mais a sociedade disciplinar, mas uma sociedade de desempenho. Também seus habitantes não se chamam mais “sujeitos de obediência”, mas sujeitos de desempenho e produção. São empresários de si mesmos. Enfim, observa ele: O homem não nasceu para o trabalho. Quem trabalha não é livre. Respiro fundo e voo: a minha liberdade é inegociável, sou ave Patativa de Assaré: Onde a verdade aparece a mentira é destruída. E se eu tivesse que morrer hoje ou agora mesmo, tudo já teria valido a pena. Para onde vou será sempre dia; e o anoitecer, descanso. Por isso levo todos e quem quiser comigo bem dentro do coração: já nela vou lá.

 


DOIS: Escrita das imagens dos pedaços – Imagens: As heroínas do quadrinista e artista visual britânico Simon Bisley, ao som da Cello Sonata in C-Major, op. 119 (1949), de Sergey Prokifiev, na interpretação da pianista Sol Gabetta e da cellista Polina Leschenko (2016). – E vai a vida e gira e voo estrada afora sem contar as pedras dos caminhos, já foram tantas rolando ribanceira abaixo e nunca tive medo de me perder, quantos labirintos desatei das tocaias da legião de minotauros e sicários em série, desencantados nas rebarbas escatológicas do ermo real, fabricados pelas cloacas desiguais. Havia de me salvar não sei das quantas e sempre ela assomava do inopinado no valhacouto das circunstâncias, a me dizer Rosa Luxemburgo: Não estamos perdidos. Ao contrário, venceremos se não tivermos desaprendido a aprender. Há todo um velho mundo ainda por destruir e todo um novo mundo a construir. Mas nós conseguiremos... Quem não se movimenta, não sente as correntes que o prendem. A Liberdade é quase sempre, exclusivamente a liberdade de quem pensa diferente de nós. E era o pão de cada dia, fome saciada com migalhas agarradas pela mão. Lá estão estradas erradias e uma esperança indelével recolhida dos olhos do coração dela.

 


TRÊS: Olhar a alma de todos os sobreviventes - Imagem: a arte da artista visual estadunidense Lacey Lewis, ao som do álbum Satie: Complete Piano Works Vols. 1 e 2 (Brilliant Classics, 2010), de Erik Satie, na interpretação da pianista italiana Christina Ariagno. – Solidária solidão, não tinha mais onde ficar sequer para onde ir. Quando ela desaparecia, errava às cabeçadas muros e paredões, até ver-me sacudido pelas aversivas condições, a tê-la ao lado, arrimo de todas as horas, recitando Anna Akhmátova: Eu, como um rio, / Fui desviada por estes duros tempos. / Deram-me uma vida interina. / E ela pôs-se a fluir num curso diferente, passando pela minha outra vida, e eu já não reconhecia minhas próprias margens. O que se perde não ganha, mas o achado quando menos se espera. Quando não, no meio da tarde ela me dizia um trecho do House of Leaves (Pantheon, 2000), do escritor estadunidense Mark Danielewski: Paixão tem pouco a ver com euforia e tudo a ver com paciência. Não se trata de se sentir bem. É uma questão de resistência. Assim como a paciência, a paixão vem da mesma raiz latina: pati. Não significa fluir com exuberância. Significa sofrer. E para quem sofreu além da conta e ainda achava pouco, nunca demais, o cansaço e ela, era o que tinha mais haver, não mais. Ela ausente sequer imagina viver em mim, mesmo que nem me dê conta por onde anda ou vai, vive inteira e real em mim. É hora de prosseguir, mesmo que as tardes sejam madrugadoras ou as manhãs anoitecidas, ziguezague e vice-versa, eu voo: não passei do ponto, a hora é esta. Até mais ver.

 

A ARTE DE CÍCERO DIAS



Num clarão estranho, rompendo tudo, num ruído metálico de suas grandes asas, os poderosos arcanjos vão paliando pelas costas do Nordeste os corais. Corais e mais corais. Belos, rosas, vermelhos. Sabiam da luz das estrelas. Estrelas cadentes, bem vivas, a mostrar o caminho da vida eterna. E, ao abrigo de uma esfera celeste, colorida de um azul de anil, as formas e as cores se ajustavam.

A arte do artista plástico do Modernismo brasileiro Cícero Dias (1907-2003). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.