OS OLHOS DE CLARICE - Ao mergulhar nos
olhos crepusculares de Clarice, ainda não era noite e eu não tinha mais que
dezessete anos de idade, a minha nada lisonjeira adolescência. Descobri no seu
olhar oceânico o faroleiro caleidoscópico de antes da pré-história da
pré-história da pré-história em que fui menino no meio nada. Para não me perder
nos desvãos da sina, ela tomou minhas mãos e levou-me por ermas paragens da
cidade sitiada na desaparição de tudo. Nada via pela íngreme vertigem de seus
mistérios, até à beira do precipício. Convidou-me a pular, ela comigo. E diante
dos laços de família esgarçados na minha solidão perene, abraçou-me acendendo o
lustre e era o oásis do seu quarto pra guarida do meu desassossego. Deitou-me
qual criança exaltada de temores e pra visão do esplendor ela se despiu como a
mãe que se banha sem perder o filho de vista. Deitou-se com o aroma incensado
de sua carne fresca, minha cabeça ao seu ombro, alisando meus cabelos,
beijando-me as faces na minha felicidade clandestina. Achegou-se mais e sua
pele na minha pele, senti seu ventre quente na via-crucis do corpo. Era quase de verdade, como se sonho que sonha
real nos ponteiros loucos do tempo, a me mostrar da água viva e da legião
estrangeira, a maçã no escuro, e eu a revolver seus mares, constelações e
galáxias, até bem perto do coração selvagem. A cada beijo para não esquecer,
mais me abraçava com as pulsações de um sopro de vida, a ensinar a imitação da
rosa de corpo inteiro. E me contou histórias da mulher que matou os peixes, o
mistério do coelhinho pensante, a bela e a fera, a vida íntima de Laura, a
paixão segundo G. H., para que eu adormecesse sobre seus seios nus, uma
aprendizagem no livro dos prazeres. À hora da estrela perguntou por onde estive
nas noites de antes e sem me deixar dizer nada, me falou da morte em pleno dezembro e que ia
morrer dali a pouco pra guardar o seu momento pra mim. Eu tinha apenas
dezessete anos e ela prestes a morrer na hora chegada e eu soubesse ela viva para
sempre em mim no seu silêncio inatingível. © Luiz Alberto Machado.
Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música da compositora, pianista e escritora Jocy de Oliveira: Estórias para voz, instrumentos acústicos e eletrônicos, Noturno
de um piano, Esferas rítmicas & Revisinting Stravinsky & muito mais nos
mais de 2 milhões &
500 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja
mais aqui e aqui.
PENSAMENTO DO DIA – [...] O
amor é uma criação de beleza, [...]. E
quando o amor surge é uma obra de arte e o criador tem com ele todos os cuidados que se
tem com uma obra de arte [...]. Pensamento
extraído da obra Educação de Portugal
(Ulmeiro, 1990), do filósofo, poeta e ensaísta português Agostinho da
Silva (1906-1994), que em outra obra, Vida conversável (NEP/ CEAM/UnB, 1994), expressou que: [...] a capacidade de contemplação e de criação do
homem, aproveitando tudo aquilo que foi feito com o sacrifício dos
trabalhadores durante séculos e séculos. [...] esperança de que se estabeleça na Terra um paraíso terreal, de que,
pela meditação, os homens cheguem a um tempo em que o paraíso terreal e o
espiritual, o do Céu, sejam exatamente a mesma coisa [...] em que o homem deixa que brote de si tudo
quanto é de possibilidade divina ao mesmo tempo que não perde nada da sua
humanidade [...]. Veja mais aqui, aqui e aqui.
AUTOESTIMA & HOJE – [...] A
turbulência de nossa época exige indivíduos fortes, com um claro senso de
identidade, competência e valor. Diante do colapso do consenso cultural, da
falta de modelos de papéis dignos, das poucas coisas públicas que inspirem
nossa fidelidade, e das rápidas e desorientadoras mudanças que são a feição
permanente de nossa vida, é perigoso não saber, neste momento de nossa
história, quem somos, ou não confiarmos em nós mesmos. A estabilidade que não
podemos encontrar no mundo terá que ser criada dentro de cada um. Enfrentar a
vida com baixa autoestima é estar em séria desvantagem [...] A mente que confia em si mesma não pesa
sobre os pés.[...] a confiança em
nossa capacidade de pensar; confiança em nossa habilidade de dar conta dos
desafios básicos da vida; e confiança em nosso direito de vencer e sermos
felizes; a sensação de que temos valor, e de que merecemos e podemos afirmar
nossas necessidades e aquilo que queremos, alcançar nossas metas e colher
frutos de nossos esforços [...] O que
hoje se necessita e se exige, numa era de trabalhadores inteligentes, não é a
obediência robotizada, mas pessoas que possam pensar.[...]. Trechos
extraídos da obra Autoestima e seus seis
pilares (Saraiva, 2002), do escritor e psicoterapeuta canadense Nathaniel Branden (1930-2014). Veja mais aqui.
O MELHOR TEMPO É O PRESENTE – [...] Ela
era negra, ele era branco. Nada mais importava. Identidade era só isso, naquele
tempo. Simples como as letras negras nesta página branca. Por causa dessas duas
identidades, eles transgrediam. E conseguiram se dar bem, mais ou menos. Não
eram tão visíveis, nem politicamente tão conhecidos, que vales-se a pena
processá-los nos termos da Lei da Imoralidade: melhor seria mantê-los em
observação, segui-los, por um lado, na expectativa de que deixassem pistas que
levassem a militantes de mais peso, ou pela possibilidade de que fossem
recrutados para fazer relatórios referentes ao seu nível de envolvimento, fosse
o de dissidentes ou o de revolucionários. Na verdade, ele era um daqueles que,
quando estudante, fora abordado discretamente com indiretas sutis baseadas no
patriotismo ou, talvez, na suposição igualmente natural de que os jovens
precisam de dinheiro, tendo sido deixado claro que ele não deveria se
preocupar, pois sua segurança pessoal estaria garantida, bem como sua situação
financeira, se ele se lembrasse das coisas que eram ditas nas reuniões a que
ele estava presente e desempenhava seu papel. Engolindo uma golfada de
repugnância e imitando o tom da abordagem, ele recusou a oferta — sem que o
homem se desse conta de que a rejeição não era apenas da oferta, mas também da
pessoa que se prestava ao papel de cafetão da polícia política. Ela era negra,
mas isso agora é muito mais complexo do que o início e o fim da existência
conforme registrada num arquivo ultrapassado de um país ultrapassado, muito
embora o nome permaneça o mesmo. Ela nasceu naquele tempo; seu nome é uma
assinatura do passado de sua origem, batizada na igreja metodista em que um de
seus avôs fora pastor, e seu pai, diretor de uma escola local para meninos
negros, era presbítero, sendo sua mãe presidente da sociedade feminina da
igreja. A Bíblia era a fonte do primeiro nome de batismo, seguido do segundo,
africano, o qual as pessoas brancas — que a criança teria que aprender a
agradar, e com quem teria de lidar neste mundo — não associavam a nenhuma
identidade. Rebecca Jabulile. Ele era branco. Mas também isso não é tão
definitivo quanto era codificado nos arquivos antigos [...]. Trecho
extraído do romance O melhor tempo é o presente (Companhia das Letras, 2014), da
escritora sul-africana e Prêmio Nobel de Literatura em 1991, Nadine Gordimer (1923-2014). Veja mais
aqui.
DEDICATÓRIA – Umedece
/teus lábios com sal, / que não seja o
de tuas lágrimas. / Esta chuva-água é presente dos deuses / bebe sua pureza,
frutifica na hora certa. / Leva, pois, os frutos à boca, / corre para devolver
o milagre de teu nascimento. / Cria marés humanas como as ondas, / imprime tua
lembrança nas areias que ainda guardarão / fósseis. Poema do
poeta e dramaturgo nigeriano Wole Soyinka. Veja mais aqui.
CLARICE LISPECTOR
UMA APRENDIZAGEM OU O LIVRO
DOS PRAZERES
O Centro
Cultural Vital Corrêa de Araujo informa:
Lançamento
do livro Porto Solidão & do filme Palmares, arte, poesia e amor,
de Genésio Cavalcanti & muito mais na Agenda aqui.
&
O dedo mindinho do pé direito, Nasrudin de Indries Shah, o pensamento de Richard Orage, a arte de Liz West, a música dos Beatles, Gênesis, Pink Floyd & Led Zeppelin aqui.
&
É ela todas as musas, a literatura de Dalton Trevisan, O ocasionalismo de Al-Ghazzali, a arte de Kazimierz
Mikulski & Luciah Lopez, a música de Marlos Nobre, Galina
Ustvolskaya, Gilberto Mendes & Miriam Ramos aqui.
APOIO CULTURAL: SEMAFIL
Semafil Livros nas faculdades Estácio de Carapicuíba e Anhanguera de São
Paulo. Organização do Silvinha Historiador, em São Paulo. Fone: 11 98499-2985.