O VEXAME DE DORO - Imagem: arte do
fotojornalista britânico George Rodger
(1908-1995). - Doro não sabe mais o que fazer. De tanto se agoniar com a
campanha, quase nada mais resta da sua cabeleira. Ele já fez de tudo: despacho,
promessa, simpatia, orações, ginástica a quatro e nada. Os cabelos é que pagam
o pato: está quase careca. Se a borreia da candidatura não pega nem no
empurrão, ele não tem mais a quem recorrer para não se espatifar mais uma vez
no desmanche. Das tantas quedas, jamais aprendeu a botar a mão na massa e
acertar a roda. Haja desenfreio ladeira abaixo. Sem um cabo eleitoral para
remédio, nem a favor algum que o ajude a sair desse imprensado, ele está que
nem louco que deu baixa na sanidade e prestes a dar entrada num hospício
qualquer. Destá. Com toda meleca, ele ainda insiste. Tanto que, diante da Igreja
Bidiônica dos Finais do Tempo, resolve, então, apelar pro padre Bidião.
Cadê-lo? O suposto santo há dias que não dá as caras. Sebo nos cambitos, meu. Doro
mesmo quase seca as canelas de tanto procurar por ele, resultado algum, nenhuma
notícia, só a informação de que anda na sua nave com seus clones galáxia afora.
Sem perder as últimas esperanças, para ele o templo do padre é a sua última
alternativa e ajoelha-se de espremer-se todo numa oração sem fim, começada de
manhãzinha, emendada à tarde toda e entrando pela noite, infinitamente. Reza de
chorar, espernear, peidar e se lascar todo de vexame. Na sua agonia, uma mão
pousa sobre seu ombro. Faz que nem é com ele. Ouve a voz que lhe soa bem aos
ouvidos, mantendo-se cabisbaixo: Qual o seu problema, meu senhor? Estou
embroncado! Nada é impossível aos olhos de Deus. Eu sei, mas o troço que eu
quero é o mais impossível dos impossíveis. Possivelmente o senhor não está
acertando na dose. Eu já esborrei de tanta coisa certeira que só dá errado.
Realmente o senhor está atrapalhado. Estou mais que isso, estou fodido e mal
pago. Por que o senhor não tenta o Confessionário dos Desejos? Ele, então,
levanta os olhos rasos d’água, encara a beata e se assusta, dizendo pra si:
Eita, essa é jeitosa, ô pirão dos deuses, a mais cobiçada de todas. É
Magnalícia, uma das beatas secretas do padre, a enclausurada que jamais aparece
para os fiéis. Na hora esquece o seu propósito e já animado com a presença
dela, indaga: O que tenho que fazer? Vá pro confessionário, narre todos os seus
pecados e peça com fé. Já fui e não deu jeito. Vá de novo. Será que estou
fazendo errado? Pode ser, não custa nada tentar de novo, vá! Só se a senhorita
for comigo, me acompanhar ajudando-me a realizar meu pedido. Ela aquiesce e vai
à frente encaminhando-o para o recinto sagrado. Ao chegar, abre a porta e
manda-o entrar. Só se a senhorita entrar primeiro. Anuindo ela adentra
convidando a segui-la. Pronto, agora se ajoelhe e proceda conforme o ritual. Como?
Solícita, ela explica como proceder nos mínimos detalhes, como manda o figurino.
Posso me ajoelhar aos seus pés? Ela senta-se ao trono e ele genuflexo aos seus
pés. Ela ordena: Vamos, confesse e peça! Ele bota pra chorar
descontroladamente, lamentando sua falta de sorte, seu sofrimento constante,
sua vida desgraçada. Chora de não ter mais quem o console. Magnalícia diante
daquela lamurienta miserabilidade, comisera e põe uma das mãos sobre sua
cabeça: Acredite, meu filho, você alcançará. Manteve-se desolado com seu
plangente martírio aos pés da beata piedosa. Ele aumenta a dose do berreiro,
num plangor de causar piedade extrema na devotada que alisa seus cabelos para
animá-lo da sua desdita. Lá pras tantas, depois de se esgoelar todo, enxuga as
lágrimas com a manga da camisa e tentando esconder sua lamúria, pergunta: Posso
beijar seus pés, irmã? Pode, irmão, se isso alivia sua dor, pode sim. Ele se
aproveita e beija os pés dela de forma tão afetuosa, dela suspirar tocada.
Beija-lhe muitas vezes os calcanhares, o tornozelo, as pernas, os joelhos, e vai
avançando embaixo da batina e começa a lamber suas coxas, dela se arrear prazerosa.
Na horagá, quase pronto para a investida e se arremessar sobre a beatificada, surge
do inopinado o vigilante guardião do templo, o cão Cérbero que ao vê-lo arriar
as calças, coloca os dentes nos seus testículos rosnando bravo. É só uma
ameaça, mas mete um medo da peste. Ele toma um susto com o bafo da brabeza na
porta do seu procto, dele sair pulando segurando as calças e a intimidade
excitada. E berra: Que é que isso, meu? Cérbero late para que a irmã se
recomponha e o intruso caia fora do sagrado confessionário. Com os latidos
volumosos do cão, logo acorrem outros devotos que encaram Doro com reprovação. Agora
deu. A irmã imobilizada pelo susto, choraminga baixinho. Um dos interventores
grita com ele: Como é que pode, irmão? Ele profanou o templo. Entendendo que
ela havia sido atacada, todos arregaçam as mangas e prometem uma surra no Doro
que, diligentemente, sai de fininho com tudo de fora, às carreiras, pé na
bunda. Pega! Pega! Pega! Eita! Bronca da peste! Se ele pensava em resolver seus
problemas, ganhou mais um pras suas costelas. Agora, lá vai ele cheio de nó
pelas costas, sal pisando na moleira. Esse não tem jeito mesmo. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do músico instrumentista e
acordeonista Renato Borghetti: com Hermeto Pascoal, Este Tal de Borghettinho, Gaita Ponto
Com & álbum de estúdio & muito mais nos mais de 2 milhões &
500 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja
mais aqui, aqui e aqui.
PENSAMENTO DO DIA – [...] Ninguém pode alcançar a Verdade sem lutas. Para tudo
requerem-se esforços tenazes; sem perseverança ninguém pode ver o fruto do seu
labor. [...]. Pensamento extraído da obra As
duas grandes leis espirituais (ICR, 1977), do filósofo e mestre espiritual
peruano Julio Ugarte y Ugarte
(1890-1949).
RECADO AOS BRASILEIROS - [...]
Pensem nisso tudo os eleitores. Pensem na
necessidade de assegurar a continuidade do seu esforço, contra os que desejam a
volta dos maus hábitos e do descaso. Pensem no trabalho que regenera e nas
reações que enxovalham. Pensem no poder do dinheiro e na limpidez das
convicções desinteressadas. Depois, votem sabendo o que desejam de melhor para
a sua cidade. [...]. Trecho extraído de Eleição
e cultura (Folha de São Paulo, 1992), do sociólogo e crítico literário Antonio
Cândido (1918-2017). Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
DIANTE
DO OCEANO – [...] Uma história persa muito
antiga mostra o narrador como um homem isolado, de pé diante do oceano, Ele
conta sem parar, história atrás de história, mal fazendo uma pausa para beber,
de vez em quando, um copo d‘água. O oceano, tranquilo, o escuta fascinado. E o
autor anônimo acrescenta: - Se um dia o contador se cala, ou se fazem com que
ele se cale, ninguém pode dizer o que fará o oceano. [...] Trecho extraído
da obra O círculo dos mentirosos: contos
filosóficos do mundo inteiro (Códex, 2004), do escritor, roteirista,
diretor e ator francês Jean-Claude
Carrière.
DESCOBERTA DA LITERATURA
- No
dia-a-dia do engenho, toda a semana, durante, cochichavam-me em segredo: / saiu
um novo romance. / E da feira do domingo / me traziam conspirantes / para que
os lesse e explicasse / um romance de barbante. / Sentados na roda morta / de
um carro de boi, sem jante, / ouviam o folheto guenzo, / a seu leitor
semelhante, / com as peripécias de espanto / preditas pelos feirantes. / Embora
as coisas contadas / e todo o mirabolante, / em nada ou pouco variassem / nos
crimes, no amor, nos lances, / e soassem como sabidas / de outros folhetos
migrantes, / a tensão era tão densa, / subia tão alarmante, / que o leitor que
lia aquilo / como puro alto-falante, / e, sem querer, imantara / todos ali,
circunstantes, / receava que confundissem / o de perto com o distante, / o ali
com o espaço mágico, / seu franzino com o gigante, / e que o acabassem tomando
/ pelo autor imaginante / ou tivesse que afrontar / as brabezas do brigante. / (E
acabaria, não fossem / contar tudo à Casa-grande: / na moita morta do engenho,
/ um filho-engenho, perante / cassacos do eito e de tudo, / se estava dando ao
desplante / de ler letra analfabeta / de curumba, no caçanje / próprio dos
cegos de feira, / muitas vezes meliantes. ). Poema extraído da obra A escola das facas (José Olympio, 1980), do poeta
e diplomata João Cabral de Melo Neto (1920-1999). Veja mais aqui.
FARENHEIT 451
O drama Farenheit 451 (1966), do cineasta francês François Truffaut
(1932-1984), é uma adaptação da
obra homônima do escritor estadunidense Ray Bradbury (1920-2012), sobre
uma sociedade do futuro que baniu todos os materiais de leitura e o trabalho
dos bombeiros de manter as fogueiras a 451 graus: a temperatura que o papel
queima. Um bombeiro começa a repensar sua função ao conhecer uma jovem
encantadora que adora livros. Veja mais aqui.
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A arte do fotojornalista britânico George Rodger
(1908-1995).
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Diário
de bordo, a poesia de Edoardo Sanguineti, o cinema de Ken Loach, a
escultura de Philippe Faraut, a arte de Eugene J.
Martin, a música de Hermeto Pascoal, Jocy Oliveira, Laurie Anderson, Orquestra Armorial & Quinteto Armorial aqui.
APOIO CULTURAL: SEMAFIL
Semafil Livros nas faculdades Estácio de Carapicuíba e Anhanguera de São
Paulo. Organização do Silvinha Historiador, em São Paulo. Fone: 11 98499-2985.