A SOLIDÃO DO PORTO E DAS VIDAS DE NINGUÉM – Já diz o
ditado: o que é do homem, o bicho não come! Como o acaso não existe, por isso
mesmo, outro: o que tiver de ser, será. E foi. Pois bem, este livro possui duas
histórias! A primeira, a da feitura do próprio livro: seus escritos desceram
nas águas da enchente para nunca mais, pelo menos era o que se pensava. Não
fosse a presteza vigilante da guardiã-prima Fátima, às vassouradas quando as
águas baixaram, ao se deparar com um calhamaço emporcalhado, tomando pra si de
colocá-lo para secar ao sol, guardando-o depois como quem se esquece por dias,
meses e anos. Fosse outra, restaria apenas lata de lixo, com certeza. Aí, um
dia lá, de supetão, ela se lembra e recolhe o volume para entregá-lo ao autor:
era o livro perdido, agora devidamente recuperado. Graças! A segunda, a
comovente história de Florisberto, Domitila e seus três filhos: Rubiana,
Juninho e Aninha – a Cabelo de Fogo -, moradores do Porto Solidão, suas vidas,
degredo e derrocada: o retrato pungente daqueles que enfrentam a tragédia com
ternura no coração, mesmo que deserdados do mundo pelo colapso da monocultura
canavieira, com as transformações nefastas que arruinaram reputações e a vida
brasileira: um país agrícola que só serve ao latifúndio e aos interesses
escusos. Tolhidos pelo desânimo e angústia da decadência, eles viveram como
quem tem onde cair morto e não podem nem isso, pois, estão insepultos, e teimam
em plantar cana para vender à usina que faliu e não têm mais o que fazer: a
terra, como sempre, maravilhosa e inútil; a vida, uma carestia. Valiam-se
apenas dos amigos vizinhos e solidários, o Alcides e Maricota, Jamelão e
Arlinda, enquanto heróis da miséria no desafio da sociedade, só a paz da alma,
nenhuma razão de gente esquecida que não levam pedras às mãos e, apesar de
juntos, uns aos outros, família reunida, sempre estavam todos sós, à deriva,
pelo torvelinho das ilusões com revoltas por minguados resultados, por dúvidas
existenciais marcantes e a austera solidão - o que se tinha em comum: a solidão
apenas, nada mais. Trata-se de uma história de amor e ternura de uma família
resignada na nobreza do sofrimento, das virtudes realçadas no emudecido grito
de socorro desesperado diante da pungente realidade: a vida em plenitude no
meio de uma dramática situação que envolveu seres perdidos em algum rincão da
região canavieira. O autor com estilo simples, enxuto e despido de ornamentos,
não menos expressivo, ativo e vibrante, faz uma síntese do seu tempo na
argamassa ficcional, penetrando a moldura dos personagens e a complexidade
social com o calor da sensibilidade, o sangue da invenção na articulação de
episódios e fatos, a urdidura da história contada: a condição humana na trama
da vida. Esta é uma narrativa que eu gostaria de ter escrito, confesso. O resto
é o que está por vir nas páginas, saibam e verão, de antemão: uma história e
tanto. E o melhor de tudo: chega dá vontade de ler e reler. Em verdade, posso
asseverar categoricamente: nada melhor que lê-lo e tirem a prova dos nove. Boa
viagem. © Luiz Alberto Machado.
Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música da cantora e compositora
estadunidense Joan Baez: Live in New York, Live in Paris, Live Woodstock &
Festival des Vieilles Charrues & muito mais nos mais de 2 milhões &
500 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja
mais aqui, aqui e aqui.
PENSAMENTO DO DIA – [...] Podem desempenhar as tarefas da vida
quotidiana; alguns deles até desenvolvem uma considerável habilidade em todos os
testes desse tipo. Mas ficam completamente perdidos quando a solução do problema
exige alguma atividade teórica ou reflexiva específica. Não são capazes de
pensar em conceitos ou categorias gerais. Tendo perdido o domínio dos universais,
apegam-se aos fatos imediatos, às situações concretas. Tais pacientes são
capazes de desempenhar qualquer tarefa que só possa ser executada por meio de
uma compreensão do abstrato. Tudo isso é altamente significativo, pois mostra a
que ponto o tipo de pensamento que Herder chamou de reflexivo é dependente do
pensamento simbólico. Sem o simbolismo, a vida do homem seria como a dos
prisioneiros na caverna do famoso símile de Platão. A vida do homem ficaria confinada
aos limites de suas necessidades biológicas e seus interesses práticos; não
teria acesso ao “mundo ideal” que lhe é aberto em diferentes aspectos pela
religião, pela arte, pela filosofia e pela ciência. Trecho de Das
reações animais às respostas humanas, extraído da obra Ensaio sobre o homem: uma introdução a uma filosofia da cultura humana
(Martins Fontes, 1994), do filósofo alemão Ernst Cassirer
(1874-1945). Veja mais aqui e aqui.
SEGREDO POLÍTICO - [...] o segredo do político: esta duplicidade
estrutural no funcionamento das sociedades, que é bem diferente da duplicidade,
psicológica, dos homens do poder. Duplicidade que, profundamente, faz do
processo social um jogo em que a sociedade em boa parte frustra sua própria
socialidade, e sobrevive graças a essa flexibilidade das aparências, graças a
esse desinteresse e a essa estratégia imoral (coletiva sem, dúvida alguma, mas
não-visível, não-concertada, e desconcertante por si mesma) com relação a seus
próprios valores. [...] O problema é então
reconciliar a sociedade com seu próprio projeto e “socializar” o que só pede
para sê-lo. Aniquilar toda duplicidade, toda estratégia das aparências no nível
dos valores - maximalização da relação social, densidade da responsabilidade
coletiva (e certamente também do controle), visibilidade das estruturas e do
funcionamento, apoteose da moral pública e da cultura. [...] Porque nenhum grupo jamais funcionou assim -
mas sobretudo: que grupo não sonhou com isso? Felizmente é verossímil que algum
projeto social digno desse nome jamais existiu, que nenhum grupo na verdade
jamais se concebeu idealmente como social, em suma, jamais houve “a sombra”
(salvo nas cabeças intelectuais) nem o embrião de um sujeito coletivo com
responsabilidade limitada, nem a possibilidade mesma de um objetivo dessa
ordem. As sociedades que devotam suas energias para isso, que se lançam nesse
sonho moral de socialização, estão perdidas de antemão. Este é o contrassenso
fundamental. Felizmente elas sempre fracassarão, escaparão a si mesmas, o
social não se estabelecerá. Trecho da obra À sombra das maiorias silenciosas: o fim do
social e o surgimento das massas (Brasiliense, 1985), do
sociólogo e filósofo francês Jean Baudrillard (1929-2007). Veja mais
aqui.
MONÓLOGO DE MOLLY BLOOM - [...] eu
adoro flor eu ia adorar entupir a casa de rosa Deus do céu não tem nada igual à
natureza as montanhas virgens e aí o mar e as ondas quebrando e aí o interior
lindo com os campos de aveia e de trigo e tudo quanto é coisa e aquele gado
bonito tudo andando de um lado pro outro isso faz um bem pra alma ver rio lago
e flor tudo quanto é tipo de forma cheiro e cor saltando até das valas prímula
e violeta é a natureza e por mais que eles digam que Deus não existe eu não dou
dez merréis de mel coado por toda essa sabedoria deles por que que eles não me
vão lá e criam alguma coisa eu sempre perguntava pra ele os ateus ou sei lá que
nome que eles se dão vão lá tirar as cracas primeiro depois saem berrando atrás
do padre e eles lé morrendo e por quê ora porque eles ficam com medo do inferno
por causa da má consciência deles pois sim eu conheço bem os tipos quem foi a
primeira pessoa no universo antes de existir alguém que fez isso tudo que ah
isso eles não sabem e nem eu está vendo é que nem eles tentarem fazer o sol não
nascer amanhã o sol brilha por você ele disse no dia que a gente estava deitado
no meio dos rododendros no morro Howth com o terno cinza de tuíde e o chapéu de
palha no dia que eu fiz ele me pedir em casamento sim primeiro eu dei pra ele
um pouquinho do pão de gergelim que estava na minha boca e era ano bissexto que
nem agora dezesseis anos atrás meu Deus depois daquele beijo comprido eu quase
perdi o fôlego sim ele disse que eu era uma flor da montanha sim e a gente é
flor mesmo nós todas o corpo de uma mulher sim taí uma verdade que ele disse na
vida e o sol brilha por você hoje sim foi por isso que eu gostei dele porque eu
vi que ele entendia ou sentia o que uma mulher é eu sabia que sempre ia poder
passar a perna nele e eu dei todo o prazer que eu pude dando corda até ele
pedir pra eu dizer sim e primeiro eu não respondia e fiquei olhando pra longe
pro mar e o céu eu estava pensando em tanta coisa que ele não sabia o Mulvey e
o senhor Stanhope e a Hester e o papai e o velho capitão Groves e os
marinheiros brincando de lenço atrás e simão mandou e tirando água do joelho
que nem eles diziam lá no píer e o sentinela na frente da casa do governador
com aquele treco em volta do capacete branco pobre diabo quase torrado e as
espanholas rindo com aqueles xales e os pentes altos e os leilões de manhã os
gregos e os judeus e os árabes e sabe Deus mais quem de tudo quanto é canto da
Europa e a rua Duke e a feira de aves tudo cacarejando na frente da Larby
Sharon e os burrinhos coitados escorregando meio dormindo e aqueles vultos de
capa dormindo na sombra na escada e as rodas grandes dos carros de boi e o
castelo de milhares de anos sim e aqueles mouros bonitos tudo de branco e com
uns turbantes que nem reis pedindo pra gente sentar na lojinha minúscula deles
e Ronda com as janelas velhas das posadas uns olhos de relance uma gelosia
escondida pro amante dela beijar o ferro e as lojas de vinho metade abertas de
noite e as castanholas e a noite que a gente perdeu o barco em Algeciras o
vigia de um lado pro outro tranquilo com o lampião e ah terrível torrente
profunda ah e o mar o mar carmim às vezes que nem fogo e aqueles poentes
deslumbrantes e as figueiras nos jardins de Alameda sim e aquelas ruelas
esquisitinhas todas e as casas rosas e azuis e amarelas e os roseirais e os
jasmins e gerânios e cactos e Gibraltar eu menina onde eu fui uma Flor da
montanha sim quando eu pus a rosa no cabelo que nem as andaluzas faziam ou será
que hei de usar uma vermelha sim e como ele me beijou no pé do muro mourisco e
eu pensei ora tanto faz ele quanto outro e aí pedi com os olhos pra ele pedir
de novo sim e aí ele me perguntou se eu sim diria sim minha flor da montanha e
primeiro eu passei os braços em volta dele sim e puxei ele pra baixo pra perto
de mim pra ele poder sentir os meus peitos só perfume sim e o coração dele
batia que nem louco e sim eu disse sim eu quero Sim. Trecho
do Monólogo de Molly Bloom, extraído
da obra Ulisses (Civilização
Brasileira, 1966), escritor irlandês James
Joyce (1882-1941). Veja mais aqui e aqui.
RAPSÓDIA SOBRE UMA NOITE DE VENTO - Meia-noite.
/ Uma síntese lunar captura / Todas as fases da rua, / Sussurrantes sortilégios
lunares / Dissolvem os planos da memória / E todas as suas límpidas tramas, / Divisões
e precisos mecanismos. / Cada lampião que ultrapasso / Pulsa como um tambor
fatídico, / E através das lacunas do escuro / A meia-noite golpeia a memória / Como
um louco brande um gerânio morto. / Uma e meia, / O lampião cuspia, / O lampião
resmungava, / O lampião dizia: “Olha aquela mulher / Ao teu encontro hesitante
à luz da porta / Que a recorta como um riso escarninho. / Repara-lhe a barra do
vestido / Rasgada e suja de areia, / E o canto de seu olho que se arqueia / Como
um grampo retorcido.” / A memória expele e disseca / Um turbilhão de coisas
tortas; / Um ramo tortuoso sobre a praia / Polidamente carcomido e cinzelado / Como
se o mundo erguesse à superfície / O segredo de seu esqueleto, / Rígido e
alvadio. / A mola espatifada no pátio de uma fábrica, / A ferrugem que se
aferra à forma / Que a força deixou tensa e enrodilhada / E pronta a abocanhar
com uma dentada. / Duas e meia, / O lampião dizia: / “Observa o gato que na
calha se adelgaça, / Espicha a sua língua e saboreia / Um naco rançoso de
manteiga.” / Tal a mão do menino, automática, / Surripiou e embolsou um
brinquedo / Que ao longo do cais deslizava. / Eu nada podia ver atrás dos olhos
do menino. / Tenho visto pela rua olhos que tentam / Emergir por entre
iluminadas persianas, / E certa tarde um caranguejo vi na lama, / Um velho
caranguejo em sua carcaça calcária / A agarrar-se à ponta do graveto que eu
sustinha. / Três e meia, / O lampião cuspia, / O lampião no escuro resmungava,
/ O lampião zumbia: / “Olha a lua, / La lune ne garde aucune rancune. / Pisca
um olho tímido, / Sorri pelas esquinas. / Alisa os cabelos de gramínea. / A lua
perdeu a memória. / Bexigas descoradas ulceram-lhe a face. / Suas mãos retorcem
uma rosa de papel / Que recende a pó e água-de-colônia. / Ela está só, em
companhia / De todos os antigos eflúvios noturnos / Que lhe cruzam e
entrecruzam o cérebro.” / Aflora a reminiscência / De secos gerânios pálidos / E
de poeira nas frinchas, / Aroma de castanhas pela rua, / E odor de fêmea nas
alcovas clandestinas, / E de cigarros pelos corredores / E de coquetéis nos
bares. / O lampião disse: / “Quatro horas, / Eis o número sobre a porta. / Memória!
/ Tens a chave, / A luminária alastra um círculo na escada. / Sobe. / A cama é
franca; a escova de dentes na parede pende, / Põe teus sapatos junto à porta,
dorme, para a vida te talha. / O último talho da navalha. Poema extraído
da obra Poesia (Nova
Fronteira, 1981), do poeta, dramaturgo, crítico literário inglês e Prêmio
Nobel de 1948, Thomas Stearns Eliot (1888-1965). Veja mais aqui e aqui.
A ARTE DE PINA BAUSCH
A arte da memorável coreografa,
dançarina, pedagoga e diretora de balé alemã Pina Bausch (1940-2009).
Veja mais aqui.
&
&
Nitolino
no reino encantado de todas as coisas,
a poesia de Ingeborg Bachmann, O
sistema dos objetivos de Jean Baudrillard, a arte de Dorothy
Iannone, a música de Carl Orff, Chloë
Hanslip, Nelson Freire e Mitsuko Uchida aqui.
APOIO CULTURAL: SEMAFIL
Semafil Livros nas faculdades Estácio de Carapicuíba e Anhanguera de São
Paulo. Organização do Silvinha Historiador, em São Paulo. Fone: 11 98499-2985.