quinta-feira, junho 29, 2017

AS CARTAS FILOSÓFICAS DE AGOSTINHO, A VIDA DE LOU SALOMÉ, A MÚSICA DE ARRIGO BARNABÉ, INDRE VILKE & PESCARIA INEIVADA

PESCARIA INEIVADA - Bastou Afredo dizer que pegou uma traíra de quilo e meio anteontem, pro negócio feder na hora. Êêê! De chofre, Mamão rivalizou: já peguei carito de três quilos, bestão! Óóóó! Rolivânio na hora mangou dos dois: esses dizem que pegam caranguejo e, quando vai ver, é Maria-Farinha miudinha, rá! Essa é pra briga! Eu dava um murro na cara dele. Oxe, matava, melhor. Pronto, estava feito o fuzuê! Soltaram a corda, não tem quem segura mais! Ah, censura livre! É a hora da gandaia, é da prega voa! Cara dum, cu de outro, quem não brigar vira viado gafanhoto! Termômetro subindo rápido, ânimos pra lá de exaltados. Segura a pancada que lá vem o gongo! O que apareceu de bagres, surubins, pitus, piranhas, jundiás, lambaris, corvinas, dourados, tilápias, de não sei quantas dezenas de quilos e de meio mundo de metros, deu pano pras mangas. Bote resenha na hora. Zé Corninho mesmo, todo sonso, contou que uma vez caiu dentro d’água atrás dum peixão fisgado na vara que não queria vir, agarrou-se com ele e findou no maior carreirão: era um polvo, meu, queria era me comer, tá doido? Saí fora. Tomé não ficou por menos e sapecou que tinha pegado um tão grande, nunca visto e que nem sabia que marca que era, só sabia que passou a peixeira no bucho do bicho e salvou uma criança vivinha da silva, a mãe chega chorou de emoção. Êêêêêêê! Os caras estão cá gota! Besteira, afiançou Penisvaldo, eu soube que o Zé Peiúdo pegou um tubarão pela fuça e quando retalhou o danado, tinha dois veinhos jogando gamão lá dentro! Êêêêêêêêêê! Pode um negócio desses? A sessão estava liberada pras patranhas todas. Ah, nessa hora Zé Bilôla contou que certa vez ia numa carreira desabalada, quando tropeçou em um dos cadarços do conga, levou um empurrão de cair da ponte embaixo, de parar no Reino de Atlântida, salvo por Aquaman. Eita, êêêêêêêê! Não deu outra: o ambiente caiu abaixo com a ruidosa peta. U-huuuuuu! Quem dá mais? Aí, meu, cada qual com suas astucias, contando de suas façanhas de tantos metros e muitos quilos de arraias, baleias, até um celacanto pescado pelos linguarudos. É cada mentira da bôba-torreiro, reclamava um! Êêêêêêêê! Onde é que isso vai parar, hem? Danou-se! Colocando as coisas em ordem, Rogimagaiver, dito mergulhador profissional que fez um curso por correspondência e pegava o peixe que fosse de mão, aos bofetes, chegou junto da patota, silenciando a todos e perguntando: alguém se lembra da Jardelina? Aquela? Qué que tem a moça a ver com a pescaria daqui, seu fresco? Vai tomar no cu, porra! Peraí, deixa eu contar! Aqui está se falando de pesca, não é de mulher não, seu porra! Sim, deixa eu contar: uma vez timbunguei atrás de um dicomer qualquer e vi só as barbatanas passarem com mais de mil, rasgando as águas. Bulir comigo, já viu, é mexer com briga. Fui atrás, no encalço; pelejei que só, era cada rabo de arraia, tapeando, me levando pras profundezas, fui buscá-lo. Quanto mais eu pegava mais escapulia; aí agarrei o rabo, segurei na moral, pega num pega, solta aqui, prendi nos dentes, controlei os puxavanques e trouxe na marra arrastado pra margem. Do lado de fora, quando fui ver, pasmem! Era uma sereia, logo desencantou e botei o nome dela de Jardelina. Até mês passado eu comia ela dia sim, noite sim, maior umbigado, até que a patroa soube e coitada teve que arribar pra se livrar da pisa jurada. Óóóóóóóóó! Isso é que é conversa mole! Tá. Todo mundo diz aqui que é pescador, quero ver na pescaria! Na vera? Na vera! Só se for agora. E foram tirar a limpo. A tropa desceu toda equipada pra beira do rio, pela tuia de gente, logo sacaram: uma jangada dá não, pra caber essa mundiça toda só a arca de Noé. Olha a jangada ali, doido! Aquilo basta soltar um peido que afunda! Depois de muito arengar sem resolver piroca nenhuma, se arrancharam de qualquer jeito e começaram com uma beiçada na raiz-de-pau para abrir o apetite e clarear as ideias. Logo esvaziaram dois botijões da mardita. Batizado o encontro, caíram de boca num botijão de pinga do Cumbe – a Pega-Fogo -, testada com uma golada jogada no chão, de riscar o fósforo e pegar fogo na hora: essa é das boas! Um gole, uma peidada. E tome acertado pra atravessar o rio a nado. Logo trouxeram outra, a Teibei, a mais melhor: com essa o cara desenvulta na hora! Ah, a gente veio aqui pra pescar ou pra conversar merda? Robimagaiver, depois de uma embeiçada boa, deu logo uma mergulhada pra reconhecer o território: tem peixe não! Estão em greve! Cuma? Pescador que se preza não fica por baixo! Pode sumir os peixes tudinho, eu pego assim mesmo! O mundo foi ficando estreito e a coragem aumentando: pularam tudo na canoa e mandaram ver cada um com sua técnica. Porra nenhuma! No empurra-empurra, dois caíram de quase todos morrerem afogados, salvando-se uns aos outros – ou melhor, matando-se uns aos outros para se salvar. Nesse puxa-encolhe, eis que o rio se revoltou, veio uma enxurrada numa onda de mais de metro, a maior das enchentes de levá-los todos rio, cidades, plantações, lugarejos e furicos adentro, de findar aos gritos: vai morrêêêêê! Zé Corninho se segurando como podia ainda gritou: eu acho é bom, assim vai ter menos cornos na terra! Cala boca, fidaputa! Êêêêêêêêê! Passam ruas, pontes, prédios, pinguelas, morros água abaixo, cachoeira livre, ploft, teibei! Navegantes de meia tigela, a embarcação à deriva das águas, finalmente afundou. Êêêêêê! Sopapo da porra, hem? Quase se arrebentaram no fundo do rio, no meio de um cemitério de automóveis! Vixe, a água sumiu. Inda bem! Rapaz, vê quantos carros, tudo de primeira! Será que algum funciona? Nada, meu, lá vem a cheia de novo! E zarparam boiando em cabos, tocos de madeira, calcanhares, cotovelos, o que desse, até se lascarem nas beiradas dum morro com os espinhaços todo envergado: gente, que foi isso, hem? O rio mordeu-se de querer matar a gente tudinho. Foi um dilúvio! Será? Tomara que tenha sobrado mais alguém vivo na terra depois dessa! Sei não, acho que só a gente que restou vivo, viu? Será? Tome tento, seu cabra! Vamos tomar outra! E a pescaria? Êêêêê! Vamos pescar um ao outro! Êêêêêêêê! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

CARTAS A UM JOVEM FILÓSOFO, DE AGOSTINHO DA SILVA
[...] A sua decisão de se dedicar à filosofia repousa, pelo que me diz e pelo que eu conheço de si, no entusiasmo que lhe despertam as leituras dos filósofos, no interesse que têm para o meu amigo todos os problemas filosóficos e no gosto que teria em apresentar um dia uma congeminação sólida, sem falhas, sobre a estrutura do mundo, sobre o sentido da vida [...] não é assim um exercício de faquirismo terminológico de quem fala como se fosse uma torrente que rompe o dique e rola sem nenhuma possibilidade de se conter, ou de quem fala para se ouvir a si próprio, sendo este o grande perigo das pessoas que falam bem: são as serpentes de si próprias, saem dos cestinhos para ouvir a música deliciosa e o que podia ser uma manifestação esplêndida de humanidade transforma-se em espetáculo de rua [...] Há-de-se inventar você próprio a você: criar um outro Luís, melhor do que esse que possui e obrigá-lo a criar, a esgotar-se todo na divina tarefa de criar [...].Você vai precisar de todo o seu tempo, de toda a sua energia, de pensar de manhã até à noite nos problemas filosóficos; você tem de adquirir erudição filosófica e o treino de pensar; a vida, para a vida, é sempre longa; mas para a arte é sempre breve; só quando não se faz nada há sempre tempo [...].
Trechos da obra Sete cartas a um jovem filósofo: seguidas de outros documentos para o estudo de José Kertchy Navarro (Ulmeiro, 1990), do filósofo, poeta e ensaísta português Agostinho da Silva (1906-1994), cujo pensamento combina a liberdade como a mais importante qualidade humana, combinando elementos de panteísmo, milenarismo e ética da renúncia.

Veja mais sobre:
Cantarau Tataritaritatá, O teatro pobre de Jerzy Grotowski, 1919 de John dos Passos, Estética teatral de José Oliveira Barata, a coreografia de Xavier Le Roy, a música de Carlos Careqa, a pintura de Alex Mortensen & a arte de Vesselin Vassilev aqui.

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Vamos aprumar a conversa: a culpa é da Dilma, Sermão do bom ladrão de Padre Antônio Vieira, Amargura de mulher de Henriqueta Lisboa, O projeto Atman de Ken Wilber, a música de Heitor Villa-Lobos & María Luisa Tamez, Prometeu acorrentado de Ésquilo, o cinema de Abbas Kiarostami & Juliette Binoche, a pintura de Peter Paul Rubens, a arte de Ekaterina Mortensen & Alex Toth aqui.
A literatura de Antoine de Saint-Exupéry, a música de Aarre Merikanto & Colin Hay & Cris Braun, a pintura de Paul Klee & Clóvis Graciano aqui.
Três poemetos da festa de amor pra ela: Festa, Essa carne & Viagem aqui.
A Lei de Responsabilidade Fiscal, Projeto Justiça à Poesia & Simone Moura Mendes aqui.
Brincarte do Nitolino, Condição humana de Norbert Elias, a poesia de Alexander Pushkin, O lugar do outro de Jean-Luc Lagarce, o cinema de Antonio Carlos da Fontoura & Flávia Alessandra, a pintura de Paul Gauguin, a arte de Luis Fernando Veríssimo, Luiza Curvo & a música de Eduardo Camenietzki aqui.
Vamos aprumar a conversa: Segunda feira, As consequências da modernidade de Anthony Giddens, Memórias de Adriano de Marguerite de Yourcenar, a música de Robert Schumann, Fedra de Jean Racine, o cinema de Arnaldo Jabor & Sônia Braga, a pintura de Francisco Ribalta & a arte de Ary Spoelstra aqui.
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Freyaravi & o circo dos prazeres, Cultura do consumo & pós-modernismo de Mike Featherstone, Contos brasileiros de Julieta de Godoy Ladeira, Kama sutra de Vātsyāyana, a fotografia de Ralf Mohr, Humanitarian Projects, a música de Marisa Monte, a pintura de Crystal Barbre & a arte de Luciah Lopez aqui.
Lualmaluz, Técnica & ideologia de Jürgen Habermas, De segunda a um ano de John Cage, História da literatura brasileira de Nelson Werneck Sodré, A balsa da Medusa, a escultura de George Kurjanowicz, a música de Sally Seltmann, a pintura de Théodore Géricault & Moisés Finalé, a arte de Marni Kotak & Luciah Lopez aqui.
Quando tudo é manhã do dia pra noite, Agonia da noite de Jorge Amado, a música de George Bizet & Adriana Damato, Folclore musical de Wagner Ribeiro, a pintura de Aleksandr Fayvisovich & Bryan Thompson, Posthuman bodies de Halbertam & Livingstone, a fotografia de Christian Coigny, a arte de Mirai Mizue & Luciah Lopez aqui.
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MINHA VIDA DE LOU SALOMÉ
[...] Nossa primeira experiência é, de modo notável, uma desaparição. Momentos antes éramos um todo indiviso, todo o ser estava inseparável de nós; então somos impelidos a nascer, tornamo-nos um pequeno fragmento que deverá esforçar-se, doravante, para não sofrer reduções cada vez maiores, para afirmar-se perante o mundo adverso extremamente amplo, no qual, por termos deixado nossa plenitude, caímos – agora despojados – como num vazio. [...] Assim, vivencia-se primeiramente como que algo já passado, uma rejeição do presente; a primeira “recordação” – assim a chamaríamos mais tare – é, ao mesmo tempo, um choque, uma decepção pela perda daquilo que não é mais, e alguma coisa de um saber que se vai desenvolvendo, de uma certeza de que ainda teria que ser [...] Não posso conformar minha vida a modelos, nem jamais poderei constituir um modelo para quem quer que seja; mas é totalmente certo que dirigirei minha vida segundo o que sou, aconteça o que acontecer. Fazendo isto, não defendo nenhum princípio, mas algo bem mais maravilhoso - algo que está em nós, que queima como o fogo da vida [...].
Trechos da obra Minha vida (Brasiliense, 1985), da poeta e psicanalista alemã nascida na Rússia, Lou Andres-Salomé (1851-1937). Sua vida foi levada ao cinema em 2016, com direção da cineasta, escritor e produtora alemã Cordula Kablitz-Postl, protagonizado pela atriz alemã Katharina Lorenz, contando o período solitário, doente e perseguida pelo nazismo, aconselhada a escrever suas memórias. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ: ARRIGO BARNABÉ
Hoje a Rádio Tataritaritatá apresenta especial com o músico, compositor, radialista e ator Arrigo Barnabé, apresentando músicas dos álbuns Clara Crocodilo (1980), Tubarões Voadores (1984), a trilha sonora do filme Cidade Oculta (1986), Suspeito (1987), Façanhas (1992), Gigante Negão (1998), A saga de Clara Crocodilo (1999) e apresentações em show ao vivo. Ligue o som e confira. Veja mais aqui.

A ARTE DE INDRE VILKE
A arte da artista lituana Indre Vilke.
 

JUDITH BUTLER, EDA AHI, EVA GARCÍA SÁENZ, DAMA DO TEATRO & EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA

  Imagem: Acervo ArtLAM . A música contemporânea possui uma ligação intrínseca com a música do passado; muitas vezes, um passado muito dis...