Imagem: Rua Corona, da artista neo-conceitual
estadunidense Jenny Holzer.
O ESTRANHO AMOR DE NALAH & ADERBAL – Imagem:
foto da poeta, artista visual & blogueira Luciah Lopez - Aderbal é um cururu pra lá de folgado. Todo embecado
de fraque, bengala e gravata-borboleta, o que já namorou de jias, rãs e
pererecas, afora duas jabutis, três lagartixas, uma calanga, três coelhas, duas
ratazanas e uma cobra que não caiu no papo dele, tirante tudo isso, ele ainda
apronta das suas e se embola às gaitadas de caçoar lorota com o compadre
Asdrubal. Até então, nunca passou apertado, sempre se saindo ileso de todas as
investidas de seu topete destemido. Agora não, o cabra entrou num imprensado de
não ter mais jeito, do compadre Asdrúbal, ao encontrá-lo todo meio que
mocorongo de farol baixo, gritar logo: Anda sumido, né compadre? Nada,
compadre, é que a madame lá de casa é danada de braba. É mesmo? Não tem mais
aprontado? Ela num deixa, colada em cima, qualquer trastejado meu, ela chega
com bafo de anteontem. Como é que pode? Oxe, se é, nessa me lasquei. Lascou-se
mesmo. É que a dita cuja é uma filha de pitbull red nose com cão labrador,
imaginem a fera. Deu pra conferir: irmã de doze malsinados, tudo pedra ruim que
nem ela, o que já empenaram na vida de gente e de bicho, não dá pra contar. O brinquedo
dela é caçar o que passar vivo pela frente, buliu no mato, ela corre atrás e já
aleijou uns tantos sabiás, João de Barro, cobra, lagarto, a peste! Um dia ela
mordeu um ouriço e ficou com uma carreira pra mais de quarenta espinhos na
boca, língua e focinho, metendo-se a querer beijar o Aderbal que fugia que nem
doido corre da maldição. Pois bem, um dia lá, uma distinta senhora achou de
acomodá-lo numa vasilha d’água num canto da sala, do amostrado ficar ancho lá,
só soltando bolinhas. Ele nem sacou que do lado dele havia outra vasilha
carregada de ração. Quando ele viu o bafo da monstra devorando a comida, ele ficou
todo encolhido só soltando lorota: Uma dessa eu dou jeito. Ela olhou pra ele
pelo canto do olho, ronronou de desprezo e manteve-se comendo. Ele arremedou:
Uma dessa eu caso, domo e mando ver. Foi aí que ela foi tomar água na vasilha
dele. Eita! Quando viu a lapa de língua da brabona, não teve dúvidas, ficou de
papo pro ar, dizendo: Vá, assim eu gozo. Chupe, minha filha, chupe. Nalah
invocou-se e deu-lhe uma focinhada dele ficar vendo estrelas. A-rá, gritou ele:
gostei da felação, amanhã venha de novo, minha filha. Passou. No outro dia, ele
lá: Se me der mole eu domino. Nalah nem aí. Ele insistia afinando a goela
deitando árias, óperas e operetas pra cima dela, até o dia em que ela
arretou-se, pegou-lo pelo rabo e arrastou-lo pendurado pra casinha dela. Agora que
quero ver. É que ela havia arrumado um cantinho cheio de galhos e matos para
deitá-lo lá, foi ver se o atrevido era de mesmo ou só de faro. Oxe, Aderbal
tremia encostado e ela só na provocação. É macho mesmo ou só se faz? Ela danou-se
a requebrar, esfregar o rabo nele, alisar as patas, ficar roçando o couro, a
ponto dele gritar de quase morrer sufocado: Assim também é demais também, ora!
E como é que você quer? Ah, se ajeite estirada e deixe que eu faço o serviço! Arrepara
só. Ela pagou pra ver: deitou-se e ficou lá se fingindo de morta. Num é que o
Aderbal criou coragem e saiu fuçando nas partes pudendas dela, maior ajeitado,
cai mas num cai, se enrola todo, se estica, se enfia, escorrega e ela já
impaciente: Como é que é, hem? Num se avexe que ainda nem botei a cabeça! Ela
lá com ele no meio e no maior caqueado. Lá pras tantas, todo lambuzado, ele sai
se limpando: E aí, moleza, gostou da minha performance? Ué, já terminou, foi?
Já, queria mais é? Eu nem comecei a virar os olhos, quanto mais gostar disso
que não senti nada. Eita! Ah, desse dia em diante, ela ficava: Vai, mostra aí
que é macho mesmo, vai! E ele fazia de tudo e nada. Virou o brinquedinho dela. Ele
já anda de olheiras, capengando quase sem voz, sem ânimo, cansado de dormir por
horas nunca suficientes do dia todo, mas ali, comendo curto na rédea dela.
Tome, sem-vergonho, agora quero ver você sair dessa. Bem empregado, vai se
meter com o que não pode, acaba assim. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do músico e compositor grego Vangelis: Mask, Love Song & com Jon Anderson; da cantora Astrud Gilberto: ZDF Jazz Club, 24 Canciones & I haven’t got anything
beter to do; & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog &
nos 35 Anos de Arte
Cidadã. Para conferir é só ligar o
som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – [...] Assim como a ciência teórica podia ser
chamada de pura e inocente, a tecnociência, ao ser, essencialmente, atividade
produtora e modificadora do mundo, não é nunca totalmente inocente. A práxis é
eticamente problemática. As questões éticas se colocam, hoje, no nível da
investigação chamada básica, devido ao que o projeto de saber é fazer e poder. [...] Pensamento extraído da obra El paradigma bioético: uma ética para la
tecnociencia (Antropos, 1991), do filósofo belga Gilbert Hottois, autor de obras de filosofia contemporânea
atinentes à ética, linguagem, ciência e técnica. A respeito da clonagem (Human Reproduction Update, 1998), o autor considera alguns
aspectos fundamentais que envolvem a questão, como a autoidentidade e a
alteridade, a instrumentralização, da determinação no que concerne à liberdade
e a autonomia do ser.
HOLÍSTICA & EDUCAÇÃO – [...] os
pensadores holísticos reconhecem que há uma parte misteriosa e imutável em toda
pessoa, que transcende os sintomas físicos, psíquicos e o próprio
condicionamento social. É a dimensão espiritual. Se somos parte integrante do
Ser, algo permanece necessariamente após a temporalidade de nossa existência
para se integrar na totalidade cósmica: fonte de todo o significado e
inatingível intelectualmente. A espiritualidade nos orienta à compaixão
universal no sentido de profunda solidariedade com toda a humanidade e à
comunhão com todos os demais seres. Educar holisticamente, portanto, é
estimular no aluno o desenvolvimento harmonioso das dimensões da totalidade
pessoal: física, intelectual, emocional e espiritual. E esta, por sua vez,
participa de outros planos de totalidade: o comunitário, o social, o
planetário, o cósmico. Todos estes planos devem ser desenvolvidos
concomitantemente no processo educacional. Não se entende o homem somente a
partir de si mesmo, como centro e senhor da natureza, mas como parte de um
todo. Questões como autoconhecimento, liberdade, realização, justiça e paz são
enfocadas, levando sempre em conta o contexto da interdependência dos
fenômenos, nos diversos planos sistêmicos dos quais o homem é parte. A vivência
comunitária é fundamental no desenvolvimento do indivíduo. O sentido da vida comunitária
está na mais intensa e genuína interação entre as pessoas. Ela, muito mais do
que as normas e leis, é estimulada pelo sentimento de philia (amizade), de que
falavam os gregos. A qualidade das relações comunitárias, seja na família e/ou
mesmo em outros grupos sociais, deve proporcionar o equilíbrio entre os
interesses individuais e os coletivos, garantindo assim a diversidade e a
individualidade na interação do grupo. No plano social está nossa dimensão de
ser histórico. Participamos da sociedade humana e, portanto, temos nossa
parcela de responsabilidade na história por ela construída. A ação política do
homem deve se pautar na solidariedade e na cooperação, visando um
desenvolvimento sustentado que possinilite a sobrevivência das gerações atuais
e futuras. A totalidade planetária nos traz a consciência de que não estamos
simplesmente habitando a Terra, mas fazemos parte integrante dela assim como os
outros animais, os vegetais e os minerais. Nosso planeta é um complexo
harmonioso, um sistema vivo auto-regulável, um oásis de vida na vastidão do
universo. Todos os seres da comunidade planetária são igualmente importantes
para a vida de Gaia. [...]. Trechos extraídos da obra A canção da
inteireza: visão holística da educação (Summus, 1995), do professor e
pesquisador Clodoaldo Meneguello Cardoso. Veja mais aqui, aqui e aqui.
UMA LENDA HINDU - [...] Naquela
época em que a memória se originava nas almas dos homens, assim como a taça do
sacrifício lentamente se enche de sangue ou de inebriantes poções, quando o
colo da austera piedade patriarcal se abria, a fim de receber a semente da era
primeva, e a saudade pela Mãe cercava símbolos antigos de renovados tremores,
fazendo com que aumentassem as procissões de peregrinos, que acorriam na
primavera às moradas da grande Nutriz do Mundo — foi naquele tempo que dois
jovens, pouco diferentes quanto à idade e à casta mas bem diversos com relação
ao seu físico, travaram entre si íntima amizade. O mais jovem chamava-se Nanda,
e o outro, pouco mais velho, Shridaman. Aquele contava dezoito anos, ao passo
que este já completara vinte e um. Ambos, cada qual no seu dia, haviam sido
cingidos com o cordão sagrado e acolhidos na comunidade dos que nasceram duas
vezes. Eram naturais da mesma aldeia dotada de um santuário, a qual tinha o
nome de Bem-Estar das Vacas. Por indicação dos deuses, fora instalada no seu
lugar na terra de Kosala, em tempos remotos. [...] Tudo isso agradava a Shridaman, sempre que comparava o amigo com sua
própria pessoa, que tinha no semblante e nos membros alguns matizes mais
claros, além das diferenças de fisionomia. O cavalete de seu nariz era fininho,
qual lâmina, e ele tinha olhos que revelavam meiguice nas pupilas e nas
pálpebras, enquanto nas faces crescia, em leque, uma barba macia. Também eram macios
os membros, absolutamente não enrijecidos pelos ofícios de ferreiro e pastor, e
mais se assemelhavam aos de um brâmane ou de um comerciante, com o tronco
estreito, levemente balofo, e um pouco de gordura na região da barriguinha.
Mas, fora isso, não deixava de ser perfeito, de joelhos e pés delicados. Era um
corpo que muito bem podia servir de complemento e acessório a uma cabeça nobre,
inteligente, à qual, no conjunto, coubesse ser a parte mais importante, ao
passo que, no caso de Nanda, o corpo constituía-se no essencial e a cabeça não
passava de um acréscimo agradável. Somando tudo, os dois se pareciam com Siva,
na sua dupla manifestação, quando, ora como barbudo asceta, fica prostrado,
feito morto, aos pés da Deusa, ora ereto, encara-a de braços estendidos, qual
efebo em plena flor da mocidade. No entanto, eles não formavam uma unidade, ao
contrário de Siva, que é a vida e a morte, o mundo e a eternidade no seio da
Mãe, senão representavam sobre a Terra dois seres diversos. Por isso, eram um
para o outro semelhantes a ídolos. Em ambos, o sentimento do eu e do meu
entediava-se de si próprio, e, embora soubessem que, na realidade, tudo é um
composto de imperfeições, espiavam um no outro justamente aquilo que os tornava
diferentes. [...]. Trechos da obra As
cabeças trocadas: uma lenda indiana (Nova Fronteira, 1988) do escritor
alemão e Prêmio Nobel de Literatura de 1929, Thomas Mann (1875-1955).
Veja mais aqui.
OS DO AMOR – O
nosso amor só se acaba / se for para começar. / Te perdes longe de mim, / para
poder me encontrar. / Todo fim sabe a começo. / Na fundura do teu peito / dorme
a clave do milagre / cujo segredo mereço. / Sozinho mais te proclamo / a pessoa
preferida. / Asa de graça, pendão / no vento, estrela da vida. / Que te cante a
paz no peito. / Não é benção para mim, / que perto estou já do fim. / Te quero
tanto, que tanto / dentro de ti me perdi. / Só por sonhar que erga voo / de
pássaro prisioneiro / a luz que lateja em ti. Poema Embalo de rede,
extraído da obra Campo de milagres (Bertrand Brasil, 1998), do premiadíssimo
poeta amazonense Thiago de Mello. Veja mais aqui e aqui.
A ESFINGE DE HOJE
[...] Na luta contra a exclusão, mesmo antecipando
a vitória do capitalismo, o desafio de decifrar o enigma da esfinge poderia
representar o caminho da salvação dos povos oprimidos [...]. O monstro devorador deste mundo corrompido e
implacável de hoje não é a esfinge de Tebas da antiguidade, mas o capitalismo
selvagem, a desenfreada sociedade de consumo, a barbárie que marginalizou os
povos, favelizando-os [...]. Na minha
opinião, essa sociedade de consumo está anulando a identidade pluralista, a
identidade regional, sem fundamento em parte alguma. É a destruição da alma e
da esperança do homem mais puro. Essa a maior ameaça. E acontece em todas as
sociedades [...]. Trechos da entrevista A
última palavra de Pasolini, concedida pelo cineasta, escritor, jornalista e
professor italiano Pier Paolo Pasolini
(1922-1975), extraído de Conversações (Cultura, 2008), de João Lins de
Albuquerque, quatro dias antes de ser brutalmente assassinado no dia 02 de
novembro de 1975, em circunstâncias que continuam gerando polêmica até hoje.
Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
&
É
nela o festival de Ishtar, Lenda Bororo, a música de Astrud Gilberto,
a escultura de Wayland Gregory,
a arte de Amadeo de Souza-Cardoso &
Maria de Lourdes Oliveira aqui.