A PAIXÃO, AH, MARIA FULÔ - Imagem: Love and life, do
pintor, ceramista e gravurista surrealista judey russo-francês, Marc Chagall (1887-1985). - Ah,
dos tempos de meninice, eu vivia aceso juvenil, arreado de amores pela bela
Maria Fulô, a menina mais bonita do lugar. Tímido que só, arrumava jeito dela
me achegar, até que uma tarde, a gente naquela de faz que não faz, sozinhos,
quase lado a lado, ajeitei o gogó, pigarreei, botei a timidez pra lá e assoletrei:
São Pedro dormiu, São João acordou, vamos
sê compadre que SantAntonho mandou! Ela se riu, ô riso lindo da gota! Coisa
mais bonita não há! Abestalhado e cheio das mesuras, fui pra lá e pra cá, ela
só achando graça, era o que eu queria, oxente. Nisso, eu era o compadre dela e
ela a minha comadre, e fomos brincar. Eu no fastígio todo ancho pelos arroubos
da paixão avassaladora, ao lado daquela boniteza, queria mais nada não. Olhos de
mar que nem aquele nunca tinha visto não. Ah, meus naufrágios! Umas barrocas na
bochecha, sardas nas faces e ombros, pele branca macia, parecia mais um anjo
que vinha lá do céu só pra me adorar. Ela se ria e brincava, dava pelo decote,
ô moça dos peitos bonitos, dois manguitos duros de dá água na boca! Ah, como eu
quero chupá-los! Ela se ajeitava, rodava que só, ô dona de coxas roliças, bem
desenhadas, um encanto. E levantava a saia a cada rodada, que coisa mais linda
das coisas de meu Deus, rodava a bunda-rica com todos os seus babados para eu
ficar babando de queixo caído, cheiro de moça virgem perfumada de encantar o
juízo de nunca mais me aprumar. Era de dia colado nos beiços dela, lábios de
raros sabores, maracujá, melão, ingá, morango, cajá, ah, frutas de todo tipo
naquela boca eu sugar. De tarde eu estirado entre as pernas dela, sentia o
aperto dos joelhos no meio dos meus prazeres, eu queria lá saí dali, queria era
ficar embaixo das saias e ali me esconder para todo o sempre. Não havia nada
melhor. De noite eu já não queria dela mais desgrudar, beijos no cangote,
esfregado do sarro, apalpa aqui, encosta acolá, eu só sentia era o tremido dela
nuinha embaixo do vestido. Veio então assunto sério: - Meu pai quer lhe pegar! E
eu só queria com ela casar. Não é isso não, meu pai vai deixar não. Num diga isso,
valha-me qualquer santa da sua devoção! Eu vou pedir sua mão. Oxe, isso é coisa
que se diga, vai adiantar não. E por que não? Ele quer me mandar pro convento
pra você não me encontrar. Diga isso não! Se você insistir, ele vai lhe pegar. Eu
enfrento ele, ora. Ah, não, o velho só que lhe capar. Danou-se! Sou Abelardo
não! Nem eu Heloisa, mô fio! E agora? E eu sei! Vá-se embora que lá vem ele
virado na gota! Ela correu, eu sumi, nem sei mesmo adonde foi que me escondi. Pra
onde eu ia, a cabroeira chegava bufando. Valha-me o rei dos carneiros! Logo ele
aparecia pra me esconder numa gruta arrodeada de ovelhas. Os algozes vinham,
cheiravam, assuntavam e dali nem saíam, vigilantes. Davam por minha presença
escondido nalgum lugar. Valha-me o rei dos peixes! Logo ele apareceu, me
levando por um canal estreito por baixo da terra que foi dar no mar, na boca de
um tubarão medonho engolido por uma baleia, tudo para me esconder. E lá vinham
os caboetas, escafandros, submarinos, vigiavam tudo no fundo do mar. Será o
Benedito? Valha-me o rei dos pássaros! E um gavião me tirou do tubarão e
ejetado pela baleia, subiu alto no céu, atrás de longínqua nuvem guardada lá
mais longe por um rei-gavião gigante. E lá vinham os cheleleus de aviões e
helicópteros arrodeando a nuvem e armados até os dentes. Valha-me o rei das
formigas! E me tornei uma formiga e fui pro quarto da amada, com todo cuidado,
subi suas vestes e fiquei escondido na dobra da gola do vestido dela. Nem ela
sabia, nem ninguém. Estava eu mais ela num rigoroso internato. Ela privada de
mim, eu com saudades dela. Pelo menos estava com ela, ah, isso sim. Qual não
foi a minha decepção. Um primo Adônis adentrou o recinto e ela se desmanchou
toda. E eu, meu Deus, eu ali espremido pelo acocho dos braços dele por cima
dela, abraços que eram meus e ela lá envolvida, triste sina minha. Sujeito mais
infortunado eu sou, quase um Paulo Eiró com versos das tripas coração. E fui
descendo entristecido, peguei o meu rumo ao formigueiro, voltei ao normal, um Fagundes
Varela cantando Alice Guilhermina perdida no tempo. Comecei a andar sem rumo,
entristecido, não sei por onde nem que tempo, sei que um dia me deparei com uma
igreja em festa e lá vi, ao longe, a minha amada e o primo, contraindo
matrimônio. Adeus, vida minha, vou triste estrada afora. Não sou daqui, oi, sou
lá de fora, adeus linda morena, que eu já vou embora. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja
mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do violeiro, compositor, cantor e
instrumentista Almir Sater: Instrumental 1, Instrumental 2 & Caminhos me levem;
da poeta, cantora, fotógrafa, escritora, compositora e musicista estadunidense Patti Smith: Live at Montreaux, Line in Spain & Horses; &
muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – Que
importa um computador de bordo no automóvel se o grosso da população sequer tem
condições de comprar uma carroça? Pensamento de José Adelino Medeiros e
Lucilia Atas Medeiros, autores da obra O
que é tecnologia (Brasiliense, 1993).
O TEMPO & O PAPALAGUI – [...] Só
uma vez é que deparei com um homem que tinha muito tempo, que nunca se queixava
de não tê-lo, mas era pobre, sujo, e desprezado. Os outros passavam longe dele,
ninguém lhe dava importância. Não compreendi essa atitude porque ele andava sem
pressa, com os olhos sorrindo, mansa, suavemente. Quando lhe falei, fez uma
careta e disse, tristemente: "Nunca soube aproveitar o tempo; por isto,
sou pobre, sou um bobalhão". Tinha tempo, mas não era feliz. O Papalagui
emprega todas as forças que tem e todos os seus pensamentos tentando alongar o
tempo o mais possível. Serve-se da água e do fogo, da tempestade, dos
relâmpagos que brilham no céu para fazer parar o tempo. Põe rodas de ferro nos
pés, dá asas às palavras que diz para ter mais tempo. Mas para que todo este esforço?
O que é que o Papalagui faz com o tempo? Nunca compreendi bem embora pelos seus
gestos e suas palavras, ele sempre tenha me dado a impressão de alguém a quem o
Grande Espirito convidou para um fono. Acho
que o tempo lhe escapa tal qual a cobra na mão molhada, justamente porque o
segura com força demais. O Papalagui não espera que o tempo venha até ele, mas
sai ao seu alcance, sempre, sempre, com as mãos estendidas e não lhe dá
descanso, não deixa que o tempo descanse ao sol. O tempo tem de estar sempre
perto dele, cantando, dizendo alguma coisa. Mas o tempo é quieto, pacato, gosta
de descansar, de deitar-se à vontade na esteira. O Papalagui não sabe perceber
onde está o tempo, não o entende e é por isto que o maltrata com os seus
costumes rudes. Ó amados irmãos!
Nunca nos queixamos do tempo; amamo-lo conforme vem, nunca corremos atrás dele,
nunca pensamos em ajuntá-lo nem em parti-lo. Nunca o tempo nos falta, nunca nos
enfastia. Adiante-se aquele dentre nós que não tem tempo! Cada um de nós tem
tempo em quantidade e nos contentamos com ele. Não precisamos de mais tempo do
que temos e, no entanto, temos tempo que chega. Sabemos que no devido tempo
havemos de chegar ao nosso fim e que o Grande Espírito nos chamará quando for
sua vontade, mesmo que não saibamos quantas luas nossas passaram. Devemos
livrar o pobre Papalagui, tão confuso, da sua loucura! Devemos devolver-lhe o
verdadeiro sentido do tempo que perdeu. Vamos despedaçar a sua pequena máquina
de contar o tempo e lhe ensinar que, do nascer ao pôr do sol, o homem tem muito
mais tempo do que é capaz de usar. Trechos extraídos da obra O papalagui (Marco Zero, 1985), reunião
dos discursos de um chefe aborígene samoano Tuiavii de Tiavea, escrito por Erich Scheurmann (1878-1957),
descrevendo a visão do chege sobre o europeu antes da Primeira Guerra Mundial,
sendo o termo samoano Papalagui alusivo ao homem branco, o europeu, aquele que
furou o céu.
O PÃO NOSSO - [...] O
Brasil tem uma indústria com duas caras – e a mesma moeda. Moderna na
tecnologia, atrasada nas relações de trabalho. Sua classe média espreme-se
entre a ideologia do senhor e as agruras dos pobres. Teme o destino de um e
respeita o poder do outro. A industrialização brasileira não encurtou o abismo
entre pobres e ricos. Os senhores viraram empresários, mas continuaram a viver
em novas versões da casa-grande. Os escravos viraram trabalhadores, mas
continuaram morando na senzala, em dormitórios feitos para isolar o pobre
depois do serviço. [...]. Trecho escrito pelo sociólogo e ativista dos
direitos humanos, Herbert de Souza – Betinho (1935-1997). Veja mais aqui
e aqui.
DE SAGA EM SAGA – [...] Sobreveio um tumulto na cabeça de Helga. Franzindo os sobrolhos, era
evidente que se esforçava para lembrar-se de alguma coisa. Como era mesmo? Mas
claro, lembrava-se muito daquele canivete, ela lho havia pedido emprestado para
cortar uns gravetos na véspera de sua partida. Quebrara-o ao servir-se dele,
mas não tivera oportunidade de comunicar-lhe o fato. Naquela ocasião ele a
evitara e não desejara entabular conversa com ela. Por certo devia ter guardado
o canivete no bolso sem notar que estava quebrado. Ergueu a cabeça e quis
contar-lhe tudo isso, mas como ele já chegara ao relato de sua visita a
Elvokra, no meio dos preparativos do casamento, preferiu deixá-lo acabar
acabar. Informada de que maneira se separara ele de Hildur, achou que aquilo
era uma desgraça tão terrível que se pôs a cobri-lo de censuras. Trechos
extraídos da obra De saga em saga (Delta, 1962), da escritora sueca Prêmio Nobel de 1909, Selma
Lagerlöf (1858-1940). Veja mais aqui.
LÁGRIMAS, INÚTEIS
LÁGRIMAS
- Lágrimas, inúteis lágrimas, não sei
quala origem / dessas lágrimas que vêm do âmago de algum desespero divino: /
brotando do coração, nos olhos vão se encontrar / para contemplar os alegres
campos outonais / e recordar os dias que não voltam mais. / Frescas como o
primeiro raio de sol que reflete sobre o batel / portador dos nossos amigos da
Terra; / tristes como aquele derradeiro raio solar que incendeia o barco / que
submerge com os nossos entes amados / tão tristes e tão frescos os dias que não
voltam mais. / Ah, triste e estrano, como nas densas alvoradas estivais, / é o
primeiro gorjeio dos pássaros meio despertos / aos ouvidos surdos, quando aos
olhos moribundos / a vidraça vai, aos poucos, se transformando num quadro que
entremostra / tão tristonhos, tão estranhos os dias que não voltam mais. /
Adorados, como os beijos relembrados depois da morte, / e doces como os que
fantasiou uma esperança vã / nos lábios de outrem; profundos como o amor, / penetrantes
como o primeiro amor, e cubiçosos embora, com a perda, / ó morte na Vida, os
dias que não voltam mais. Poema do poeta britânico Alfred Tennyson (1809-1892). Veja mais
aqui.
A HISTÓRIA, O TEATRO & IONESCO
[...] A história não é a verdade. É, sobretudo, um conjunto de erros. Toda
afirmação histórica é em parte verdade, em parte um grande abuso, um grande
exagero, um excesso. É para além do exagero que necessitamos encontrar a
verdade da afirmação. [...]
Trecho da entrevista Revelações sobre os rinocerontes, do
patafísico e dramaturgo romeno, Eugène Ionesco (1909-1994). Veja mais aqui, aqui e aqui.
Congresso Internacional do Livro, Leitura
e Literatura do Sertão (CLISERTÃO) & muito mais na Agenda aqui.
&
Estudante
sou, eterno aprendiz na vida, a literatura de José Saramago, a
música de Edgar Duvivier, a fotografia de Jean Louis Marie
Eugène Durieu, a arte de Maurits Cornelis Escher & Dorys Teles aqui.