UMA COISA QUANDO OUTRA – O
mundo vai e eu voo no agora, aqui, retendo esse momento de estar plenamente
vivo, segurando o segundo, explorando-o e sabedor de mim em tudo. Eu vivo. E
basta o segundo se esvair para novo surgir e eu catar a nova experiência. Uma
nova revelação do que eu já sei das feridas narcísicas e crenças erodidas que
promovem a desordem do que foi, do que é e do que será. E me lanço pelo buraco
negro da existência, pelos espaços intersticiais que deslizam e dilatam os
limites e me escancaram o horizonte das cercanias e vivências, e que me faz
explorar todos os sentidos daqui, dali e dacolá. Voo pelo mar entre territórios
e crio esferas – “viver é criar esferas!” -, e não busco apenas o conforto
protetor da caverna original, não, não, sei do peso da aparência e a leveza do
real nessa míope globalização, da qual apenas sobram a penumbra e a névoa,
poeiras e espumas de pequenos espelhos que me confundem com suas reviravoltas
do que era e não é mais, no instável das aparições fugidias que me fazem
perambulante entre os desafios de agora e as escolhas decisivas. E por mais que
tente ordenar a tudo, sempre haverá quem arrombe tudo no final da fila e
processe a desconstrução, a desmontagem permanente que exige ordem para a
desorganização e vice-versa na vigilância constante e o esforço perpétuo pela
cambiante expressão do instante e seu maleável momento, as múltiplas faces,
rizomas e platôs com a fluidez excessiva do fugaz que já se foi e escorre pelos
dedos e se move além das mãos e fluem por todos os lugares que fui e não vou
vazando as limitações e inundando o que nem prevejo, sei que contornam
obstáculos e os dissilvem, invadem até dá de cara com as estruturas derretidas
pela constatação de que tudo que é sólido se dissolveu no ar e provocou a
profanação do sagrado e a sacralização do profano no eterno devir. Quem se
preocupa em gastar o tempo, uns com entretenimento – prazeres de cinzas só pra
ver que o ponteiro deslocou de um segundo e após outro deu na impaciência de
quase chegar no minuto que vai virar hora, enfim, dias, meses, anos, sem
perceber parece que foi ontem e já se passaram tantos anos de mera visualização,
mera -, jogos e ardis, trapaças – sem mesmo saber a quem mesmo está enganando
-, contar e recontar dinheiros e posses, reviver memórias e momentos
inevitáveis e decepcionantes pra desconforto, ah quantas ocasiões desagradáveis
superpondo aos quase apagados momentos felizes, ah, momentos felizes que foram
e já nem são mais o que eram. O que será mesmo que as pessoas têm a oferecer,
hem? Afinal de contas só restam as situações vividas, comiserações, estranhices
bizarras, coisas de cada qual. Melhor nem pensar o passado que insistentemente
ronda e desagrada. Onde o desconhecido? Nada, é ora lá de temeroso o que não se
tem conhecimento. Abrir portas pode dar trabalho pra fechá-las. E quem não só
quer a placidez etérea diante da guerra do cotidiano e logo depois de se
encontrar em pleno campo inspirador não dá de cara com a chatura do tédio. Ora,
bolas. O eterno confronto entre o labor e o ócio, a corda bamba. Mil coisas pra
fazer, vigilância até do relaxamento, quem sabe. Deus me livre de piripaque,
vai que num desse eu vou. Melhor sair lá e cá, acolá, entre a torcida das
multidões e o retiro no solitário no topo da montanha. Só dá janelas pro vento
frio de inverno, clausura de atmosferas viciadas, carregadas de mofo, roupas
sujas, catingas de lixo. Isso sou eu e nada mais: monturo de vazios, utensílios
empoeirados, teias nos recantos do teto, ou suspenso pela farra de luzes,
zoadas e baforadas: o estardalhaço das badaladas onde ninguém é de ninguém e
ninguém na coletividade, jogos de luzes de todos os matizes, holofotes,
sinalizações de neon e o vento perigoso porta adentro com o alerta e o temor
dos inimigos invisíveis e contagiosos: germes, vírus, intenções, reengenharias
genéticas e o que não sei se existe e que, com certeza e todas as dúvidas,
temores e suspeitas, existe, provocando infecções, pandemias, alerta geral, a
contaminação das águas e comidas. Vîte! Onde isso vai dar? Sei lá, sei que tudo
vai e vem, já foi e será, a ponto de me questionar qual alimento além do
próprio excremento e qual água beber senão a própria com a crise de
potabilidade, e o abrigo diante do nomadismo de chegadas, o desabrigo, idas e
vindas da necessária migração de tempos e distâncias a percorrer, opções de
caminhos além da palma da mão e roupas além da pele e do elétrico do pensamento
à ponta dos dedos pra despir-se das vestes e ideias – assim como o lixo, é
preciso reciclar ideias, reutilizá-las – e, afinal, surfar na onda e tobogã da
noite e nos diálogos que compõem o diário de bordo e que me fazem um pacote de
água gotejante e terei mesmo de beber a minha própria água. Nossa, pra onde vou
é onde estou, já fui e ainda estou aqui. Apenas solilóquio, tomara diálogos. Todos
pra vida e viver. E viva a vida, mesmo que não se saiba como, é a vida. E vida é
vida. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais
aqui.
Imagem: Scab, da
artista plástica figurativa Alyssa Monks.
Curtindo os álbuns The Jobim Songbook (2006) &
Milagre - Duo Maucha Adnet & Helio
Alves (2013), da cantora Maucha Adnet.
PESQUISA
Tudo o
que era sólido se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado, e as
pessoas são finalmente forçadas a encarar com serenidade sua posição social e
suas relações recíprocas. Trecho da obra Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade (Companhia das Letras, 1986), filósofo e escritor estadunidense Marshall
Berman (1940-2013), que se configura por ser uma história
crítica da modernidade, analisando criticamente vários autores, desde O Fausto de Goethe & a tragédia do desenvolvimento, Marx
& Modernismo e Modernização, Baudelaire: o Modernismo nas Ruas, Petersburgo:
O Modernismo do Subdesenvolvimento, A Década de 1860 — O Novo Homem na Rua e as
duas tendências do Modernismo nas
ruas, . Na Floresta dos Símbolos: Algumas Notas sobre o Modernismo em Nova
Iorque, entre outros assuntos.
LEITURA
A poesia
não é voz – é uma inflexão. Dizer, diz tudo a prosa. No verso nada se
acrescente a nada, somente um jeito impalpável dá figura ao sonho de cada um,
expectativa das formas por achar. No verso nasce à palavra uma verdade que não
acha entre os escombros da prosa o seu caminho. E aos homens um sentido que não
há nos gestos nem nas coisas: vôo sem pássaro dentro.
Poema Aurora, extraído
da obra Poesias Completas (Portugália, 1969), do poeta, ensaísta, crítico
literário e professor universitário português Adolfo Casais Monteiro
(1908-1972). Veja mais aqui e aqui.
PENSAMENTO DO DIA:
[...] a
transição do espaço real ao ciberespaço, da prosa à poesia, da realidade à
ficção, do estático ao dinâmico, do passivo ao ativo, do fixo em todas as suas
formas ao fluido em sua face sempre cambiante, é entendida da melhor maneira
quando se analisa a atividade humana que combina ciência e arte, o mundano e o
espiritual, o contingente e o permanente: a arquitetura. [...] pode ser visto como umenorme laboratório
virtual para a continua produção de novas visões arquitetônicas. [...].
Trecho da obra Arquitetcturas liquidas em el ciberespacio (1991), do artista
multimídia e transarquiteto Marcos Novak.
IMAGEM DO DIA: LUALMALUZ – SEMANA LUCIAH
LOPEZ
Destino embriagada no prazer da tua boca ante o espectro da dor a
crucificar-me, alma e corpo vislumbro a claridade e o fulgor avermelhado que
antecede o gozo. Renovando é o sangue e o corpo minando água para tua sede
___ah, essa tua boca tão primitiva tão despudorada a percorrer minha entranhas
numa libertinagem que não requer o perdão e nos impede o paraíso dos puros. Eis
o crepúsculo do corpo____ desvanecendo em resplendor os contornos da vida
enclausurada.
Destino, poema/imagem/foto da escritora,
artista visual e blogueira Luciah Lopez.
Veja mais aqui.
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Thomas Nagel, Junichiro Tanizaki, Emílio de Meneses, Oduvaldo Vianna Filho, Olivier
Assayas, Maggie Cheung & Suzanne
Frie aqui.
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
Todo dia é dia da atriz, dançarina e cantora Adriana Garambone.
CANTARAU:
VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Peace On Earth, by Renie
Britenbucher.
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.