DO RAIAR DO DIA AOS NAUFRÁGIOS CREPUSCULARES - Pouco
importa que eu viva ou morra, não faz a menor diferença. Tanto é indiferente
que, se eu bater a caçoleta agora, vai ter gente que vai pular frevo numa perna
só na maior micareta de rojões e outras pipocadas de salvas. Bem empregado, que
seja. Pois bem, quando eu for pro saco que eu bata as botas num feriadão, assim
ninguém se dará ao trabalho de ir pro meu velório, muito menos pro meu
sepultamento - na verdade, bem sei, é só uma desculpa para dizer que eu serei
mais um daqueles que só um cachorro guenzo, carregado de carrapato e perebento que
acompanhará o féretro até a boca da cova num dia bem chuvoso pra desgosto do
coveiro. Até isso! Sei que mereço. Devo mais dizer que seria um santo remédio:
menos um pra dar trabalho à humanidade. Afinal, a vida prossegue. Pudera, eu não
me prestei pra nada, só dei arrodeios e fui excluído de todas as panelinhas e
do bloco do eu sozinho. Inda bem. Se decepcionei os amigos, pelo menos arribaram
todos. Nem tenho notícias. Pelo menos não se darão ao trabalho de me ver
pelejar, porque eu só dei voo entre arranhões, imprensados, frestas, corda
bamba, arame farpado, brechas, réstias, porões e desvãos. Tive a minha vida
toda que passar de fininho pelas beiradas, pelos combogóis, clarabóias, persianas,
rachaduras entre telhas, ripas e caibros. De utilidade mesmo, só tive as de
limpar os coprólitos e perfurmar os ambientes com espessas catingas dos meus borborigmos
flatulentos, haja fedorência. O meu labor sempre foi tapar buracos, segurar
comportas rompidas, ineficazes remendos em vazamentos improváveis, gambiarras
até nos furos de pneus alheios, raios nos troncos, trovoadas, cinzas de ruínas,
conter a claridade do sol, aparar chuva com tabuleiro apeneirado e outras
contraproducentes empreitadas, avalie. Mesmo assim, antes eu não me arrependia
de nada, firme, pronto pra outra. Batia no peito e persistia, insistia,
perseverava. Hoje eu me arrependo de tudo que fiz e do que deixei de fazer. Só é
diferente quando o dia nasce: estou cheio de gás e pronto pra dissecar broncas,
desconstruir aprontações contínuas, encarar o estranhamento das indiferenças e
sair abrindo na lapa da venta todos os caminhos que vão entre o bom senso e a
insensatez, querendo arrebentar as redomas, couraças, grilhões, até o que
aconteceu antes de acontecer, pra saber o que é um tiro pela culatra, o peso
dos desabamentos, o susto da topada, o passo maior que a perna e o estouro do
topete com a bunda no chão. U-hu! Só da pra mangar e vou me aprontando pros
meus naufrágios crepusculares. Não me rendo fácil e enfrento feras diurnas:
todo tipo de bicharada pelo dia, todos os meus demônios soltos de noite e a
culpa de não ter acertado na veia da vida. Disso só resta o bagaço de corpo que
não tem nem onde cair morto. Nessa minha existência toda, uma coisa certa tive
de aprender: viver não é nada disso que a gente pensa que é, e o que é eu também
não sei. Ah, se soubesse! Só sei que tudo está equivocado, até eu estou
redondamente enganado, sei disso, mas algo me diz que a vida é outra coisa
maior, tenho essa impressão. Por isso, todo dia arrumo meus mijados e fico
pronto só esperando a hora da vez. Enquanto isso, eu vou cantando minha itinerância:
e lá vou eu pelas voltas, cheio de nó pelas costas, pro que der e vier, por bem
ou por malmequer pelas raias dos ventos. E haja o que houver, até que a vida se
esvaia na navalha do tempo! E vamos aprumar a conversa & tataritaritatá! ©
Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
Imagem: a arte do
pintor e ilustrador alemão George Grosz
(1893-1959). Veja mais aqui.
YANOMAMI
E NÓS: PACTO DE VIDA
Ter de
resisti à dor, à dor. Sem comprender por que à dor, à dor.
Ter de
suportar viver à dor, à dor. E sem merecer à dor, à dor.
Se é
esse o meu destino, quem é o algoz que o traçou.
Quem me
contaminou. Quem me doou a dor.
Homem
não existe para ser só animal.
A sua
história é mais que corporal.
Abre o
sentido para ter, a liberdade.
Com todo
mundo que é seu igual, e solidário. Pensará...
Amará...
Sonhará... Saberá...
Que a
felicidade da cidade não tem que o mato matar.
Ai a dor
vai nos unir, o fim da dor começa é assim,
É o
filho que não para de crescer, a fruta que vai madurar,
Aquela
mão, aquela paz, morena, é aquele olhar
Que é
sempre, verde verdejá
É aquele
gesto humano, é aquela voz humana,
É aquele
amor humano, que chega e diz que vai ficar.
PESQUISA:
[...] como tomei parte na guerra contra os romanos
e fui testemunha dos feitos que lá se realizaram, conheço vários episódios
dela, senti-me obrigado e quase forçado a escrever-lhe a história, para dar a
conhecer a má-fé daqueles que, tendo-a escrito antes de mim, obscureceram a
verdade [...].
Extraído
da coleção História dos Hebreus
(Américas, 1956), do históriador e apologista judaico-romano Flavio Josefo (37-100), contando a
história do povo judeu e com relatos sobre personagens dos evangelhos de atos
dos apóstolos.
LEITURA
Não há
mais lugar no mundo. / Não há mais lugar. / Aranhas do medo / fiam ciladas no
escuro / Nos longes, pesam tormentas. / Rolam soturnos ribombos. / Súbito, / precipita-se
nos desfiladeiros / a vida em pânico.
Pânico, poema extraído do livro Sempre
Poesia Antologia Poetica (Imã, 1994), da poeta Helena Kolody (1912-2004).
PENSAMENTO DO DIA:
[...] porque nossas máquinas nos dão o poder de
esvoaçar pelo universo, nossas comunidades crescem em fragilidade, volatilidade
e efemeridade na medida mesma em que nossas conexões se multiplicam.
Trecho
extraído da obra The metaphysics of
virtual reality (Oxford, 1993), do educador e filósofo do ciberespaço MA
Ph.D, Michael R. Heim.
IMAGEM DO DIA:
A arte
do artista plástico Fernando Rosa.
Veja mais sobre Alter ego, Carl Gustav Jung, Aldous Huxley,
Cassiano Ricardo, Bernand Shaw, Gilson Peranzetta & Mauro Senise, Anthony
Burgess, Stanley Kubrik, Jean Baptiste
Camille Corot, Demócrito Borges & Rachel Lucena aqui.
DESTAQUE:
Caminho sem me reportar a lugar nenhum... Só o sonho, o desejo, o
fascínio e a sedução levantam meus pés das areias e remetem meus olhos às
estrelas... Caminho em direção ao castelo de
cristal a procura do nada de mim mesma... Um nada que nem sei se existe porque
não sei o que é sólido, o que é concreto, o que é real... Habito o castelo
construído de sonhos e recheado de emoções... A paixão me fascina no orgasmo
sedutor da glória de sentir... Se emocionar sempre até as mais íngremes
consequências... Sempre adiante sem saber aonde, apenas o mergulho simbiótico
da relação de mim... Um ser humano... No seu verbo presente e intransitivo...
Agora, já, neste instante... Um ser humano não de ações, mas de emoções... Mais
do que isso, de paixões até o dilaceramento do que vem de fora e que sangra o
de dentro... Procuro intensamente e mergulho na lama mais pérfida do objeto
ser... De braços abertos no corpo e na alma... Um ser humano marcado pela
existência do próprio existir, do próprio tempo, com o remorso da não
realização, da não vida... De olhos fechados, de braços abertos, numa entrega
infinita e eterna que mergulha paulatinamente no abissos do que sou e na
sedução que me seduz de ser o verbo agora do ser, sem as verdades absolutas que
a realidade prega, mas a verdade da minha arte, da minha obra de arte, que é a
minha própria existência...
Estilhaços
da catarse, da escritora e jornalista
Carla Torrini, autora do livro de
poemas Os heterônimos da dor (Oliver,
201.
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
A arte
do fotógrafo André Brito.
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
A arte
do ator e artista plástico Rollandry
Silvério.
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.