O PASSADO ESCREVEU O PRESENTE; O FUTURO,
AGORA! (Imagem: arte da pintora Dimitra Milan) – Diudinho, desde menino, pau mandado do
coronel Fredão. Ouvia do pai, desde sempre: Deus no céu, o coronel na Terra.
Dele a lei e a existência. Afilhado pelo batismo da consideração, vivia ali na
sombra dele pra toda serventia: recados, favores, assistência. Mal completara
dezessete anos, Dedira, uma matuta cheia dos trejeitos, fez do cabra um
alvoroçado de paixão. Namoro firme, já com cara de noivado, meteu a mão e tudo
na cumbuca, dela perder os três vinténs. Emprenhou e ela botou as unhas de
fora: - Quero uma jaca daquela! Não pode. Mas eu quero. E peiticou tanto dele
amolecer no cumprimento da lei. Já dizia o ditado: mulher pode com tudo que tem
fôlego. Lá foi Diudinho buscar uma no meio de tantas. Mal comera dos bagos, o
coronel deu por falta: - Cadê a jaca daqui? Quem foi? Fui eu, padrinho, pra
alimentar meu filhinho que está pra nascer. Sebruino! Inhô! Leva esse
disgramento pra igrejinha prele aprender a não mexer mais em coisa minha. E foi
a primeira pisa, cada lapada de deixar o cabra marcado. Havia mesmo ali uma capela
pro padre rezar a missa dominical. Durante a semana era o local de pisas e
suplícios, caprichos do coronel. Dias depois, ela: - Quero carne de bezerro!
Num pode. Quero. Trocentas cabeças, maior lengalenga, não há de dar falta. De
tardezinha, de ovo virado, o coronel cagava raio: - Cadê o bezerro? Quem foi?
Fui eu, padrinho, pra alimentar meu filhinho que está pra nascer! Sebruíno!
Inhô! Esse é ladrão! Leva pra igreja, dá-lhe a lição de sempre e mata esse
desgraçado. O coronel mesmo foi dando as primeiras lamboradas, quase teve um
troço de raiva e mandou os jagunço acunharem no rapaz que já cuspia sangue.
Acaba de matar que esse não dá jeito e joga nas moitas do lado da rodagem!
Pegaram-no quase morto e sacudiram atrás das capoeiras. Na hora do tiro de
misericórdia, preferiram ir embora. Deram-no por morto. Horas depois, o
milagre: um casal de idosos recolhia o moribundo, meses de recuperação. Ganhou
cuidados, educação, tomou jeito de gente. Nunca mais Dedira, filho embuchado,
nada. Fora aconselhado a não pisar por aquelas bandas, estava morto e
enterrado. Apagou o passado e seguiu em frente, coração sangrando. Anos se
passaram e ele chegou a funcionário de banco, até gerente. Um dia, pra seu
espanto, o coronel deu as caras à beira da falência. Ele adentrou sua sala
peticionando um empréstimo rural pra se livrar da bancarrota. E ele, solícito,
virou-se pra ele: - Padrinho, e a fazenda Estrela Dalva como vai? As cabeças de
gado, a plantação farta, os cavalos de raça, as toneladas de cana, tudo por
água abaixo, em petição de miséria. Padrinho, quanto o senhor precisa? O
passado escreveu o presente; o futuro, agora. © Luiz Alberto Machado.
Direitos reservados. Veja mais aqui.
Curtindo os álbuns Vokalmusik & Kammerkonzert (Aulos),
da compositora e pianista romena Adriana Hölszky.
PESQUISA:
[...] Numa
época em que a ciência consegue, de tal forma, modificar a Natureza, que o
mundo já nos parece quase habitável, o homem não pode continuar a ser
apresentado ao homem como uma vítima, como objeto passivo de um ambiente
desconhecido, imutável. As leis do movimento são, do ponto de vista de uma
bola, quase inconcebíveis. E é precisamente porque a natureza da sociedade
humana – em contraposição com a Natureza em geral – tem permanecido, até hoje,
obscura, que nos encontramos, como nos asseguram os cientistas, perplexos
perante a possibilidade de um aniquilamento total do nosso planeta, que ainda
mal conseguimos tornar habitável. Não ficarão, decerto, surpreendidos ao
ouvirem afirmar que a questão da viabilidade de uma reprodução do mundo é de
ordem social. [...] E talvez
concordem comigo em que o mundo de hoje precisa de uma transformação. [...]
creio que o mundo de hoje pode ser
reproduzido, mesmo no teatro, mas somente se for concebido como um mundo
suscetível de modificação.
Trecho extraído do livro Estudos sobre teatro (Nova Fronteira, 1978), do dramaturgo,
encenador e poeta alemão Bertolt
Brecht (1898-1956). Veja mais aqui.
LEITURA
Naqueles tempos em que esta história teve início, os domingos de feira
eram bem mais buliços que os de hoje em dia. Como que se tocados por uma
animação maior que a habitual, uma felicidade acima da corriqueira. A
explicação disto bem pode estar – com certeza, deve-se dizer – nas tramas e
enredos que vão tecer esta narrativa. [...]
Trecho
extraído da obra Nunca houve guerrilha em
Palmares (Mercado Aberto, 1987), do escritor Luiz Berto. Veja mais aqui e aqui.
PENSAMENTO DO DIA:
[...] Nas grandes civilizações, a língua é o
suporte da dinamica social, que compreende não só as relações diárias entre os
membros da comunidade, como também uma atividade intelectual, que vai desde o
fluxo informativo dos meios de comunicação de massa até a vida cultural,
científica ou literária.
Trecho
da obra Sociolinguística: os níveis da
fala (Nacional, 1974), do professor e linguista Dino Preti, estudando
os aspectos das relações entre a língua oral e escrita, mostrando que as duas
modalidades guardam aproximações ao analisar os fatores sociocultarais que agem
sobre a língua oral, a influencia da norma e dos problemas de transcrição da
fala, as soluções adotadas pelos principais prosadores da literatura, na
representação escrita das variações linguísticas de suas personagens, nas
diferentes épocas da prosa brasileira.
IMAGEM DO DIA:
Nude in a Hammock, do escultor florentino Antonio
Frilli (??-1902).
Veja mais sobre Liberdade de Expressão, Ismail Kadaré, Ferreira Gullar, Denise
Stoklos, Ingmar Bergman, Gustav Klint, Badi Assad, Parmênides de Eléia, Liv
Ullmann, Emilio Fiaschi & Vera Donskaya-Khilko aqui.
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
Ginocracia:
o reino das mulheres, a arte da artista plástica russa Vera Donskaya-Khilko. Veja aqui e aqui.
CANTARAU:
VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.