quinta-feira, julho 14, 2016

BRECHT, ADRIANA HÖLSZKY, LUIZ BERTO, DINO PRETI, ANTONIO FRILLI, DIMITRA MILAN, ROWLANDSON & VERA DONSKAYA-KHILKO


O PASSADO ESCREVEU O PRESENTE; O FUTURO, AGORA! (Imagem: arte da pintora Dimitra Milan) – Diudinho, desde menino, pau mandado do coronel Fredão. Ouvia do pai, desde sempre: Deus no céu, o coronel na Terra. Dele a lei e a existência. Afilhado pelo batismo da consideração, vivia ali na sombra dele pra toda serventia: recados, favores, assistência. Mal completara dezessete anos, Dedira, uma matuta cheia dos trejeitos, fez do cabra um alvoroçado de paixão. Namoro firme, já com cara de noivado, meteu a mão e tudo na cumbuca, dela perder os três vinténs. Emprenhou e ela botou as unhas de fora: - Quero uma jaca daquela! Não pode. Mas eu quero. E peiticou tanto dele amolecer no cumprimento da lei. Já dizia o ditado: mulher pode com tudo que tem fôlego. Lá foi Diudinho buscar uma no meio de tantas. Mal comera dos bagos, o coronel deu por falta: - Cadê a jaca daqui? Quem foi? Fui eu, padrinho, pra alimentar meu filhinho que está pra nascer. Sebruino! Inhô! Leva esse disgramento pra igrejinha prele aprender a não mexer mais em coisa minha. E foi a primeira pisa, cada lapada de deixar o cabra marcado. Havia mesmo ali uma capela pro padre rezar a missa dominical. Durante a semana era o local de pisas e suplícios, caprichos do coronel. Dias depois, ela: - Quero carne de bezerro! Num pode. Quero. Trocentas cabeças, maior lengalenga, não há de dar falta. De tardezinha, de ovo virado, o coronel cagava raio: - Cadê o bezerro? Quem foi? Fui eu, padrinho, pra alimentar meu filhinho que está pra nascer! Sebruíno! Inhô! Esse é ladrão! Leva pra igreja, dá-lhe a lição de sempre e mata esse desgraçado. O coronel mesmo foi dando as primeiras lamboradas, quase teve um troço de raiva e mandou os jagunço acunharem no rapaz que já cuspia sangue. Acaba de matar que esse não dá jeito e joga nas moitas do lado da rodagem! Pegaram-no quase morto e sacudiram atrás das capoeiras. Na hora do tiro de misericórdia, preferiram ir embora. Deram-no por morto. Horas depois, o milagre: um casal de idosos recolhia o moribundo, meses de recuperação. Ganhou cuidados, educação, tomou jeito de gente. Nunca mais Dedira, filho embuchado, nada. Fora aconselhado a não pisar por aquelas bandas, estava morto e enterrado. Apagou o passado e seguiu em frente, coração sangrando. Anos se passaram e ele chegou a funcionário de banco, até gerente. Um dia, pra seu espanto, o coronel deu as caras à beira da falência. Ele adentrou sua sala peticionando um empréstimo rural pra se livrar da bancarrota. E ele, solícito, virou-se pra ele: - Padrinho, e a fazenda Estrela Dalva como vai? As cabeças de gado, a plantação farta, os cavalos de raça, as toneladas de cana, tudo por água abaixo, em petição de miséria. Padrinho, quanto o senhor precisa? O passado escreveu o presente; o futuro, agora. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.


Imagem: a arte do desenhista inglês Thomas Rowlandson (1756-1827). Veja mais aqui.


Curtindo os álbuns Vokalmusik & Kammerkonzert (Aulos), da compositora e pianista romena Adriana Hölszky.

PESQUISA:
[...] Numa época em que a ciência consegue, de tal forma, modificar a Natureza, que o mundo já nos parece quase habitável, o homem não pode continuar a ser apresentado ao homem como uma vítima, como objeto passivo de um ambiente desconhecido, imutável. As leis do movimento são, do ponto de vista de uma bola, quase inconcebíveis. E é precisamente porque a natureza da sociedade humana – em contraposição com a Natureza em geral – tem permanecido, até hoje, obscura, que nos encontramos, como nos asseguram os cientistas, perplexos perante a possibilidade de um aniquilamento total do nosso planeta, que ainda mal conseguimos tornar habitável. Não ficarão, decerto, surpreendidos ao ouvirem afirmar que a questão da viabilidade de uma reprodução do mundo é de ordem social. [...] E talvez concordem comigo em que o mundo de hoje precisa de uma transformação. [...] creio que o mundo de hoje pode ser reproduzido, mesmo no teatro, mas somente se for concebido como um mundo suscetível de modificação.
Trecho extraído do livro Estudos sobre teatro (Nova Fronteira, 1978), do dramaturgo, encenador e poeta alemão Bertolt Brecht (1898-1956). Veja mais aqui.

LEITURA
Naqueles tempos em que esta história teve início, os domingos de feira eram bem mais buliços que os de hoje em dia. Como que se tocados por uma animação maior que a habitual, uma felicidade acima da corriqueira. A explicação disto bem pode estar – com certeza, deve-se dizer – nas tramas e enredos que vão tecer esta narrativa. [...]
Trecho extraído da obra Nunca houve guerrilha em Palmares (Mercado Aberto, 1987), do escritor Luiz Berto. Veja mais aqui e aqui.

PENSAMENTO DO DIA:
[...] Nas grandes civilizações, a língua é o suporte da dinamica social, que compreende não só as relações diárias entre os membros da comunidade, como também uma atividade intelectual, que vai desde o fluxo informativo dos meios de comunicação de massa até a vida cultural, científica ou literária.
Trecho da obra Sociolinguística: os níveis da fala (Nacional, 1974), do professor e linguista Dino Preti, estudando os aspectos das relações entre a língua oral e escrita, mostrando que as duas modalidades guardam aproximações ao analisar os fatores sociocultarais que agem sobre a língua oral, a influencia da norma e dos problemas de transcrição da fala, as soluções adotadas pelos principais prosadores da literatura, na representação escrita das variações linguísticas de suas personagens, nas diferentes épocas da prosa brasileira.

IMAGEM DO DIA: 
Nude in a Hammock, do escultor florentino Antonio Frilli (??-1902).

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CRÔNICA DE AMOR POR ELA
Ginocracia: o reino das mulheres, a arte da artista plástica russa Vera Donskaya-Khilko. Veja aqui e aqui.

CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Recital Musical Tataritaritatá - Fanpage.
Veja aqui e aqui.