LAGOA DA PRATA (Imagem:
Lake Of Zug, by Joseph Mallord William Turner) -
Branca Dias parecia mais que nascera com uma estrela na testa. Apesar dos pais
modestos e simples, a beleza do casal invejava a todos e, a formosura de ambos,
procedeu nela uma química graciosa fora dos precedentes. De uma garota bela
duma infância feliz, deu-se adolescente não menos contemplada de uma boniteza
ímpar com seus atributos corporais, ser o centro das fofocas e conversações da
população inteira. Mas eis que mal debutara, ficou órfã: seus pais faleceram de
um acidente de trânsito. Foram atropelados quando se encontravam no ponto de
ônibus aguardando a condução pra casa, por um motorista embrigado que guiava em
alta velocidade. Diz-se ter sido um juiz de direito completamente bêbado que
fora o responsável pela fatídica morte deles. Até hoje nada fora apurado, vez
que seguia no abafado da justiça para impunidade do réu. Fora ela, então, encaminhada
aos cuidados de uma tia austera e bastante rígida num distrito da cidade e, com
pouco tempo depois, viu-se enamorada com um simpático rapaz que lhe dedicara
paixão desmedida e pedira sua mão em casamento justo quando passou em concurso
público, ingressando no quando de funcionários do Banco do Brrasil. Contraíram
núpcias oito meses depois e, mais três anos mais tarde, uma nova tragédia
abalara sua vida: o marido se afogara numa pescaria, deixando-a viúva em plena
flor da idade. Resignada na sua solidão, ao longo de cinco anos amealhara
fortuna, tornando-se um dos baluartes da sociedade local. Nesse tempo, o seu
cunhado Heitor Furtado, irmão bastardo do seu falecido marido, requeria sua
parte na herança, visto ter sido sócio dele em negócio informal, investido
todas as suas posses e falindo com saída do sócio. Branca sabia das astúcias do
cunhado nunca achegado, ciente de que usaria de todos os ardis para assaltar seu
patrimônio. Não deu outra e assim fez o crápula, investindo de todas as formas
e modos sobre a faustosa riqueza dela, aprontando muitas e boas com armações
zis, até denunciá-la por traficante de drogas e alcoviteira de puteiro, usando,
pois, de todos os expedientes possíveis para arruiná-la. Numa pendenga de
décadas, já com seus grisalhos cabelos, ela procurou sair do encalço de seu
desafeto, adquirindo uma propriedade rural nas proximidades de uma lagoa, para
qual se mudou dias depois. Incansável, o traste velhaco não diminuía em nada
nas petições astutas contra suas posses, a ponto de resultante de engenhosa
armação com policiais e autoridades corruptas, impetrar ação judiciosa que foi
acatada e pronta para busca e apreensão de seus bens. Foi quando soube que o
local onde havia se estabelecido, fora o mesmo no qual seu marido se vitimara.
Ela pranteou por dias e noites, até com rezas de todo tipo de oração, invocando
do marido finado a sua proteção. Assim fez por rituais de muitas velas, noites
e rezas, até que, na véspera do arresto de seus bens, em plena noite sem
estrelas, do breu surgiu um barulho ensurdecedor, de ouvir-se distante
quilômetros dali. Quando o oficial de justiça e seu infeliz cunhado, escoltado
por destacamento policial, chegaram ao local, o lugar estava mais limpo de não
parecer ter existido nada ali. Soubera-se, depois, que a lagoa num momento de
fúria da natureza, engoliu o prédio de sua residência, enterrando no espesso
fundo daquele recursos hídrico, todas as posses dela agora sumida juntamente
com seus bens. Por conta disso, as águas da lagoa tomaram uma cor prateada,
passando-se, doravante, a ser chamada de Lagoa de Prata. © Luiz Alberto
Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui, aqui e aqui.
Imagem: a arte do
artista plástico Wesley Duke Lee
(1931-2010).
CONHEÇO O MEU LUGAR
O que é
que pode fazer o homem comum Neste presente instante senão sangrar?
Tentar
inaugurar a vida comovida inteiramente livre e triunfante?
O que é
que eu posso fazer com a minha juventude
Quando a
máxima saúde hoje é pretender usar a voz?
O que é
que eu posso fazer um simples cantador das coisas do porão?
Deus fez
os cães da rua pra morder vocês que sob a luz da lua
Os
tratam como gente - é claro! - aos pontapés
Era uma
vez um homem e o seu tempo, botas de sangue nas roupas de Lorca
Olho de
frente a cara do presente e sei que vou ouvir a mesma história porca
Não há
motivo para festa: Ora esta! Eu não sei rir à toa!
Fique
você com a mente positiva que eu quero é a voz ativa (ela é que é uma boa!)
Pois sou
uma pessoa. Esta é minha canoa: Eu nela embarco.
Eu sou
pessoa! A palavra "pessoa" hoje não soa bem. pouco me importa!
Não!
Você não me impediu de ser feliz!
Nunca
jamais bateu a porta em meu nariz!
Ninguém
é gente! Nordeste é uma ficção! Nordeste nunca houve!
Não! Eu
não sou do lugar dos esquecidos!
Não sou
da nação dos condenados!
Não sou
do sertão dos ofendidos!
Você
sabe bem: Conheço o meu lugar!
Música de Belchior.
PESQUISA:
Quem
anda no mato, que vê muita coisa, também cala a boca, também cala a boca.
Extraído do livro O folclore no Brasil (Imprensa Nacional, 1939), do folclorista,
historiador e professor Basílio de Magalhães (1874-1957), reunindo 81 cartas
populares contando histórias das lendas do Brasil, organizada por João da Silva
Campos e revisão crítica de Aurélio Buarque de Holanda. Veja mais aqui.
LEITURA
[...] Sim. Tudo isso porque Jauaraicica mora no
remoinbho do açude Uirapiá, e sai todos os anos para caminhar pelas vazantes, e
de cada rastro brotam sementes, nascem riachos e lagoas.
Trecho
do conto O garrote Juaraicica,
extraído da obra Chão de mínimos amantes
(Francisco Alves, 1961), do escritor Moacir da Costa Lopes (1927-2010).
PENSAMENTO DO DIA:
[...] a condição pós-humana diz respeito à
natureza da virtualidade, à genética, à vida inorgânica, aos ciborgues, à
inteligência distribuida, incorporando biologia, engenharia e sistemas de
informação. Por isso mesmo, os significados mais evidentes, que são
costumeiramente vinculados à expressão pós-humano, associam-se às inquietações
acerca do destino biônico do corpo humano.
Trecho
extraído do livro Culturas e artes do
pós-humano: da
cultura das mídias à cibercultura (Paulus, 2003), da professora e pesquisadora
Lucia Santaella, refletindo
sobre a passagem da cultura de massas para a cultura das mídias que fertilizou
o terreno sociocultural para o surgimento da cultura digital, com questões relacionadas
aos temas do ciberespaço, cibercultura e ciberarte. Veja mais aqui e aqui.
IMAGEM DO DIA:
A arte
da fotógrafa russa Tatiana Mikhina.
Veja mais sobre Folia Caeté,
Antônio Carlos Gomes, Sérgio Buarque de Holanda, Luis de Góngora y Argote, Carmen Miranda, Roberto Cardoso de Oliveira,
Karl Georg Büchner, Alfred Green, Ivan Gregorewitch Olinsky, Charles-Antoine
Coypel & William Orpen aqui.
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
CANTARAU:
VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.